Por Valter Pomar (*)
Se não fosse tão perigoso, o jornal O Globo seria apenas ridículo.
Citando o próprio jornal, “a lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, para citar apenas alguns“.
O trecho acima está aqui: Apoio ao golpe de 64 foi um erro | Memória O Globo
No mesmo lugar, está dito também: “(…) o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma“.
Essa autocrítica seria quase sincera, não fosse um detalhe: o apoio do Globo ao Golpe de 1964 não foi um ponto fora da curva.
Assim sendo, é simplesmente ridículo o jornal achar que pode questionar as “credenciais democráticas” do presidente Lula e do PT.
Mas, definitivamente, O Globo não tem medo do ridículo. É o que se pode confirmar, lendo o editorial intitulado “Nota do PT sobre Venezuela precisa ser condenada”.
O editorial foi disponibilizado em versão digital no dia 30 de julho e, ao que dizem, sairá na versão impressa do dia 31 de julho.
Vejamos, ponto a ponto, as afirmações do jornal do falecido “doutor Marinho”.
“A nota da Executiva Nacional do PT sobre a eleição na Venezuela, se não for rechaçada publicamente, abala as credenciais democráticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Traduzindo: O Globo quer que Lula repudie a nota do PT.
“O texto divulgado na segunda-feira reconhece Nicolás Maduro como presidente eleito e descreve o pleito de domingo como uma “jornada democrática e soberana”.
Precisando: a Venezuela tem uma justiça eleitoral. Foi esta justiça eleitoral que anunciou, oficialmente, que Nicolás Maduro é o presidente eleito. Não é o PT, nem O Globo, nem as pesquisas, nem o CNE quem decidiu; foi o povo venezuelano, através da eleição, que por maioria escolheu eleger Maduro.
“Nenhuma menção às irregularidades em série durante todo o processo eleitoral nem à repressão pelas Forças do regime e milícias aos protestos pacíficos contra a fraude”.
Explicando: a nota do PT não é uma obra de ficção, por isso não menciona o que não existiu. Por outro lado, a nota do PT omite qualquer referência aos atos de violência cometidos pela extrema-direita venezuelana, em vários casos com agressões físicas e tiros contra a população. A nota do PT tampouco menciona que esta mesma extrema-direita se recusou a assinar o compromisso de respeito aos resultados eleitorais. Imagina se falasse: o editorialista de O Globo teria que tomar – com o perdão da citação – chá de camomila.
“A nota contraria a posição de democracias ao redor do mundo, inclusive a do próprio governo brasileiro”.
Lembrando: democracia não é unanimidade, democracia é debate, pluralidade, várias opiniões, diversidade. Discurso único, posição única, receita única, é coisa de neoliberal.
“Lula e o PT têm laços com os governantes da Venezuela desde os tempos de Hugo Chávez e, ao longo dos anos, não faltaram palavras de apoio. Após uma contestada eleição para uma Assembleia Constituinte em 2017, Lula pediu uma salva de palmas ao pleito. Em 2019, rechaçou a pressão internacional sobre o país vizinho: “Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela [eleger] democraticamente seus dirigentes”. De volta ao Planalto, recebeu Maduro em Brasília afirmando haver uma narrativa autoritária sendo construída sobre ele. Em seguida, disse haver mais eleições na Venezuela que no Brasil e defendeu a ideia de que o conceito de democracia é relativo. Não é”.
Historiando: Chávez foi eleito em 1998. Desde então e até hoje, são cerca de 26 anos, onde ocorreram mais de 26 processos eleitorais. O sistema eleitoral venezuelano se tornou um dos melhores do mundo, segundo Jimmy Carter, aquele bolivariano que foi presidente dos Estados Unidos. A oposição está lá na Venezuela, governa estados, cidades, possui parlamentares e meios de comunicação. Mesmo assim há quem ache que a Venezuela é uma ditadura. E que considere que esta sua interpretação é “absoluta”.
“Como sabem os venezuelanos presos por suas posições políticas, os impedidos de concorrer em eleições e os milhões de eleitores que se sentem novamente roubados após uma contagem de votos, os significados de democracia e eleições livres não são elásticos. Assim como a gravidade, não mudam dependendo do país, algo que o PT parece resistir a aceitar”.
Retificando: na Venezuela tem pessoas que foram presas por crimes previstos em lei, não por defender posições politicas. Na Venezuela o voto é facultativo e se alguém não votou, não foi por ser impedido. Não houve roubo na contagem de votos. O Globo mente. E o PT resiste, contrapõe e não aceita mentiras.
“Em menos de um ano, essa é a segunda vez que eleições feitas por líderes autocratas são elogiadas. Em março, o secretário de Relações Exteriores do partido exaltou a vitória do russo Vladimir Putin como “feito histórico”. Nada sobre os candidatos da oposição russa impedidos de participar, nem sobre Alexei Navalny, morto numa prisão perto do Círculo Ártico. Descrições fantasiosas como essa parecem sair da literatura, de um mundo orwelliano, não da realidade”.
Perguntando: O Globo não concorda com Putin, nem com Maduro. Mas chama Putin de “presidente da Rússia”. Reconhece portanto o resultado proclamado, apesar de dizer do processo eleitoral russo coisas que não diz nem mesmo acerca do processo eleitoral venezuelano. Qual a causa destes dois pesos e duas medidas??
“A nota da Executiva do PT sobre a Venezuela foi divulgada num momento em que Lula parecia se distanciar do apoio incondicional ao regime chavista. Na semana passada, o presidente se disse assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse as eleições, haveria um banho de sangue. “Quem perde as eleições toma banho de votos, não de sangue”, disse. Após a contagem de votos suspeita nesta semana, o Itamaraty não reconheceu a vitória de Maduro e disse aguardar a publicação dos dados desagregados por mesa de votação”.
Ironizando: O Brasil é uma democracia, o governo é de coalizão, o PT é um partido. Por qual motivo O Globo se incomoda tanto com a diversidade alheia?? Prefere a uniformidade da ordem unida?? Está preocupado em garantir a nossa unidade monolitica?? Ou virou defensor do centralismo democrático??
“O negacionismo democrático demonstrado pela nota do PT destoa do discurso empregado pelo partido para descrever a conjuntura brasileira. Aqui, diz enxergar ameaças ao Estado Democrático de Direito”.
Desenhando: a oposição de extrema-direita, que afirma ter havido fraude, é ligada ao VOX espanhol, que é ligado ao Milei argentino, que é ligado ao cavernícola brasileiro, que é ligado ao Trump, que por sua vez apoia a direita genocida de Israel, que gosta e é gostada por todos os citados. Este turma toda quer derrubar Maduro e não dá a mínima para o Estado Democrático de Direito, nem na Venezuela, nem no mundo. Portanto, o discurso do PT é o mesmo, O Globo é que finge confundir focinho de porco com tomada.
Ridicularizando: O Globo não tem a mínima moral para falar de democracia. Dentro do PT têm pessoas que criticam Maduro, que não concordam com a nota da executiva nacional, que tem restrições ao processo eleitoral venezuelano. Mas dentro do PT não tem golpista. O Globo é um jornal golpista. Em 1964, em 2016 e sempre. E se vamos falar de “aberração” que precisa ser “reparada”, falemos do oligopólio comunicacional empresarial, que está em absoluta contradição com o que diz a Constituição de 1988.
Resumindo: quem precisa ser condenado é O Globo. Algum dia será.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT
***
SEGUE A NOTA CITADA ACIMA
Nota do PT sobre Venezuela precisa ser condenada
Declaração em favor de Maduro enfraquece as credenciais democráticas do presidente Lula
A nota da Executiva Nacional do PT sobre a eleição na Venezuela, se não for rechaçada publicamente, abala as credenciais democráticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto divulgado na segunda-feira reconhece Nicolás Maduro como presidente eleito e descreve o pleito de domingo como uma “jornada democrática e soberana”. Nenhuma menção às irregularidades em série durante todo o processo eleitoral nem à repressão pelas Forças do regime e milícias aos protestos pacíficos contra a fraude. A nota contraria a posição de democracias ao redor do mundo, inclusive a do próprio governo brasileiro.
Lula e o PT têm laços com os governantes da Venezuela desde os tempos de Hugo Chávez e, ao longo dos anos, não faltaram palavras de apoio. Após uma contestada eleição para uma Assembleia Constituinte em 2017, Lula pediu uma salva de palmas ao pleito. Em 2019, rechaçou a pressão internacional sobre o país vizinho: “Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela [eleger] democraticamente seus dirigentes”. De volta ao Planalto, recebeu Maduro em Brasília afirmando haver uma narrativa autoritária sendo construída sobre ele. Em seguida, disse haver mais eleições na Venezuela que no Brasil e defendeu a ideia de que o conceito de democracia é relativo. Não é.
Como sabem os venezuelanos presos por suas posições políticas, os impedidos de concorrer em eleições e os milhões de eleitores que se sentem novamente roubados após uma contagem de votos, os significados de democracia e eleições livres não são elásticos. Assim como a gravidade, não mudam dependendo do país, algo que o PT parece resistir a aceitar.
Em menos de um ano, essa é a segunda vez que eleições feitas por líderes autocratas são elogiadas. Em março, o secretário de Relações Exteriores do partido exaltou a vitória do russo Vladimir Putin como “feito histórico”. Nada sobre os candidatos da oposição russa impedidos de participar, nem sobre Alexei Navalny, morto numa prisão perto do Círculo Ártico. Descrições fantasiosas como essa parecem sair da literatura, de um mundo orwelliano, não da realidade.
A nota da Executiva do PT sobre a Venezuela foi divulgada num momento em que Lula parecia se distanciar do apoio incondicional ao regime chavista. Na semana passada, o presidente se disse assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse as eleições, haveria um banho de sangue. “Quem perde as eleições toma banho de votos, não de sangue”, disse. Após a contagem de votos suspeita nesta semana, o Itamaraty não reconheceu a vitória de Maduro e disse aguardar a publicação dos dados desagregados por mesa de votação.
O negacionismo democrático demonstrado pela nota do PT destoa do discurso empregado pelo partido para descrever a conjuntura brasileira. Aqui, diz enxergar ameaças ao Estado Democrático de Direito. Embora a carreira de Lula na vida pública brasileira não permita acusações de autoritarismo, a contradição entre as visões externa e interna é uma aberração e precisa ser reparada. Além de ser um dos principais valores dos brasileiros, a defesa da democracia reforça a posição do país no plano internacional.
Uma resposta
Excelente texto: preciso, didático, irônico e deixa a importante dica profética de que jornais golpistas como O Globo um dia ainda serão condenados por seus crimes políticos.