Por Valter Pomar (*)
Tem coisas que entendemos e concordamos.
É o caso de boa parte da politica externa brasileira.
Tem coisas que entendemos e discordamos.
Por exemplo, a decisão de prorrogar a isenção de vistos para certos países.
Mas tem coisas que, além de discordar, não conseguimos compreender.
É o caso de recente nota do Itamaraty sobre a eleição na Venezuela.
A nota está aqui: Eleições e apuração na Venezuela — Ministério das Relações Exteriores (www.gov.br)
Os dois primeiros parágrafos da nota até consigo entender. Numa leitura bem otimista, o governo estaria se posicionando como intermediário nas negociações que virão, entre oposição e governo, entre Venezuela e Estados Unidos.
Já a segunda parte da nota é, sob qualquer aspecto, incompreensível. Ao menos para mim.
Refiro-me ao seguinte trecho: “Aguarda, nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.
Considero incompreensível, primeiro porque se o objetivo é intermediar futuras negociações, bastava ter dito o que está escrito nos dois primeiros parágrafos.
Segundo porque não cabe ao Itamaraty assumir para si, especialmente em uma nota oficial, uma demanda de parte da oposição.
Last but not least, ao exigir o que está na nota, o Itamaraty – vou ser gentil – roça o alambrado da ingerência.
Imagine se o ministério do exterior da Venezuela viesse a público fazer exigências ao Tribunal Superior Eleitoral brasileiro, dizendo o que deve ser feito para dar “transparência, credibilidade e legitimidade” ao resultado?
Aliás, declarações recentes do presidente da Venezuela acerca do sistema eleitoral brasileiro foram criticadas exatamente por terem soado assim.
Será que o Itamaraty resolveu oferecer “reciprocidade” ao Maduro, na linha “ingeres aqui que ingiro ali”?
Se foi isso, sugiro entre outras coisas que se garanta reciprocidade também no caso dos vistos.
Ou será que simplesmente erraram na mão?
Se foi isso, sugiro que se corrija o rumo.
Afinal, há um movimento do eixo do mal (Milei e companhia) e de parcelas da extrema-direita venezuelana, no sentido de acabar com o “caráter pacífico da jornada eleitoral”.
O Brasil e outros países podem ajudar a deter esse processo. As maneiras de deter podem ser várias. Nenhuma delas combina com o que está dito no final desta nota do Itamaraty.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT