Por Natália Sena (*)
O ano de 2020 começou com o governo Bolsonaro explicitando mais uma vez o seu alinhamento com Trump, os EUA e sua política de guerra contra o Irã, reforçando ainda mais uma politica externa de subordinação.
Internamente, o governo segue aplicando a todo vapor o programa ultraliberal e reacionário, caracterizado pela destruição de tudo que é de interesse do povo, seja no âmbito econômico, social, cultural e no campo ideológico. O episódio do secretário de Cultura que fez um discurso nazista é revelador do quão à vontade estão os inescrupulosos que tomaram conta do aparato estatal executivo brasileiro. Não importa muito se ele foi demitido, o fato é que ele esteve lá e achou que poderia fazer o que fez. E que outros neofascistas, a começar pelo presidente, seguem lá.
Do ponto de vista da economia, é fato que o desemprego segue altíssimo e que, nos empregos existentes, as condições de trabalho pioraram muito, especialmente após a reforma trabalhista. Os sinais de melhora na economia não chegam nem perto de proporcionar alguma expectativa de que o país esteja em um caminho de crescimento capaz de gerar melhores condições de vida para o povo. A situação não poderia ser diferente, quando temos um governo cuja agenda consiste em retirar direitos, acabar com as liberdades democráticas e com a soberania nacional, desmontar políticas sociais, fazer guerra ideológica contra tudo que é positivo, apostando as fichas numa política de redução do Estado e da capacidade industrial e produtiva nacional, com amplas liberdades para o capital financeiro e transnacional e forte ampliação do extrativismo.
Alguns chegam a dizer que se trata de um governo “sem projeto” para o Brasil, mas na verdade há sim um projeto bem definido e que está, até o presente momento, tendo êxito na sua aplicação, utilizando-se do autoritarismo e da repressão como instrumentos para sustentar as condições políticas e sociais necessárias à aplicação do seu programa.
Em 2019, a agenda de “reformas” avançou bastante, com destaque para a reforma da previdência, que foi aprovada em nível nacional e terminou o ano sendo pautada e aprovada em muitos estados do país, inclusive nos que são governados pelo PT e por setores considerados progressistas.
É importante dizer que as mudanças na legislação previdenciária não podem de maneira alguma ser tratadas como um assunto “passado”, mesmo após aprovadas e iniciada a sua aplicação. As consequências da brutalidade da reforma que foi aprovada em nível nacional e das que foram e ainda serão aprovadas em alguns estados, serão sentidas pelo povo no curto prazo, com a diminuição da renda decorrente de aumento de alíquotas (o que terá efeitos econômicos evidentes) e serão sentidas também ao longo dos próximos anos e décadas, quando a miséria aumentará em decorrência da não-aposentadoria da população. Portanto, faz-se necessário pautarmos a urgente revogação dessas “reformas”, como parte de um programa democrático e popular para o Brasil.
Para 2020, o governo já explicitou qual será a sua agenda de retrocessos, da qual destacamos as medidas de ajuste fiscal (Plano Mais Brasil); mudanças na legislação tributária, mas sem avançar para a progressividade na cobrança de impostos; a reforma do Estado, com destaque para a redução dos serviços públicos e retirada de direitos dos servidores, por exemplo, a estabilidade; e as privatizações.
É evidente, também, que há forte interesse do governo, expresso pela voz do ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro, em aprovar medidas legais/constitucionais no sentido de permitir a prisão após a condenação em segunda instância, o que nos indica que está longe de haver uma trégua na perseguição contra o presidente Lula.
Em um cenário como esse, a esquerda e o campo democrático e popular seguem com muitas dificuldades. Apesar da liberdade do presidente Lula ter sido parcialmente conquistada (parcialmente, pois ele está temporariamente livre da prisão, mas segue sendo alvo de muitos processos e investigações arbitrárias, não teve a sua inocência reconhecida, além de não ter restituídos os seus direitos políticos), a mobilização social não entrou em um patamar de maior efervescência. Isto tem relação direta com a dificuldade de sobrevivência que a classe trabalhadora e suas organizações enfrentam, mas não podemos esquecer que há diferenças políticas no interior da classe, pois uma considerável parcela apoia Bolsonaro e rejeita a esquerda.
É claro que a baixa mobilização pode ser explicada também pelo costumeiro “descanso” de final de ano, e é por isso que nesse início de 2020 as mobilizações do dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher) e do dia 18 de março (Dia Nacional de Protestos e Paralizações) serão termômetros importantes sobre a nossa capacidade de canalizar a insatisfação popular com o governo, fortalecendo lutas contra o próprio governo.
No campo partidário de esquerda, é bom destacar que as movimentações preparatórias para as eleições municipais deste ano estão tornando explícitos os reais objetivos de alguns dos nossos “aliados”. De um lado, o PSB e o PDT já deram sinais expressos de afastamento em relação ao PT, com uma resolução do PSB afirmando a necessidade de se afastar de nós e com o PDT buscando aliança com o DEM de Rodrigo Maia no Nordeste. Nada que nos surpreenda, é óbvio.
De outro lado, está pública a movimentação interna (que não é unânime) do nosso amigo PCdoB para tornar-se mais palatável entre os setores moderados, do que é exemplo a criação do chamado “Movimento 65”, que se entendi certo é uma espécie de campanha pelo voto de legenda que retira a palavra “comunismo” da boca dos/as candidatos/as. O PSOL também vem enfrentando uma discussão interna que passa pelo debate sobre qual será a sua relação com o PT na tática eleitoral para 2020.
Neste ambiente complexo, de um governo que não pode ser caracterizado como fraco (apesar de ser crescente o seu desgaste) e que segue aplicando seu programa de destruição, baixa mobilização social e com imensa confusão partidária dentro do campo de esquerda e progressista, é preocupante o fato de o Partido dos Trabalhadores ter terminado o seu 7º Congresso Nacional em 24 de novembro de 2019, ter dado posse ao novo Diretório Nacional e realizado a eleição da nova Comissão Executiva Nacional em 17 de janeiro de 2020, e não ter sequer finalizado o debate das resoluções do Congresso, nem aprovado qualquer resolução que expresse uma análise da nova direção eleita sobre a situação política do país neste início de 2020.
É claro que aprovar um documento, seja em um congresso partidário seja em uma reunião de direção, absolutamente não resolve os nossos problemas. Mas também é evidente que aprovar algo indica a existência de algum acúmulo, indica qual a visão que o Partido tem da conjuntura política e, principalmente, serve para orientar ações práticas para a militância petista e para as instâncias estaduais, municipais, núcleos e coletivos setoriais organizados.
O ano de 2020 será o segundo do governo Bolsonaro, momento importante para quem está governando em nível nacional testar o seu poder e influência em níveis locais. Em um ano eleitoral deste tipo, nosso esforço deve ser aproveitar as eleições para desgastar e impor uma derrota ao governo federal, debatendo com a população sobre o desastre que este governo representa para os interesses populares e canalizando a insatisfação que existe na sociedade para o nosso lado, seja no campo eleitoral, seja na luta social e na disputa ideológica. Realizar esta operação e conseguir uma vitória dos setores de esquerda e democráticos requererá muitas mudanças de linha política e de modo de funcionamento, em um curto espaço de tempo.
(*) Natália Sena é integrante da comissão executiva nacional do PT