Por Valter Pomar (*)
Se depender de algumas pessoas, devemos substituir as eleições por pesquisas.
Só assim dá para entender certas reações frente ao resultado proclamado pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela.
Vamos por partes.
A Venezuela fez eleições sob cerco duríssimo. As sanções causam danos à vida do povo. Evidentemente, isso leva parte das pessoas a votar na oposição ou, pelo menos, a deixar de votar no governo. Mas onde está escrito que – nessas condições de cerco – a oposição tem que necessariamente ganhar?
Até mesmo Boric deve saber que, em condições também extremamente difíceis, a Unidade Popular chilena conseguiu crescer eleitoralmente. Aliás, esse foi um dos motivos que fez a extrema-direita chilena ir para o golpe: pela via eleitoral não estava dando certo para eles.
Nós aqui no Brasil vivemos algo similar em 2014. Crente de que nos derrotaria, a oposição não acreditou no resultado e, ato contínuo, decidiu ir para o golpe.
Mas, repito, onde está dito que – devido ao cerco e as difíceis condições – a oposição tem que necessariamente ganhar? Aliás, vamos combinar, se isso fosse mesmo verdade, o imperialismo teria então uma fórmula imbatível para derrotar, “eleitoral e democraticamente”, a esquerda. Basta fazer sanções e esperar que o povo se volte contra o governante de turno.
E se alguém não corresponder aos resultados previstos na fórmula, “obviamente” é porque fraudou ou algo do gênero. É este, aliás, o sentido do post do agora manjado Boric no X: o resultado não devia ser o que ele acreditava que seria, logo não é crível.
Há algum indício de fraude? Até agora, absolutamente nenhum. Pode aparecer? Sim, sempre pode, sempre tudo pode acontecer. Mas, evidente, quem esperava Maduro certamente seria “com certeza” derrotado é capaz de ficar esperando, em silêncio barulhento ou reclamando sem provas, até que fabriquem algum “indício”.
Por quais motivos existe uma diferença entre as pesquisas e os resultados? Pelos mesmos motivos que diferenças semelhantes apareceram em inúmeras outras eleições, em inúmeros outros países.
Vale lembrar, ademais, que na Venezuela as eleições são facultativas. Isso acrescenta uma variável a mais na lista de motivos que podem explicar a diferença entre as pesquisas e as eleições. Mas até prova em contrário, quem tem que explicar esta diferença são os institutos de pesquisa, não o Conselho Nacional Eleitoral. A não ser, é claro, se tivermos “a mais absoluta certeza” de que Maduro não poderia nunca ser vitorioso.
Vale dizer que o resultado foi apertado. Se a oposição estivesse unida, seria ainda mais apertado. Foi o governo que impediu a oposição de se unificar?
Vale lembrar, também, que parte da oposição venezuelana é assumidamente golpista. Maria Corina, a queridinha da mídia, integra o eixo do mal liderado pelo VOX espanhol. Evidentemente isso leva parte da oposição a não aceitar nunca os resultados.
Aliás, Corina foi impedida de concorrer porque a lei assim manda. No Brasil os caras impediram Lula de concorrer. Foi uma fraude política e obviamente ilegal, mas “legalizada” pela justiça e aplaudida pela mídia. Na Venezuela, parte da oposição queria que se fizesse uma fraude em sentido contrário. Infelizmente para eles, a justiça de lá não cooperou. Isto atrapalhou o desempenho da oposição? Seguramente. Isso foi uma fraude e uma ilegalidade? Não, não foi.
O processo eleitoral venezuelano não é como o brasileiro. O chamado voto impresso permite que se audite o resultado de uma forma agora inexistente no Brasil, onde se auditam as urnas e o sistema de transmissão de dados. Num clima eleitoral quente, este tipo de auditagem adotado na Venezuela dá armas para a oposição retardar e questionar resultados. E, segundo o CNE, desta vez houve também um ataque contra o sistema de transmissão de dados. Isso atrasou a divulgação do primeiro boletim, gerando obviamente incertezas, dúvidas e temores. Mas isso quer dizer que houve fraude da parte do governo? Ou quer dizer que houve uma tentativa, da parte de alguém mundo afora ou Venezuela adentro, de criar um clima de incerteza que desse veracidade ao discurso de que houve fraude?
Aliás, quem lembra do ocorrido no processo eleitoral, antes do golpe contra Evo Morales na Bolívia?
Até hoje, em todas as eleições realizadas na Venezuela desde Chávez, nunca houve fraude eleitoral ou desconhecimento do resultado. Ninguém tem obrigação de acreditar na palavra do CNE, mas dado o histórico, os caras merecem o famoso benefício da dúvida.
A questão, insisto, é que tem gente que não tinha dúvida alguma. Aliás, o discurso de “fraude” já estava pronto. Não tem nada que ver com o resultado.
A triste verdade é que Aécio fez escola, inclusive em lugares inesperados.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT