O machismo na esquerda: entre o discurso progressista e a prática patriarcal

Por Maria Eduarda Tolentino Duarte e Victoria Ruas Silva (*)

Diversos setores da esquerda seguem reproduzindo estruturas patriarcais profundamente arraigadas, apesar de se colocarem na vanguarda das lutas por igualdade, justiça social e emancipação dos povos. O machismo, longe de ser exclusivo da direita conservadora, encontra abrigo também nos discursos e práticas da militância progressista. Nesse cenário, emerge uma figura bastante conhecida das mulheres que atuam politicamente: o “esquerdomacho”.

O termo, que ganhou força nos últimos anos por meio de relatos nas redes sociais e experiências compartilhadas por militantes feministas, se refere àquele homem que defende pautas feministas apenas no discurso, mas que, na prática, age de forma silenciadora e até violenta. O esquerdomacho é aquele que se diz aliado, mas que invalida falas de mulheres em reuniões, monopoliza decisões, usa a bandeira da luta social como escudo para abusos e não admite ser criticado, afinal “está do mesmo lado”.

A socióloga brasileira Heleieth Saffioti, em sua obra “O poder do macho” (1987), já denunciava como o patriarcado se articula com outras estruturas de dominação, como o capitalismo, e como o machismo se expressa até mesmo nos espaços de esquerda. Segundo Saffioti, os homens militantes muitas vezes enxergam as pautas de gênero como “menores” ou “divisoras”. Já Françoise Vergès, intelectual feminista descolonial, denuncia em “Um feminismo decolonial” (2021) a masculinidade militante presente na esquerda ocidental: um modelo de ativismo colonizador. Vergès argumenta que uma verdadeira luta contra o capitalismo precisa ser também antipatriarcal e antirracista e isso exige que os homens progressistas abandonem o papel de “salvadores” e passem a se responsabilizar pelas violências que cometem ou permitem.

Na contemporaneidade, a denúncia do esquerdomacho não é apenas um desabafo, é um chamado à coerência. Movimentos feministas, principalmente liderados por jovens mulheres, têm escancarado a hipocrisia de lideranças que falam em nome da justiça, mas praticam opressões dentro de seus próprios coletivos. E mais: trazem formas de organização política, baseadas em horizontalidade, cuidado, reparação e escuta, valores que confrontam a lógica tradicional e machista da militância baseada na disputa.

Enquanto os homens são tratados como líderes naturais, nós mulheres precisamos provar, a todo instante, que somos capazes. Só que, mesmo quando demonstramos competência, dedicação e resultados concretos, mesmo sem apoio de quem tem como ajudar de algum modo, seja por experiência ou não, ainda somos deixadas de lado ou nossas boas ações políticas diminuídas.

Na nossa visão, política não se faz individualmente, sim como um grupo que se ajuda, se fortalece, articula junto, através do ideal político em comum, sempre respeitando, incluído e valorizado quem faz, seja mulheres, homens, negros, jovens, LGBTQIAPN+ ou idosos, dentre outros.

O machismo partidário também se expressa pela falta de incentivo à formação política das mulheres e falta de apoio quando estas estão em espaços de representação política, de “poder”. É mais fácil deslegitimar, enfraquecer, para no futuro próximo um homem ocupar e “fazer direito”, com apoio desses mesmo homens, do que fazer o mesmo com figuras femininas.

O enfrentamento do machismo na esquerda não é uma pauta paralela ou menor: é central. Se a esquerda não for capaz de construir espaços seguros e transformadores para as mulheres, especialmente as mulheres negras, indígenas, trans e periféricas, então sua proposta de emancipação será apenas uma reprodução de velhas opressões com nova roupagem.

A revolução precisa começar dentro dos movimentos. Não basta falar de socialismo, se seguimos praticando o patriarcado. Como já disseram tantas feministas: “A revolução será feminista ou não será.” Te convidamos a refletir e lutar junto conosco.

(*) Maria Eduarda Tolentino Duarte e Victoria Ruas Silva, militantes da Juventude da tendência petista Articulção de Esquerda de Pelotas.

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