30 anos da AE – Sônia Hipólito, a voz inquebrantável da resistência

Página 13 divulga entrevista concedida por Sônia Hipólito à revista Esquerda Petista de setembro falando da sua trajetória militante, da história da Articulação de Esquera e do PT e refletindo também sobre o presente e o futuro. A revista pode ser descarregada aqui.

A vida de Sônia Hipólito é uma epopeia de resistência e luta coletiva em defesa do socialismo e por igualdade social. Sua juventude e a entrada na fase adulta foram marcadas pela corajosa participação na luta armada e na resistência contra a ditadura militar.

Nos 30 anos da Articulação de Esquerda, Sônia, que faz parte do grupo de companheiras e companheiros fundadores da corrente, conta que, ao retornar ao Brasil, depois de ser perseguida, presa, torturada, exilada, ingressou no Partido dos Trabalhadores.

Nesta entrevista à Revista Esquerda Petista, ela também resgata o período de seu ingresso no Partido, da atuação na Secretaria de Movimentos Populares, e conta como ajudou a disputar dentro do Partido os rumos do PT.

Ao lado de um grupo de descontentes, no início da década de 90, Sônia assinou e colaborou na construção do manifesto mais conhecido como a “Hora da Verdade” ou “HV”.

O texto do manifesto evidenciou a cisão da Articulação dos 113, grupo que hegemonizou o PT na sua primeira década, impulsionou e deu origem à Articulação de Esquerda. “No início dos anos 90, os sinais já eram de um movimento muito institucional”, afirma Sônia.

Aos 74 anos, Sônia, que dividiu cela com a ex-presidenta Dilma Rousseff no presídio Tiradentes, em São Paulo, segue defendendo a luta coletiva, a organização dos trabalhadores e do povo para movimentar as ruas em torno das demandas populares.

“Estamos amarrados a uma tal de governabilidade, a uma disputa que só se dá dentro do Parlamento. Lá, somos minoria, não tem jeito”, diz. Confira a entrevista:

Revista Esquerda Petista: Antes de entrar no assunto principal da nossa entrevista, os 30 anos da AE, gostaria que você falasse sobre como foi sua filiação ao PT.

Sônia Hipólito – Eu me filiei ao PT depois que voltei de Moçambique, onde fiquei exilada durante cinco anos. A volta em si não foi uma coisa tranquila, porque antes estava na luta armada e depois estava construindo o socialismo na República Popular de Moçambique. Quando retornei ao Brasil, fui para São Paulo, não conhecia praticamente mais ninguém, foram anos fora da cidade. Por meio do Frei Betto e do Luiz Eduardo Greenhalgh, fui trabalhar no projeto Tortura Nunca Mais. Nesse processo, conheci pessoas e me filiei ao PT por ser a alternativa existente, naquele momento, mais coerente, e que estava também organizando, praticamente, muito dos militantes da época da luta armada. Como nunca deixei de militar na minha vida inteira, de lutar pelo socialismo, por um homem e uma mulher nova, me entreguei de corpo e alma ao PT. Acreditava nisso. Durante os meus primeiros quatro anos de filiação, em São Bernardo do Campo, atuei junto com o Djalma de Souza Bom no primeiro mandato dele como deputado. Foi assim a minha chegada no PT.

Entre sua filiação ao PT e o racha de 1993 no partido, qual foi sua trajetória como militante e dirigente?

Depois da fase São Bernardo do Campo, acabei indo trabalhar no Diretório Nacional do PT como assessora. O Perseu Abramo era de lá. À época, o Lula era o presidente. Depois, o José Dirceu assumiu, o Luiz Gushiken, o Olívio Dutra. Com todos eles, estive no Diretório Nacional e, durante um bom tempo, trabalhei na área de Movimentos Populares quando o secretário era o Eurides Luiz Mescolotto, um dos fundadores do Partido, vindo do movimento sindical, primeiro candidato do PT ao governo de Santa Catarina, em 1982, e, infelizmente, já falecido. No Partido, fui juntando a minha militância na luta pelo socialismo com a importância da participação dos movimentos populares no processo de transformação social. Quem também assumiu a Secretaria de Movimentos Populares — e assessorei — foi a Benedita da Silva. Isso foi no início da fundação do partido.

Nos primeiros anos do PT, se formou um agrupamento grande de dirigentes, chamado de Articulação dos 113. Com o passar do tempo, dentro da Articulação, começaram a aparecer críticas aos rumos que o Partido estava tomando. A gente discordava da forma, da condução. Quando me refiro “à gente”, é no sentido de várias pessoas criticando. Começamos, a partir daí, a nos organizar para a disputa interna dentro da própria Articulação. Naquela época, início dos anos 90, os sinais já eram de um movimento muito institucional. O partido não se dedicava como deveria à luta e ao socialismo. Até se dizia isso, se escrevia coisas bonitas, mas a prática não era condizente com o que se falava ou se escrevia. O movimento sindical, o movimento popular, presentes no partido, não tinham espaço, estavam sem poder para disputar o PT.

Como foi aquele momento do Manifesto “A Hora da Verdade” em 1993? Você acompanhou a criação da AE?

Em 1993, antes do 8º Encontro Nacional do PT, a gente lança um texto intitulado oficialmente de Manifesto aos Petistas, mais conhecido como manifesto “A Hora da Verdade” ou simplesmente “HV”. A versão inicial foi redigida pelo Rui Falcão. O manifesto foi lançado no dia 4 de fevereiro e cristalizou o processo de cisão que já vinha ocorrendo na Articulação dos 113, criada no ano de 1983, e que hegemonizou o PT por uma década. O documento que lançamos era bem amplo, agregou todos que tinham divergências com os métodos da direção. Depois disso, “A Hora da Verdade” vai se transformando na Articulação de Esquerda, que é fundada em setembro de 1993. Disputamos a direção do PT e elegemos o Rui Falcão vice-presidente nacional do Partido. Vários integrantes da AE estiveram nessa Direção Nacional, eu, inclusive. Claro que desde as divergências, passando pelo manifesto até a fundação da AE, é um processo, vai se depurando. No começo, se agregou todo mundo que tinha na disputa política dentro do Partido, posteriormente, mais tendências, mais à esquerda, menos à esquerda, foram se constituindo e sendo criadas.

A Articulação de Esquerda completou 30 anos. Que balanço você faz da trajetória da tendência?

Sim, 30 anos de muita luta. Infelizmente não pude ir à comemoração por motivos de saúde.  A Articulação de Esquerda teve e tem um papel muito importante. Em boa parte da sua história, foi fundamental nas disputas das posições políticas dentro do PT. Sempre elaborou muito e produziu avaliações de conjuntura, disputando palmo a palmo uma linha que a gente considerava e considera, até hoje, mais justa dentro do PT. Com o passar do tempo, a Articulação dos 113, depois Articulação Unidade na Luta, foi se transformando no Campo Majoritário, se ampliando, e o partido foi ganhando novos filiados, mas sem nenhum critério. Exemplos: para se filiar não tinha mais que estar de acordo com o Estatuto do PT, ninguém nem lia o programa, filiação em massa astronômica. Isso, claro, foi desqualificando. Entrou gente qualificada, mas entrou muito oportunista, muita gente que só queria status, poder ou sei lá o que mais. Avalio que esse processo se estende até os dias de hoje. Com isso, as nossas vitórias, as vitórias do campo de esquerda do partido foram minguando, inclusive, porque algumas tendências de esquerda resolveram, por um certo pragmatismo ou para não ficar de fora do jogo, se alinhar pontualmente ao Campo Majoritário, às vezes em coisas táticas e noutras em pontos estratégicos. Há cerca de dez anos, a disputa interna, acredito, ficou muito mais difícil.

E o que você nos diz sobre o presente e o futuro do PT?

Desde a primeira eleição do Lula para presidente da República, e mesmo antes, quando o PT começou a eleger vários militantes para legislativos, prefeituras e depois para os governos de estado, o partido foi se amansando e passou a fazer muitas concessões para se tornar palatável e poder vencer eleições. Acho que, na primeira eleição do Lula, a Carta aos Brasileiros já foi um indício forte deste certo abandono da luta de classes, como a gente acredita, como a gente pensa, como é real e certo. As alianças em todos os contextos foram aumentando e só aumentando. Essa prática continua até hoje. O que vemos, atualmente, é a prova disso. Não quero aqui entrar no mérito se foi para vencer o Jair Bolsonaro. Não é isso que eu estou falando! Claro que para vencer o Bolsonaro tinha que fazer o que foi feito, mas, depois de Lula eleito, as coisas precisariam ser um pouco diferentes. Estamos muito amarrados ao jogo institucional, à correlação de forças dentro do Parlamento, seja na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Estamos amarrados a uma tal de governabilidade que só se dá lá dentro do Parlamento e, lá dentro, somos minoria, não tem jeito. O partido tem que se organizar, os movimentos sociais têm que se organizar para colocar o povo nas ruas. Desde o primeiro governo de Lula, mesmo antes, quando a Luiza Erundina se elegeu prefeita de São Paulo, a sensação que tenho é que os movimentos sociais, o sindical, perdem um pouco o rumo de como se organiza para a luta diante de um governo que apoia e ajudou a eleger. Não é simples definir isso, mas é preciso ser feito. É preciso ir às ruas, inclusive, para apoiar o governo, apoiar certas medidas e, quando tiver que fazer alguma crítica, também ir às ruas, fazer a crítica, mas é fundamental ir às ruas para apoiar o governo nas coisas boas que o presidente Lula tem feito nesse terceiro mandato.

 

2 respostas

  1. Eu quero enaltecer e declaro meu total acordo às afirmações feitas pela companheira Sônia Hipólito ao responder

    a entrevista do Página 13. Também sou filiado ao PT e vou continuar acreditando na capacidade de eação da nossa militância.
    João Bosco – São Bernardo do Campo.

  2. Não se fala para o povo trabalhador, não se deixa latente as contradições do capitalismo terceiromundista. Se fala para uma composição da elite que usurpa o poder para seus interesses . Não existe enfrentamento, não se mexe numa farsa chamada estado democrático de direito.

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