Resolução política da reunião da DNAE em 30 de junho de 2019
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 30/6, aprovou a seguinte Resolução:
O golpe contra Dilma, a interdição de Lula e a eleição fraudulenta de Bolsonaro; a acelerada ofensiva da direita contra a soberania nacional, os direitos sociais e as liberdades democráticas; o tenso ambiente regional e internacional; a recessão econômica, com o consequente crescimento do desemprego e da miséria; os conflitos dentro da coalizão governista; a mobilização popular contra o governo e suas ações: estas são as grandes variáveis que constituem o pano de fundo da evolução da conjuntura nacional. Numa palavra: crise.
Uma das características de momentos de crise, como este em que estamos vivemos, é a disparidade nas análises da conjuntura política, da correlação de forças, dos propósitos últimos de cada classe e setor de classe. Não surpreende, portanto, a diversidade de avaliações acerca das manifestações convocadas e realizadas por diferentes setores da direita, no domingo 30 de junho, em apoio ao governo Bolsonaro, à reforma da previdência, em apoio a Moro e o seu pacote anti-crime. Segundo alguns, as manifestações teriam sido expressivas, embora não tanto quanto seus organizadores pretendiam. Segundo outros, o bolsonarismo estaria desmanchando. Outra característica de momentos de crise é o tratamento disparatado dos riscos: há desde os que os ampliam tanto, que geram paralisia, até os que minimizam tanto as ameaças, ao ponto da irresponsabilidade. Isto também aparece no balanço das manifestações de 30 de junho.
Disparates à parte, o fato é que durante décadas a esquerda foi “dona das ruas”. Mas desde 2013 a direita vem disputando as ruas. E em 2019, por duas vezes seguidas, o governo Bolsonaro fez algo que a esquerda, durante os governos Lula e Dilma, nunca fez: convocar atos de massa em seu favor! E o fato é que, em dezenas de cidades, algumas centenas de milhares de pessoas decidiram comparecer e dizer algo como: “é um governo de merda, mas é meu governo”.
Pode-se tirar muitas conclusões deste fato; pode-se comparar o 30 de junho com o 26 de maio e constatar uma queda no comparecimento; pode-se dizer que a esquerda mobilizou mais pessoas nos atos de 15/5, 30/5 e 14/6; mas não se deve omitir o seguinte: Bolsonaro e sua troupe estão tentando construir uma extrema-direita de massas. Deste ponto de vista, tão importante quanto os números, é a disposição crescentemente ditatorial dos que foram às ruas. Qualquer semelhança com o fascismo não é mera coincidência.
Por outro lado, é preciso analisar: qual o impacto desta mobilização no comportamento do legislativo frente à reforma da previdência? No comportamento do judiciário frente ao Morogate? No comportamento do governo frente à oposição? E no jogo de forças dentro da coalizão governista?
Comecemos pelo governo: ao patrocinar, apoiar e indiretamente participar (com a presença do general Heleno e do filho Eduardo) dos atos de 30/6, Bolsonaro deixa claro que não vai se limitar à via institucional. O núcleo duro do governo está disposto a endurecer contra a oposição de esquerda e contra os setores populares. O ritmo e a forma deste endurecimento dependerão de diversos fatores, dentre os quais a evolução da situação internacional, as disputas na coalizão governista e a força da oposição de esquerda. Mas independentemente destes fatores, não deve haver dúvida alguma acerca da disposição de endurecer.
Quanto ao judiciário, as manifestações reforçam não haver espaço para ilusões acerca das consequências mais imediatas do Morogate. Para parte majoritária do governo e de sua base social, os fins justificam os meios. É evidente que devemos seguir repercutindo as provas do que sempre dissemos acerca da Operação Lava Jato, inclusive contra setores “republicanos” da própria esquerda que mesmo no segundo turno de 2018 manifestavam ilusões na Lava Jato. É claro que devemos continuar exigindo a demissão do ministro Moro, agora inclusive pelo uso do cargo em defesa própria. Mas uma possível anulação da Operação Lava Jato, em particular das condenações contra Lula, depende 99% da pressão popular, e apenas 1% das provas e evidências de que Moro é um criminoso. Assim, não se deve esperar autocrítica, nem sentimento de culpa do “partido judiciário”, do MPF e da PF, que já deram inúmeras demonstrações de que aplicam, no caso de Lula e de outros petistas, uma legislação de exceção. Aliás, o caso de Lula ilustra, de maneira muito contundente, como realmente funciona o sistema judiciário no Brasil, de maneira seletiva e discriminatória, lançando mão de “prisões preventivas” etc.
Quanto ao legislativo, as manifestações não alteram a posição hoje majoritária no Congresso: a de que é preciso aprovar alguma “reforma” da previdência, sem prejuízo de mais à frente votarem novas maldades.
Finalmente, as manifestações evidenciam a força específica que possui o “bolsonarismo” frente a outros setores da direita. Nenhum outro setor da direita tem a capacidade de mobilização demonstrada nos dias 26/5 e 30/6.
Portanto, é um equívoco subestimar as manifestações da direita. Elas poderiam ser consideradas “fracas” se tivessem sido feitas contra um governo de esquerda; mas elas foram feitas a favor de um governo de direita, que conta com os instrumentos, com a maioria institucional e com a vontade de aplicar seu programa.
A reforma da previdência
Se não devemos subestimar, tampouco devemos superestimar as forças do inimigo. Há claros sinais de desgaste e crise na base social do governo. Isso é particularmente importante no caso da reforma da previdência. As divergências na base de apoio, mais a pressão social, abrem uma pequena possibilidade de derrotar a reforma, ou pelo menos aspectos dela. Mas para isso é fundamental enfrentar o papel deletério da mídia, em especial da Rede Globo, principal porta-voz da “reforma”. É preciso, também, fazer de tudo para que a votação ocorra no segundo semestre e submeter os governadores petistas à tática que foi aprovada pelo Partido.
Apesar do Diretório Nacional do PT ter fechado questão contra a reforma da previdência, vários governadores petistas deram declarações e fizeram articulações de apoio à reforma, desde que fossem retirados alguns pontos e desde que o conjunto da reforma fosse também estendida aos estados e municípios. Sem falar nas negociações em torno da destinação de outros recursos públicos. Portanto, há governadores petistas que, na prática, defendem uma reforma similar a proposta por Temer, tudo isto em nome de uma solução errada para os problemas reais de equilíbrio financeiro das previdências estaduais.
O relatório da reforma já estende aos estados e municípios várias medidas negativas para a classe trabalhadora. E também por isto a reforma precisa ser derrotada, seja na versão original, seja na versão do relatório, não cabendo em nenhum caso a defesa de ampliar seus efeitos nefastos. É uma falácia que alguns governadores defendam a reforma com posturas na linha do “meu estado acima de tudo”. O saldo global desta reforma, caso fosse aprovada, seria negativo para o conjunto da economia brasileira. Eventuais “reduções de despesas” seriam engolidas pela perda de arrecadação resultante de uma reforma que inviabiliza a aposentadoria da parcela mais vulnerável da classe trabalhadora, que é quem trabalha no setor privado e contribui para o INSS.
A posição destes governadores precisa mudar, pois é ruim para o povo, ruim para a economia de seus estados e pode desmoralizar o Partido e todos que fazem oposição popular e parlamentar ao projeto de Bolsonaro. Além disso, a atitude dos governadores pode contribuir para que a reforma seja votada ainda no primeiro semestre. Portanto, cabe reafirmar que o Diretório Nacional do PT fechou questão: somos globalmente contrários a reforma e ao relatório e não defendemos a inclusão dos estados e dos municípios, muito menos como condição para apoiar a reforma; tampouco defendemos qualquer outro tipo de transação com os direitos do povo; fazer isto não seria negociação, mas sim traição!
A atitude dos governadores demonstra, na prática, um dos muitos riscos de uma eventual “frente democrática” da esquerda com o “centro”: o preço é nossa capitulação ao programa neoliberal e social-liberal, exatamente no momento em que cresce a resistência, liderada pelos partidos de esquerda, pelas centrais sindicais, pelas frentes e pela juventude, a tudo que significa o governo Bolsonaro.
Um governo que segue operando para nos destruir em diversas frentes: no plano internacional, com a adesão às posições da extrema-direita europeia e gringa; no plano econômico, a prioridade total para as transnacionais, para o agronegócio (como se viu no caso do acordo com a União Europeia, que vai aprofundar à desindustrialização e a dependência) e para o grande capital financeiro, beneficiado pela continuada política monetária de juros acima da média internacional; no plano social, o aumento do desemprego, a redução da remuneração direta e das políticas sociais voltadas à classe trabalhadora; no plano da política, uma ofensiva contra as liberdades democráticas em geral, e contra a esquerda e o PT em particular.
Para derrotar o governo Bolsonaro e a coalizão que o apoia, será exigido um intenso e continuado processo de disputa de consciências, de organização e de mobilização da classe trabalhadora. E isso será muito mais difícil de fazer, se uma parte da esquerda apostar numa aliança com “setores de centro”, numa mal denominada “frente democrática”, mal denominada entre outros motivos porque entre os setores de “centro”, há quem tenha apoiado alguma etapa do golpe, como o fez parte do PSB, como o governador Paulo Câmara; assim como há quem defenda a condenação e prisão de Lula, como o faz Ciro Gomes. Entre estes e outros setores, apesar de divergências pontuais e táticas, não existe disposição para buscar uma derrota de conjunto do governo Bolsonaro.
Por tudo isso, sem prejuízo de alianças pontuais com setores de “centro”, seguimos trabalhando pela construção de uma “frente democrática e popular”. E é com este objetivo, entre outros, que participaremos ativamente dos congressos da UNE, da CUT e do PT.
Congresso da UNE
O congresso da UNE, que ocorrerá de 10 a 14 de Julho, será o primeiro CONUNE realizado sob o governo de Bolsonaro. Realizado nas mesmas bases dos últimos, tende a reforçar a linha já adotada em 2017, segundo a qual a conjuntura impõe uma “necessária unidade” em torno da dita “frente democrática”.
Hegemônica entre as forças que hoje são maioria na diretoria da UNE, essa ideia difusa de “frente democrática” não contribui para o enfrentamento e a derrota do Governo Bolsonaro, e tampouco para o acumulo de forças das organizações estudantis de base. Como demonstrou a recente visita da presidenta e vice da entidade ao presidente do STF, a linha da “frente democrática” reforça a ilusão conciliatória e institucional. O caminho alternativo, democrático e popular, é o que nos levou às ruas, nos dias 15 e 30 de maio, bem como 14 de junho.
Neste congresso da UNE, as forças de esquerda, a começar pelos petistas, devem trabalhar para derrotar as posições recuadas e moderadas que o PCdoB e aliados insistem em sustentar para o movimento estudantil, como se houvesse medo de fazer o enfrentamento com receio de uma rebordosa pior do que a situação que já vivemos. Sabemos, entretanto, que a maioria das tendências petistas, assim como o Levante Popular da Juventude, trabalham noutra perspectiva: o de uma aliança subalterna ao PCdoB. O que ajuda o PCdoB a estabelecer uma “polarização” contra a chamada Oposição de Esquerda.
Em nossa opinião, esta polarização que vai se construindo no Congresso não reflete a polarização realmente existente na sociedade e entre os estudantes. Ou seja: na vida real dos estudantes brasileiros, a alegada polarização entre a maioria dirigida pelo PCdoB e a chamada Oposição de Esquerda não existe.
Também por este motivo, seria um erro qualquer força petista se tornar linha auxiliar do esquerdismo crítico ao PT, que na UNE atacou brutalmente os governos petistas, jamais fez autocrítica e agora busca seduzir setores petistas para cumprir um duplo papel: por um lado destruir qualquer hipótese de alternativa petista para entidade; por outro, ter a chancela petista para se livrar do histórico de erros cometidos quando setores daquele campo defenderam ou minimizaram o golpe.
Assim, reforçamos a necessidade de os jovens estudantes orientados pela política da Articulação de Esquerda, apresentarem tese e chapa no Congresso da UNE, demarcando tanto com a “maioria” quanto demarcando com a “oposição de esquerda”. Nesta perspectiva dialogaremos com os demais setores do partido que compreendam o papel que o PT precisa cumprir neste momento e como deve se comportar na construção na União Nacional dos Estudantes
Neste intenso e continuado processo de disputa de consciências, de organização e de mobilização, a UNE pode cumprir um importante papel, como cumpriu quando mobilizou os estudantes contra os cortes na educação. Mas a receita de mobilização sem disputa de consciências e sem organização não pode continuar sendo a fórmula utilizada para enfrentar e derrotar Bolsonaro.
Congresso da CUT
O 13º Concut teve início em maio, com as assembleias de base e terminará em dezembro, com os Congressos Estaduais sendo realizados após a etapa nacional que acontecerá entre 7 e 10 de outubro na Praia Grande, em São Paulo. O enfrentamento da conjuntura exige uma política de combate sustentada pela conscientização e mobilização da classe trabalhadora associada a um novo modelo de organização.
A CUT está chamada a mudar a sua estrutura, organização, método de trabalho, funcionamento e método de direção, organização na base e relação com as classes trabalhadoras, mobilização e luta sindical, conteúdos e práticas de comunicação e formação política.
A maior organização da classe trabalhadora no Brasil enfrenta um conjunto de dificuldades também decorrentes de um longo crescente processo de adaptação, burocratização, fragmentação e despolitização do movimento sindical.
A Articulação de Esquerda atuará no 13º CONCUT defendendo propostas concretas para: a) a democratização da CUT com o fim da cláusula de barreira e a participação dos/das trabalhadores/as de base nos processos congressuais, entre outras medidas b) o fortalecimento dos sindicatos de base na unificação das lutas e das estruturas, bem como mudanças na estrutura vertical da Central c) a proposição de novas formas de organização com base nos territórios e no fortalecimento da organização horizontal d) o reconhecimento de organizações de trabalhadores/as que estão à margem da estrutura sindical formal e) a organização dos terceirizados e dos trabalhadores informais e precarizados f) a prioridade para a construção de alianças estratégicas – no trabalho de base e na luta de massas – com os movimentos populares g) o aumento da sindicalização e do financiamento das atividades sindicais pelos trabalhadores e trabalhadoras h) o trabalho de base e de formação política no centro da ação sindical.
Congresso do PT
No congresso do PT (em novembro) seguiremos trabalhando firme para derrotar os setores fisiológicos e os setores social-democratas que usam o partido para propósitos e defendem políticas que ameaçam a sobrevivência do próprio PT. Um exemplo disso é a postura, novamente de governadores, que tentam obrigar o Partido a abrir mão de candidaturas a prefeito em importantes cidades, já preparando em 2020 o terreno para apoiar, em 2022, candidaturas de centro-direita.
Vencer o congresso do PT começa por garantir que haja congresso, e não apenas um PED. Passa por apresentar claramente à base do Partido o que está em questão, evitando “alianças” que impedem a clarificação das questões em jogo. Exige montar chapas de delegados, bem como chapas de direção e candidaturas presidenciais em âmbito zonal, municipal, estadual e nacional. Exige afirmar claramente que a recondução do grupo que atualmente é maioria no DN, é uma ameaça à sobrevivência do Partido: a burocracia, o fisiologismo e a social-democracia são incapazes de responder adequadamente aos desafios presentes e futuros postos para a classe trabalhadora.
A antecipação da campanha pela recondução da atual presidenta do Partido impõe a nós antecipar também a apresentação de nossa chapa e candidatura. Seguiremos defendendo a atual presidenta contra os ataques que provêm da direita e de setores de sua própria tendência, que aliás parecem seguir a busca de um nome alternativo. Mas deixaremos claro que o Partido precisa de outro estilo de condução, mais orgânico e coletivo, menos “parlamentar” e mais militante; e precisa de uma presidência capaz de enfrentar e derrotar as posições burocráticas, fisiológicas e social-democratas que prevalecem na cúpula do grupo hoje majoritário, grupo ao qual pertence a atual presidenta nacional, o que na prática a impede de fazer o que deve ser feito.
Nos próximos dias divulgaremos a tese nacional e o manifesto da candidatura presidencial, centrando nas linhas aprovadas no recente congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda: a luta pelo socialismo; a luta pelo poder; uma estratégia ancorada na combinação entre luta social, cultural e institucional; uma oposição radical ao governo Bolsonaro e ao conjunto da coalizão golpista; a defesa de uma frente democrática e popular; a construção de um PT militante; e, por último, mas o mais importante de tudo, a reconquista dos setores da classe trabalhadora que se afastaram do PT, especialmente entre 2011 e 2015.
Lula Livre! Anulação das penas ilegais impostas pelos criminosos da Lava Jato!
Fora Moro, demissão já!
Nem Bolsonaro, nem Mourão, nem centrão! Saída democrática é eleição livre, e eleição livre é aquela em que Lula possa participar!
Em tempos de guerra, a Esperança é Vermelha!
Direção nacional da Articulação de Esquerda do PT
Brasília, 30 de junho de 2019