Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia da encruza do embate tático e do estratégico
É um ponto favorável, ao deslocar o foco do negro exclusivamente, a política que coloca em evidência os brancos, que são privilegiados pelo racismo. Além dos antídotos teóricos e conceituais, a politica de cotas para negros (as), ao partir da realidade concreta da inegável e histórica existência de cotas e privilégios para brancos (as), é , talvez, o artefato político mais eficaz para sepultar o mito de democracia racial.
Os coletivos de negros do PT, CUT e Sindicatos
Os coletivos de negros dos partidos de esquerda , da CUT e movimento sindical são parte ativa dos movimentos negros. Ativa aqui significa dizer que os ativistas atuam nos respectivos coletivos, partidos e igualmente em diversas tendencias do movimento negro brasileiro. Nos coletivos do PT , CUT e movimento sindical, é um deficit político inegável, os ativistas não articulam políticas e intervenções unificadas contra o racismo e na disputa do movimento negro no sentido mais amplo. As intervenções, voltadas para as transformações estruturais e destinadas à ampliação de força e intervenção política dos movimentos negros, não são prioridades. Os coletivos ficam reduzidos aos comandos das correntes internas e participam, de modo interesseiro e limitado, apenas das disputas eleitorais internas e dos pleitos eleitorais municipais, estaduais e nacionais. Além das ordens sufragistas internas e externas, não há notícias,disposição e orientação, entre outras políticas antirracismo, para a organização, no Dia Nacional da Consciência Negra, de um ato unificado contra a violência policial e em defesa de Burkina Faso, Mali, Níger, Venezuela e Palestina. Os coletivos de negros do PT, CUT e sindicados são comandados, a despeito de reunirem tendencias diversas e expressivas dos movimentos negros, pelas correntes e pela lógica sufragista. Não é um exagero dizer que não querem e não podem, sem outra chave política, organizar um processo interno e externo unificado contra o racismo.
Coletivos de negros da esquerda em geral
Na esquerda em geral e na intitulada revolucionária, o objetivo não é organizar a negrada e consequentemente os trabalhadores para a luta contra o racismo. O foco dos coletivos, desconsiderando a necessidade de formulação politica contra o racismo e de busca de unidade com os movimentos negros, é atrair, fixar e cooptar os ativistas negros e antirracismo para as respecivas fileiras partidárias de esquerda.
A propósito da cor da classe
No Brasil, o racismo está umbilicalmente vinculado ao modo de produção capitalista. Por equivalência, a acumulação do capital e a opressão são racializadas. Aqui, em comunhão com o modo pelo qual se deu o fim do trabalho escravizado, o racismo, derivado da cor da classe, é e foi, com o acúmulo advindo do trabalho escravizado, a força propulsora seminal do capitalismo. O fenômeno hoje, século XXl, não se limita ao trabalho no que concerne a salário,a acesso e à mobilidade ascendente; no caso negro persiste a mobilidade descendente. É preciso olhar a maioria negra no sistema carcerário, a taxa de mortalidade infantil, os territórios negros segredados, a posição de tríplice exploração da mulher negra, o genocídio de jovens negros, o número de mortos por armas de fogo, o acesso à saúde, às universidades, às representações parlamentares , diplomáticas, à moradia e ao emprego formal, entre outros dados.
Ao se reproduzir, em concordância com os séculos de trabalho escravizado e os privilégios instituídos após 13 de maio de 1888 para brancos(as), o capitalismo reproduz a desigualdade racial. Não há uma homogeneização da classe trabalhadora e o mesmo se aplica à burguesia. A classe trabalhadora tem cor e o racismo tem, no Brasil, perspectiva totalitária, qualquer branco, é o caso de um trabalhador, tem e terá, sem transformações radicais, privilégios relativos. A burguesia tem, no entanto, privilégios absolutos. A burguesia brasileira é branca, perversa e política e ideologicamente racista.
O papel do movimento negro revolucionário
O ideal seria o advento e a consequente intervenção, no Brasil, de um movimento negro revolucionário. Estamos diante de uma estrutura racializada, que será alterada somente com mudanças estruturais profundas. O movimento negro e/ou o antirracismo, assim constituído, atuaria para a mudança radical da sociedade brasileira. Não é o que nós temos na realidade concreta do país e dos diversos segmentos que compõem hoje, século XXl, o movimento negro brasileiro . Diante da impossibilidade, no sentido mais amplo, será que um coletivo de negros de esquerda teria condições, como vanguarda, de sistematizar um núcleo revolucionário? É preciso assegurar, sem abdicar do antirracismo considerado historicamente, a centralidade da bandeira da revolução e/ou da transformação radical. O horizonte de transformação revolucionária, que não se limita às visões reduzidas às africanidades, às decolonialidades e aos infrutíferos e superficiais letramentos raciais, é indispensável. É fundamental para os enfrentamentos contra a burguesia branca, plano interno, e ao imperialismo, escala mundial, um movimento negro que opere orientado politicamente para as transformações radicais. De outro modo, a transformação estratégica, que inclui a totalidade de negros e brasileiros, será necessariamente revolucionária.
É possível e, sobretudo, é viável e eficaz a intervenção de raiz cujo alcance de transformação opere além das inclusões relativas, táticas.
No caso do afrocentrismo e do decolonialismo, discussões apenas adjetivas, as posições políticas desses campos não querem a transformação radical e o indispensável confronto de classe, mas o letramento, que não opera com a radical transformação da sociedade e a superação do racismo, como sistema, que assegura historicamente privilégios para brancos (as) e para o imperialismo. As bases neoliberais estão postas e são defendidas por orientações e intervenções, que jamais sairão dos limites das táticas políticas adjetivadas genericamente de afirmativas.
A estratégia não deve paralisar a tática
A rigor, a estratégia revolucionária não deve paralisar a luta contra o racismo, que é aqui concebida igualmente contra o capitalismo.
Historicizar a exploração racial ou o racismo contra negros é meio para se contrapor às violências estruturais e, ao mesmo tempo, sem essencializar a radical transformação social recolucionária, enfatizar que a estratégia deve articular intervenções táticas a partir das cotas para negros (as), como meio para se contrapor à dominação, à exploração, à opressão e ao poder racista em curso no Brasil, que é totalitário. As cotas são eficazes, sobretudo, porque revelam concretamente a existência sistêmica de cotas para brancos(as) em todos os espaços do Estado e da sociedade brasileira. Sem a luta tática contra o racismo, a estratégia, fixada como dogma e/ou essensializada, leva o antirracismo e consequentemente os movimentos negros à inércia e à total paralisia . A luta não é tão-somente para o negro ter os mesmos direitos da pequena burguesia branca e branqueada. A política de cotas para negros (as) tem relevância, no Brasil, na medida que deixa escancarada a existência histórica de cotas e privilégios para brancos (as). Os brancos(as), privilegiados pelo racismo, reagem, invariavelmente, contra a política de cotas para negros (as). É um ponto favorável, ao deslocar o foco do negro exclusivamente, a política que coloca em evidência os brancos, que são privilegiados pelo racismo. Além dos antídotos teóricos e conceituais, a politica de cotas para negros (as), ao partir da realidade concreta da inegável e histórica existência de cotas e privilégios para brancos (as), é , talvez, o artefato político mais eficaz para sepultar o mito de democracia racial. Mito, vale muito aqui a ênfase, inúmeras vezes ressuscitado pela esquerda, que advoga o dogma da classe sem cor,raça, gênero e, portanto, homogênea.
Temos concordância que a tática de inclusão, de parcela da população negra na cidadania burguesa, tem eficácia apenas tática. No entanto, enquanto não temos as condições históricas para a revolução, a tática não pode e não deve ser dispensada.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor Associado da Unilab, Bahia.
Referências: