Por Fátima Lima (*)

Neste ano de 2025, o Partido dos Trabalhadores estabeleceu em seu calendário dois processos de eleições internas: o Processo de Eleição Direta (PED) do PT, que definiu, no dia 6 de julho, através do voto direto de filiadas e filiados, a presidência do PT, as direções em âmbito nacional, estadual, municipal e zonal e, a partir de setembro, os Encontros Setoriais, que ainda estão em andamento e definirão as Coordenações e Secretarias dos Setoriais, instâncias temáticas, organizadas por setores de atuação, que funcionam como pontes entre o PT, movimentos sociais, entidades, governos e bancadas petistas.
Em diversos estados, mas sobretudo no Rio de Janeiro, o PED foi marcado por acusações de filiações em massa, compra de votos e uso da máquina pública, que revelaram a ineficaz integridade do processo eleitoral interno do Partido e, conforme um vasto número de notícias, o suspeito envolvimento do prefeito de Maricá e vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá nas operações fraudulentas.
Apesar da divulgação de Resolução da Comissão Executiva Nacional do PT, contendo listagem nominal dos suspeitos, anúncio de apuração rigorosa com suspensão temporária dos direitos partidários, além dos diversos recursos encaminhados à Direção Nacional do PT, pouco ou quase nada foi feito para conter as operações engendradas, sobretudo pela CNB, corrente majoritária do PT, e seus apoiadores. O clima que prevaleceu foi “segue o baile”. Vale lembrar que as irregularidades, além de beneficiarem este grupamento com cargos nas instâncias dirigentes, ampliaram decisivamente os poderes de Quaquá e o seu autocentrismo, além de o reconduzirem à vice-presidência nacional do PT.
Como, via de regra, “seguir o baile” não pode ser a medida adotada para educar, prevenir ou coibir casos de fraude e desonestidade, o que se viu nos processos de credenciamento e participação nos Encontros Setoriais foi a reprodução de irregularidades adotadas no PED, sendo, mais uma vez, o Rio de Janeiro o principal palco das denúncias.
O Encontro do Setorial de Direitos Animais foi suspenso, porque, após averiguação telefônica dos credenciados no cadastro de filiados, foi descoberto um número considerável de militantes credenciados, aptos a participar do Encontro e do processo eleitoral, que não reconheciam as suas filiações. Ou seja, não são nem militantes e nem filiados ou filiadas, que decidiram, em função das suas próprias vontades, engrossar as fileiras do Partido dos Trabalhadores. São casos exemplares das filiações artificiais produzidas aparentemente para hegemonizar uma força política no PT.
Contudo, será difícil encontrar irregularidades ou indícios de fraudes mais acachapantes do que aquelas identificadas e denunciadas no Encontro do Setorial de Educação do Rio de Janeiro, instância reconhecida pela existência ativa e propositiva no PT, com participação no Setorial Nacional de Educação – Comissão de Assuntos Educacionais (CAED – PT), em congressos, fóruns de educação, movimentos sociais e sindicais, na elaboração de planos de governo e denúncias dos descasos dos governos Paes e Castro com a educação.
O primeiro dado que chama atenção é o número de 1.595 votantes no Setorial de Educação do Rio de Janeiro, sendo que durante o debate temático, organizado na sala virtual, simultaneamente à votação, verificou-se a presença de cerca de 80 participantes. Vale registrar que o candidato apoiado por Quaquá, obteve 91% dos votos válidos. De acordo com os registros oficiais de apuração, nos demais estados onde também houve disputa, o número de votantes foi muito inferior, quando comparados ao Rio de Janeiro: Amapá (26 votantes), Bahia (174 votantes), Goiás (100 votantes), Maranhão (69 votantes) e Rio Grande do Sul, (212 votantes).
Os dados incongruentes não param por aí. Ao término do prazo de credenciamento para participação dos filiados no Encontro do Setorial, dia 13 de outubro, o Sistema do PT registrava 3.845 credenciados em todo estado do Rio de Janeiro, sendo 2.571 destes do município de Maricá, com registro de 2.483 credenciamentos num único dia, 2 de outubro, correspondendo a 96,5% do total de credenciados do município.
Parece impressionante a capacidade de mobilização no município de Maricá para participação no Encontro do Setorial de Educação. Enquanto o município do Rio de Janeiro, capital do estado, registrou 409 credenciados (11% dos 3.845 credenciados do estado), Maricá credenciou 67% do total de credenciados do estado do RJ. Se a intensidade desta mobilização estivesse presente na votação para presidente da República em 2022, Bolsonaro não teria vencido em Maricá com 51,7% dos votos contra os 48,3% dos votos em Lula.
Ainda sobre os Encontros Setoriais, outro fato que merece análise e mudança de paradigma é a irrelevância atribuída ao debate político pela Direção Nacional do PT. Além da definição de encontros virtuais, que reduzem e tornam facultativo o espaço de debate, no caso do Encontro do Setorial de Educação do RJ, o registro de credenciados apresentado no relatório da sala virtual, gerado pela Secretaria Nacional de Organização Política, não corresponde ao número de cerca de 80 participantes presentes no debate e no decorrer do tempo estabelecido para o funcionamento da sala. Mas, sim, a exacerbação de 672 participantes, que definitivamente não entraram na sala virtual e a constatação das seguintes irregularidades: endereços de e-mails automatizados; CPFs inexistentes no Sistema de Filiação; associação de nome ao CPF de outro filiado presente no Sistema; nomes e CPFs inexistentes no Sistema de Filiação; nomes de participantes que não fizeram sequer a opção pelo Setorial de Educação, além de nomes sem CPFs reconhecidos no Sistema de Filiação (condição essencial para participar do Encontro).
Quando eu era criança, costumava brincar de bola de gude com meu irmão e colegas da rua onde morávamos. Era comum ter um esperto que, aproveitando-se da nossa distração, esticava a mão sobre o chão para, numa manobra duvidosa, alcançar o triângulo riscado em giz e atingir as bolas de gude, a fim de ganhar o jogo. Era chamado de mão grande. Ele levava as bolas de gude para casa, saía vitorioso, mas todos nós sabíamos que era por meio de trapaça. Se continuarmos dando pouca importância à mão grande que quer se apossar do PT, sobrará pouco dos princípios políticos que construímos e mantivemos com muita luta até aqui.
(*) Fátima Lima é dirigente da AE-RJ; coordenadora do Setorial de Educação do PT-RJ; membro do Diretório Municipal do PT carioca.
