Por Valter Pomar (*)
Em 11 de dezembro de 2023 estive por acaso com o companheiro Lula, quando aproveitei para deixar com ele o primeiro volume da coleção História do Petismo.
Na conversa que tivemos, presenciada pelo companheiro Marco Aurélio, Lula disse que estava pensando em apoiar uma determinada pessoa à presidência do Partido.
Eu dei ao Lula minha opinião sobre o dito cujo.
Disse, também, que achava melhor Lula não externar publicamente sua preferência. Pois se Lula fizesse isso, o referido cidadão ficaria na zona de conforto: não precisaria provar para a base que está preparado para dirigir o Partido. O grande argumento que a pessoa usaria não seria o que ele próprio fez, defende ou poderá fazer, mas sim que ele seria “o candidato de Lula”.
Acrescentei o seguinte: se o cara viesse a vencer e fizesse um mandato ruim (como está acontecendo hoje no caso do Banco Central), ainda ia ter gente que colocaria a “culpa” no Lula.
Como sabemos, pelo menos até agora Lula não veio pessoalmente a público dizer “este é o meu candidato”.
Mas inúmeras pessoas fizeram isso. E como não foram desmentidas, aconteceu o óbvio: o grande argumento a favor de Edinho Silva é que ele seria “o candidato de Lula”.
Para uma parte de seus apoiadores, esse “pistolão” funciona como antídoto contra suas inúmeras fragilidades políticas.
Aliás, ele chega a me lembrar o famoso “cavalo do comissário”; fica incomodado quando é questionado e se comporta, às vezes, como se estivesse fazendo o favor de comparecer aos debates.
Curiosamente, à boca pequena importantes apoiadores de Edinho fazem pesadas críticas ao seu próprio candidato, em alguns casos críticas extensivas ao Lula.
Um importantíssimo quadro da CNB chegou a dizer que Lula “vai pagar caro” por essa escolha. Outro disse que Edinho seria “muito despreparado”.
Haveria muita coisa a ser dita a respeito, mas prefiro deixar para o romance ficcional que vou escrever depois de ser cremado.
Apenas registro que as duas pessoas citadas acima e outras tantas simplesmente omitem que foram eles, não Lula, quem inscreveu Edinho como candidato.
Aliás, este é um dos perigos a que estão sujeitas as grandes personalidades como Lula: quando tudo dá errado, os áulicos (coletivo chique para corte de puxa-sacos) raramente colocam a culpa em si mesmos; geralmente atribuem toda a responsabilidade do fracasso aos líderes.
(Digressão de historiador: este comportamento talvez ajude a explicar por qual motivo foram exatamente os mais puxa-saco de Stalin aqueles que o execraram depois da morte; ao mesmo tempo que ajuda a explicar o fato da memória de Mao Zedong ter sido protegida pelos que eram seus adversários dentro do Partido Comunista da China.)
Voltando ao nosso Partido: dirigentes não podem terceirizar responsabilidades. Cada um de nós deve exercer seu livre arbítrio e assumir as responsabilidades por isso.
Eu, por exemplo, sempre fiz e seguirei fazendo a defesa pública de Lula. Fiz campanha para ele em 1982 e votei nele em todas as eleições em que concorreu entre 1986 e 2022.
Mas, ao mesmo tempo, divergi e divirjo de Lula inúmeras vezes, em questões pequenas mas também em questões ideológicas, programáticas e estratégicas fundamentais.
Por exemplo em 1993, quando Lula apoiou o parlamentarismo e eu apoiei o presidencialismo. Outro exemplo: a confiança que Lula tinha em Palocci, pessoa que sempre considerei um perigo, inclusive por Antonio gostar muito de dinheiro e também por gostar demasiado de quem tem muito dinheiro. Mais um exemplo: a subestimação dos golpistas da Lava Jato, que levou Lula por exemplo a acreditar no conselho de advogado segundo o qual sairia logo de Curitiba graças a um habeas corpus.
Nesses três casos e em inúmeros outros, Lula estava errado. E em algumas situações foi muito importante que houvesse no Partido uma maioria de militantes disposta inclusive a derrotar o Lula-pessoa-física, em benefício do Lula-pessoa-jurídica. Como Lula mesmo disse, se o Brasil fosse parlamentarista, ele nunca seria presidente.
Há no PT, é claro, outras pessoas que preferem agir diferente. Como já foi dito, há candidatos à presidência do PT que fazem questão de exibir sua intimidade com Lula, que ademais é personagem frequente nos debates do PED nacional.
Um dos que mais contribui nisso é exatamente o companheiro Edinho Silva, que tem destacado a necessidade de preparar o Partido para o pós-Lula.
(Quem quiser saber exatamente o que Edinho tem dito a respeito, deve conferir os vídeos disponíveis nas redes do PT.)
Na minha opinião, a abordagem de Edinho – além de outros problemas- é excessivamente eleitoral, versando sobre o prejuízo que nos trará a futura ausência de Lula como candidato à presidência, a partir de 2030.
Da minha parte, acho muito mais importante discutir dois outros fatos. Primeiro, o fato de Lula ser hoje um dos principais catalizadores de nossa relação com os setores mais pobres da classe trabalhadora. Segundo, o fato de que Lula é hoje uma espécie de árbitro em última instâncias das imensas divergências que existem em nosso Partido.
Para que o Partido possa ser efetivamente o sucessor coletivo de Lula, será preciso que o Partido exista, esteja enraizado nos territórios, tenha vida militante, seja realmente democrático nas suas relações internas.
Será preciso, também, que o Partido seja autônomo em relação aos mandatos executivos e legislativos que conquista, mas também autônomo em relação ao próprio Lula.
Para contribuir nessa necessária autonomia, um bom ponto de partida é termos um presidente nacional que saiba muito bem a diferença entre ser ministro de Lula e ser o principal dirigente do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.
Afinal, mais importante do que “votar no candidato do Lula”, é votar num candidato que seja capaz de defender o PT, o governo e o Lula. Defender, inclusive, contra os erros que o próprio Lula comete.
(*) Valter Pomar é professor e candidato à presidência nacional do PT