Por Valter Pomar (*)
A carta (ver ao final) que Trump enviou ao presidente Lula é um ultraje sem nenhum rigor.
Quem quer que defenda os termos desta carta, direta ou indiretamente, deve ser tratado como traidor da pátria.
O governo precisa responder a esta “declaração de guerra” em cadeia nacional de rádio e tv.
E as manifestações convocadas para o dia 10 de julho e as que virão precisam incluir este tema na sua pauta.
Isto posto, estava na cara que isto ia acontecer.
Basta citar um fato: o governador de São Paulo disse que era “perigoso” para o Brasil aliar-se ao Sul Global.
Certamente já sabia do que ia ocorrer.
O caso é simples: se Obama e Biden intervieram no Brasil para derrubar Dilma, com base no que se deveria acreditar que Trump não tentaria fazer o mesmo contra Lula?
Isto posto, vale a pena analisar alguns trechos da carta de Trump, para ver com que tipo de animal estamos lidando.
Vamos lá.
A carta começa defendendo em toda linha o cavernícola: “A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro (…) é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”
Trata-se, como é se pode ver pelo imperativo em maiúsculas, de um autocrata que se acha imperador do mundo, com direito a dar ordens nas instituições de outros países.
A carta segue falando dos “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres“.
Quais ataques? Contra quais eleições? No exterior, o único senão que lembro ter sido feito pelo governo brasileiro foi contra a eleição na Venezuela, mas certamente não é disso que Trump está falando. Já no Brasil, o único “ataque insidioso” contra as “eleições livres” partiu exatamente da gangue liderada pelo cavernícola, a quem Trump defende.
Depois a carta fala novamente de ataques contra “os direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (como ilustrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado brasileiro)“.
Ou seja: exigir que empresas dos Estados Unidos obedeçam a legislação brasileira é um desrespeito à “liberdade de expressão dos americanos”. Que esta liberdade esteja sendo exercida na casa dos outros é um detalhe que escapa totalmente a quem se julga imperador do mundo.
“Em parte” devido a estes “ataques”, Trump anuncia que “a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos“. Confirmando o que já dissemos outras vezes, não está em curso uma guerra comercial, mas sim uma guerra comercial; não estamos diante de uma questão de política tarifária, mas sim de politica tarifária.
Trump diz que o relacionamento dos EUA com o Brasil é uma “longa e muito injusta relação comercial engendrada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil“. Contra isso, de nada adiante argumentar que não faz sentido cobrar tarifas mais altas de um país com quem os Estados Unidos mantém superávit.
Para o governo Trump, não se trata de economia, mas de economia política. O objetivo é apertar o cerco contra o Brasil, fazer o país romper com o “Sul Global”, alinhar o país aos EUA e se possível ganhar uns trocos a mais.
Tanto é assim que Trump chega a dizer que “a tarifa de 50% está muito aquém do necessário para garantir um campo de jogo nivelado entre nossos países“. E se alguém não tiver conseguido entender, Trump complementa com a seguinte oferta: “não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos“. Ou seja: para ele o preço justo é aquele que incentiva a produção nos Estados Unidos.
Caso resistamos, eles vão dobrar a aposta: “se por qualquer motivo vocês decidirem aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número que escolherem para aumentá-las, será somado aos 50% que cobraremos“.
Pouco importa se Trump sabe que está mentindo. O fato relevante é que ele agem cheio de razão, como se fosse mesmo verdade que existam “déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos“. Os números são o oposto: o Brasil é que tem déficit. Por conta disto, sempre tem alguém que acredita ser possível resolver a parada comprando da China e não mais dos Estados Unidos. Se fosse apenas uma guerra comercial, esta seria a solução lógica. Mas como se trata de uma guerra comercial, é preciso saber que a coisa não vai parar por aí.
Aliás, basta ler a frase seguinte da carta de Trump: “Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”
Segurança nacional: é disto que se trata. E caso alguém tenha dúvida, a penúltima frase da carta diz assim: “Vocês nunca ficarão decepcionados com os Estados Unidos da América”.
Isto tudo posto, recomenda-se que nossa resposta também leve em conta que estamos diante de uma ameaça à nossa segurança nacional. Ou tomamos medidas imediatas e extraordinárias para construir nossa soberania alimentar, energética, comunicacional, produtiva e militar; ou estaremos correndo algo risco.
Afinal, já sabemos o que acontece com os países que “decepcionam” o império e não têm musculatura para defender-se.
SEGUE A ÍNTEGRA DA CARTA DE TRUMP, TRADUZIDA PARA O PORTUGUÊS
“Conheci e me relacionei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeitei profundamente, assim como a maioria dos outros líderes mundiais. A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato — inclusive pelos Estados Unidos — é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (como ilustrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos, separadamente de todas as tarifas setoriais. Produtos transbordados para evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitos à tarifa mais alta.
Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que devemos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial engendrada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento tem sido, infelizmente, longe de ser recíproco.
Por favor, compreenda que a tarifa de 50% está muito aquém do necessário para garantir um campo de jogo nivelado entre nossos países. E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do regime atual. Como você sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos tudo o que for possível para obter aprovações rapidamente, profissionalmente e rotineiramente — ou seja, em questão de semanas.
Se por qualquer motivo vocês decidirem aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número que escolherem para aumentá-las, será somado aos 50% que cobraremos. Compreenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, que causam esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional! Além disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital de empresas americanas, bem como a outras práticas comerciais injustas, estou instruindo o Representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil.
Se desejarem abrir seus até então fechados mercados comerciais aos Estados Unidos e eliminar suas tarifas e políticas tarifárias e não tarifárias e barreiras comerciais, poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do nosso relacionamento com seu país. Vocês nunca ficarão decepcionados com os Estados Unidos da América.
Obrigado por sua atenção a este assunto!