Por uma Revolução Negra e Indígena no Socialismo Petista

TEXTO AO ENCONTRO SETORIAL NACIONAL COMBATE AO RACISMO PT
PARTE 1: ANÁLISE DE CONJUNTURA E FUNDAMENTAÇÃO
TEMA: O BRASIL NA ENCRUZILHADA HISTÓRICA E A CENTRALIDADE DO RACISMO
1.1. O Grito de Insubordinação: A Ruptura com o Pacto da Casa-Grande
Não estamos diante de uma mera disputa eleitoral, da Secretaria de Combate ao Racismo do PT ou mesmo de uma polarização partidária. O Brasil atravessa um conflito civilizatório. De um lado, o esforço de reconstrução das instituições democráticas; do outro, uma ofensiva neofascista que não foi derrotada nas urnas, pois capilarizou-se na cultura e nas instituições de força.
Neste cenário, este documento rompe com a tradição da esquerda brasileira de tratar a questão racial como um “apêndice” ou uma “pauta identitária” subordinada à luta de classes “geral”. Afirmamos: no Brasil, a raça é a forma como a classe se vive.
A insubordinação aqui proposta é contra o Pacto da Casa-Grande: a aliança histórica entre a elite financeira e o conservadorismo patrimonialista que aceita a modernização econômica desde que mantida a hierarquia racial de 1888.
1.2. A Economia Política do Racismo: Superexploração e Exército de Reserva
Para fundamentar nossa tese, precisamos dissecar a função econômica do racismo hoje. O racismo não é apenas um “preconceito” individual; é uma tecnologia de gestão da força de trabalho.
A Base da Superexploração: O capitalismo dependente brasileiro necessita de taxas de lucro extraordinárias. Para obtê-las, ele remunera a força de trabalho abaixo do valor necessário para sua reprodução. Quem paga essa conta? Majoritariamente, a população negra. O racismo estrutural atua rebaixando o valor do trabalho negro, permitindo que o sistema opere.
O Exército de Reserva Racializado: A manutenção de uma massa de desempregados e subempregados (hoje “uberizados”) é vital para pressionar os salários para baixo. Esse exército tem cor: é negro. O racismo justifica moralmente por que esses corpos podem ser descartáveis e precarizados.
A Centralidade da Mulher Negra: A mulher negra é o pilar dessa engrenagem. Ela sofre a intersecção da exploração de classe, raça e gênero. Ao sustentar a “economia do cuidado” (trabalho doméstico e reprodutivo) muitas vezes sem remuneração ou com baixos salários, ela subsidia indiretamente o lucro do capital, permitindo que a sociedade funcione às suas custas.
1.3. O Estado em disputa: Neoliberalismo Penal e a Teoria das Três Dimensões
A análise de conjuntura exige olhar para o Estado sob a ótica da Teoria Tridimensional (Ideológica, Prática e Estrutural), percebendo como ele se reconfigurou no pós-golpe de 2016.
A Esquizofrenia Estatal (Neoliberalismo Penal): Nos governos estaduais (com o Rio de Janeiro como laboratório nacional), vemos a fusão de duas lógicas aparentemente contraditórias.
Mão Invisível (Economia): Austeridade fiscal, teto de gastos e privatizações que retiram direitos da população negra.
Mão de Ferro (Segurança): Investimento massivo em aparato bélico, encarceramento e militarização.
Isso é o Neoliberalismo Penal: o Estado encolhe para o bem-estar social e cresce agigantado para a repressão. A função do aparato penal não é combater o crime, mas gerir a miséria gerada pela austeridade.
A Dimensão Ideológica (Guerra Cultural): A extrema-direita percebeu que perdeu terreno com o avanço da consciência negra nos governos Lula/Dilma. Sua resposta é o “pânico moral”: ataques às religiões de matriz africana, à “ideologia de gênero” e à revisão histórica, tentando criminalizar o pensamento crítico e restaurar a docilidade colonial.
A Dimensão Estrutural (Orçamento e Terra): A disputa real acontece no orçamento e no território.
No campo, o agronegócio avança sobre terras indígenas e quilombolas numa nova rodada de “acumulação primitiva”, transformando natureza em mercadoria.
Na cidade, o Racismo Ambiental confina a população negra em zonas de sacrifício, onde a ausência do Estado é a regra, exceto quando ele entra armado.
1.4. Por que “Tempos de Guerra”?
Chamamos este momento de “Tempos de Guerra” porque a conciliação clássica se esgotou. A burguesia brasileira demonstrou que prefere flertar com o fascismo a aceitar a ascensão social negra.
Portanto, o PT não pode mais operar na chave da “administração de conflitos”. O enfrentamento ao Marco Temporal, a defesa da juventude negra contra o extermínio e a disputa do orçamento não são pautas setoriais; são as trincheiras onde se define se o Brasil será uma democracia ou uma feitoria moderna gerenciada pela necropolítica.
A revolução brasileira será negra e indígena, ou a barbárie será o nosso futuro comum.
PARTE 2: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E ANATOMIA DO INIMIGO
TEMA: COMO O RACISMO SE REORGANIZOU PARA MANTER A HEGEMONIA
Para vencer uma guerra, não basta coragem; é preciso inteligência estratégica. Nossa análise identifica que o inimigo opera através de uma tríade complexa: a Economia da Superexploração, a Estrutura Tridimensional do Racismo e a Máquina de Guerra Estatal.
2.1. A Economia Política da Raça: O Motor Oculto do Lucro
Rompemos com a ilusão de que o racismo é uma “falha moral” que o capitalismo pode corrigir. Pelo contrário, o capitalismo brasileiro depende do racismo para manter suas taxas de lucro.
A Superexploração como Método: A questão racial não é um apêndice, mas a “base fundante da superexploração capitalista”. O sistema necessita de um “exército industrial de reserva” permanente para rebaixar o valor geral da força de trabalho. No Brasil, esse exército é negro. O racismo é a ideologia que justifica por que esses corpos valem menos, permitindo que sejam submetidos aos piores salários e à informalidade.
A “Uberização” tem Cor: A precarização moderna, visível na terceirização irrestrita e nos aplicativos, recai desproporcionalmente sobre a população negra. A falta de direitos trabalhistas não é um acidente; é um projeto de gestão de uma força de trabalho racializada.
A Mulher Negra no Epicentro: A intersecção de raça, classe e gênero coloca a mulher negra na base da pirâmide. Ela sustenta a “economia do cuidado” — trabalho vital para a reprodução da sociedade, mas historicamente invisibilizado e mal-remunerado.
Qualquer análise econômica que ignore a mulher negra é, por definição, uma análise burguesa e incompleta.
2.2. A Teoria Tridimensional: Por que as Leis Sozinhas não bastam?
Analisando nosso legado (2003-2016) à luz da teoria de Campos, compreendemos que o racismo se manifesta e se defende em três dimensões simultâneas. Uma política antirracista eficaz não pode privilegiar uma dimensão em detrimento das outras.
- Dimensão Ideológica (O Racismo Epistêmico):
O mecanismo: Opera através de doutrinas e narrativas que naturalizam a inferioridade negra e apagam nossa história.
Nossa atuação: Avançamos muito aqui com a Lei 10.639/03 e a valorização da identidade, levando à maioria da população se autodeclarar negra.
O contra-ataque: A “Guerra Cultural” da extrema-direita hoje (ataques a escolas, “ideologia de gênero”) é uma tentativa desesperada de retomar o controle desta dimensão, restaurando o mito da democracia racial.
- Dimensão Prática (A Sabotagem Institucional):
O mecanismo: Expressa-se em comportamentos discriminatórios e rotinas burocráticas que neutralizam direitos.
A lição do passado: Enquanto as cotas nas universidades (Lei 12.711) funcionaram por terem regras claras, as cotas nos concursos (Lei 12.990) falharam (apenas 3,18% de efetividade). Por quê? Porque a burocracia utilizou expedientes como o “fracionamento de vagas” para sabotar a lei. A lei existia, mas a prática racista a anulou.
- Dimensão Estrutural (O “Cofre” do Sistema):
O mecanismo: A alocação histórica de poder, terra e orçamento. É a dimensão mais difícil de penetrar.
O gargalo: Tivemos “inclusão simbólica”, mas “exclusão efetiva”. Programas estruturantes como o Brasil Quilombola foram asfixiados por falta de orçamento e baixa execução. O racismo estrutural se protege blindando o orçamento público contra a população negra.
2.3. O Estado Dual: Neoliberalismo Penal e Necropolítica
Nos territórios, a “democracia” é seletiva. O Estado opera sob a lógica do Neoliberalismo Penal:
Estado Mínimo vs. Estado Máximo: Para os direitos sociais (saúde, educação, transporte), o Estado é mínimo, alegando “responsabilidade fiscal” e austeridade. Para a repressão e o controle social, o Estado é máximo, investindo bilhões em aparato bélico.
Necropolítica e Território: A segurança pública não visa proteger a vida, mas gerir a morte (necropolítica). A “Guerra às Drogas” é a justificativa para suspender a lei nas favelas e territórios periféricos, tratando moradores como inimigos.
Racismo Ambiental: O território torna-se uma sentença. A concentração de lixões, poluição e a falta de saneamento nas áreas negras não é coincidência; é um projeto de segregação espacial e extermínio lento.
Acumulação Primitiva no Campo: No caso indígena e quilombola, a ofensiva do agronegócio e o Marco Temporal representam a face contemporânea da “acumulação primitiva” — o roubo de terras necessário para a expansão do capital.
SÍNTESE ANALÍTICA PARA A AÇÃO
A conclusão desta análise fundamenta nossa mudança de postura:
- Não podemos combater o racismo apenas com leis educacionais (Dimensão Ideológica), pois a sabotagem ocorre na burocracia (Dimensão Prática) e no orçamento (Dimensão Estrutural).
- Não há conciliação possível com um modelo econômico que depende da Superexploração e da Necropolítica para lucrar.
- Portanto, o antirracismo petista deve evoluir de uma pauta de “reconhecimento” para uma estratégia de disputa de poder, orçamento e território.
PARTE 3: BALANÇO CRÍTICO (2003-2016) – O APRENDIZADO DA BATALHA
TEMA: DO SIMBOLISMO À SABOTAGEM: POR QUE NÃO ROMPEMOS A ESTRUTURA?
O ciclo de governos Lula e Dilma (2003-2016) representou, inegavelmente, um “divisor de águas na história das políticas públicas brasileiras”. Pela primeira vez, o Estado
admitiu que o racismo existia. Contudo, uma análise realista-crítica, à luz da Teoria Tridimensional de Campos, revela que avançamos de forma desigual: vencemos mentes, disputamos espaços, mas fomos barrados na estrutura do poder econômico.
3.1. A Vitória na Dimensão Ideológica: A Quebra do Silêncio
A maior conquista deste período foi no campo simbólico e cultural. Enfrentamos o racismo epistêmico — a doutrina que apagava a história negra e indígena.
A Ofensiva Educacional: A Lei 10.639/2003 não foi apenas uma mudança curricular; foi uma tentativa de refundar a identidade nacional. Projetos como “A Cor da Cultura” e a institucionalização do 20 de Novembro disputaram o imaginário social.
O Resultado Demográfico: O sucesso dessa ofensiva se materializou no Censo de 2010, um “ponto de virada histórico” onde, pela primeira vez, a maioria da população (50,7%) se autodeclarou preta ou parda. Isso prova que políticas públicas podem reconstruir a subjetividade e o “orgulho negro”, expandindo a base de reivindicação de direitos.
Lição: O Estado tem poder para alterar a percepção racial da sociedade. A direita sabe disso, e é por isso que hoje ataca furiosamente as escolas e a cultura.
3.2. O Empate na Dimensão Prática: A Sabotagem Burocrática
Na dimensão das práticas institucionais e distribuição de oportunidades, vivemos um cenário misto, que expõe o que chamamos de Racismo Institucional.
O Sucesso (Cotas nas Universidades): A Lei 12.711/2012 foi eficaz porque tinha regras claras e universais para o sistema federal. O resultado foi um salto de 27,7% para 38,4% de pretos, pardos e indígenas nas federais em apenas quatro anos. Em 2018, eles já eram a maioria (51,2%). Aqui, a “caneta” funcionou.
O Fracasso (Cotas no Serviço Público): Em contraste, a Lei 12.990/2014, que reservava 20% das vagas em concursos, foi sabotada por dentro. Entre 2014 e 2017, a efetividade foi de pífios 3,18%.
O Mecanismo da Sabotagem: A burocracia utilizou o fracionamento de vagas nos editais (oferecendo menos de 3 vagas por cargo) para impedir a aplicação matemática da reserva.
Lição: Não basta fazer a lei. Se não controlarmos a máquina burocrática que desenha os editais, o racismo institucional encontrará brechas “legais” para neutralizar a política.
3.3. A Derrota na Dimensão Estrutural: A Barreira do Orçamento
Foi na dimensão estrutural — aquela que mexe com terra, renda e poder real — que os limites da conciliação ficaram evidentes. Tivemos arquitetura institucional, mas sem combustível financeiro.
Inclusão Simbólica, Exclusão Efetiva: O caso do Programa Brasil Quilombola (PBQ) é emblemático. Desenhado para ser transversal (terra, infraestrutura, desenvolvimento), ele sofreu com baixíssima execução orçamentária e descontinuidade a partir de 2012. Analistas apontam que isso gerou uma “inclusão simbólica” (o programa existe no papel) mas uma “exclusão efetiva” (o asfalto e a água não chegam).
A Fragilidade Federativa: O SINAPIR (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial) foi criado para descentralizar as políticas. O resultado? Uma adesão pífia de apenas 3,91% dos municípios até 2024. Sem “amarração” orçamentária (repasse de verbas condicionado à adesão), prefeitos ignoraram a política racial.
Ministérios sem “Caneta”: A SEPPIR, embora tivesse status de ministério, muitas vezes atuou sem poder de veto ou de execução direta sobre grandes orçamentos, dependendo da boa vontade de outros ministérios (Saúde, Educação, Planejamento).
3.4. Síntese: O Limite da Conciliação
A análise do período 2003-2016 nos ensina que o capitalismo brasileiro aceita a ascensão simbólica do negro, mas trava uma guerra feroz contra sua ascensão econômica e territorial.
Enquanto focamos na “humanização” do capitalismo e na redução da pobreza via transferência de renda (o que foi vital), não conseguimos desmontar a arquitetura da opressão que reside no sistema de justiça, na estrutura fundiária e na burocracia estatal. O PT pagou o preço de tentar “administrar” o conflito racial em vez de resolvê-lo estruturalmente. A direita não teve a mesma piedade quando assumiu o poder em 2016.
Dessa forma, qualquer nova estratégia não pode repetir o erro de confiar apenas na lei. Precisamos de Orçamento Impositivo, Poder de Veto em grandes projetos e mecanismos de Controle da Burocracia para impedir a sabotagem interna.
3.5. O Interregno e a Reconstrução (2017–2025): Da Terra Arrasada à Disputa do Estado
A análise do período recente exige dividir a história em dois movimentos antagônicos: a ofensiva neofascista (2017-2022) e a tensão da reconstrução (2023-2025).
- A Contraofensiva Neofascista (2017–2022): O Desmonte Deliberado
Após 2016, a elite brasileira rompeu o pacto social e o racismo assumiu o comando explícito do Estado. Não houve apenas estagnação, mas um projeto de destruição das conquistas anteriores.
Precarização da Vida: A “uberização” e a terceirização irrestrita avançaram brutalmente, atingindo em cheio as mulheres negras, que foram empurradas para a base da pirâmide da exploração sem direitos.
Guerra Ideológica: A extrema-direita operou no campo ideológico para deslegitimar a luta antirracista, atacando as ações afirmativas e mobilizando o racismo e a misoginia para dividir a classe trabalhadora.
Descontinuidade Política: Houve uma ruptura na implementação de políticas educacionais antirracistas, dificultada pela resistência social e pela falta de preparo intencional nas licenciaturas durante este período de trevas.
- A Conjuntura Atual (2023–2025): A Tensão entre Reconstrução e Barbárie
Com a vitória popular e o terceiro mandato do Presidente Lula, vivemos um momento de “tensão entre a reconstrução democrática burguesa e as forças do retrocesso”.
Avanços e Limites: Celebramos a retomada institucional com a criação do MIR e do MPI e a presença inédita de quadros negros e indígenas. Contudo, persistem “limitações estruturais”: o racismo institucional resiste nas engrenagens e o orçamento para políticas raciais ainda é insuficiente.
O Perigo da Vitrine: Há o risco real de que, sem “caneta” e orçamento robusto, os novos ministérios se tornem “vitrines simbólicas” que mascaram a continuidade da violência nos territórios.
O Estado Cindido: Enquanto o Governo Federal tenta reconstruir políticas sociais, os governos estaduais (como no RJ) aprofundam o “neoliberalismo penal”, gerindo a desigualdade através da morte e da militarização. Além disso, a ameaça do Marco Temporal e a ofensiva do agronegócio mostram que a disputa pela terra continua sendo o centro do conflito anticapitalista.
Síntese do Período:
Chegamos a 2025 com uma lição clara: a retomada do governo federal é uma trincheira fundamental, mas não garante, por si só, a vitória contra o racismo estrutural. O inimigo se radicalizou, armou-se e disputa o orçamento e o território com ferocidade. A “normalidade” institucional não basta; é preciso disputar o poder real.
PARTE 4: EIXOS ESTRATÉGICOS – O PROGRAMA DE GUERRA
TEMA: DO RECONHECIMENTO À REDISTRIBUIÇÃO DE PODER, TERRA E ORÇAMENTO
Não buscamos apenas assentos à mesa; queremos reescrever o cardápio e controlar a cozinha. Nosso programa de ação se divide em quatro frentes de batalha simultâneas, desenhadas para desmantelar a arquitetura da opressão.
EIXO I: SOBERANIA, TERRA E MEIO AMBIENTE
O Território como Base Material da Vida e do Antirracismo
A luta pela terra não é “identitária”; é a barreira final contra o capital predador. A expansão da fronteira agrícola e imobiliária depende da despossessão de negros e indígenas.
Contra a Acumulação Primitiva (O Marco Temporal): O Marco Temporal não é um debate jurídico, mas uma tentativa de legalizar o roubo histórico de terras promovido pela burguesia agrária.
Diretriz: O PT deve fechar questão contra qualquer flexibilização dos direitos territoriais. A demarcação de terras indígenas e quilombolas é um imperativo anticapitalista e a única via para o ecossocialismo.
Combate ao Racismo Ambiental Urbano: Nas cidades, o “território é uma sentença”. A ausência de saneamento, a concentração de lixões e a precariedade do transporte nas periferias configuram um projeto deliberado de segregação.
Diretriz: Lutar por Planos Diretores que criminalizem a gentrificação e priorizem investimentos em infraestrutura nas “zonas de sacrifício”, garantindo o direito à cidade como reparação histórica.
Reconhecimento do Indígena Urbano: Grande parte da população indígena vive hoje em favelas e periferias, compondo a camada mais precarizada da classe trabalhadora.
Diretriz: Garantir políticas de habitação e saúde específicas para indígenas em contexto urbano, sem exigir que “deixem de ser indígenas” para acessar direitos.
EIXO II: PODER DE ESTADO, ORÇAMENTO E FEDERALISMO
Do Simbolismo à “Caneta Cheia”
Aprendemos com os erros de 2003-2016: inclusão normativa sem orçamento é “exclusão efetiva”. Precisamos ocupar a máquina para destravá-la.
Ministérios com Poder Real: O Ministério da Igualdade Racial (MIR) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) não podem ser vitrines simbólicas. Precisam de autonomia orçamentária e poder de execução para não ficarem reféns de emendas parlamentares.
Diretriz: Instituir transversalidade obrigatória no orçamento da União (Orçamento Sensível a Raça e Gênero), onde cada ministério deva prestar contas do impacto racial de seus gastos.
A Tática do “Sanduíche” (Federalismo de Confronto): Diante de governos estaduais hostis que operam o “neoliberalismo penal”, o Governo Federal deve usar seu poder de repasse de verbas (SUS, Fundo de Segurança, Educação) para constranger e induzir políticas antirracistas locais.
Diretriz: Condicionar repasses federais à adesão efetiva de estados e municípios ao SINAPIR e ao cumprimento de metas de redução da letalidade policial.
Fim da Sabotagem nos Concursos (Dimensão Prática): A experiência da Lei 12.990/2014 mostrou como a burocracia usa o “fracionamento de vagas” para impedir a cota de 20%.
Diretriz: Aprovar nova legislação que blinde as cotas contra as manobras burocráticas, garantindo sua aplicação sobre o total de vagas do órgão, e estendendo a reserva para cargos de confiança e comissionados.
EIXO III: SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS
Enfrentando a Necropolítica e o Neoliberalismo Penal
A segurança pública atual é a gestão da desigualdade através da morte. O “braço armado do capital” serve para disciplinar a força de trabalho superexplorada.
Desmilitarização e Fim da Guerra às Drogas: A “guerra às drogas” é uma fraude para justificar o controle militar de territórios negros e o encarceramento em massa.
Diretriz: Pautar a desmilitarização das polícias e uma nova política de drogas focada na saúde pública, retirando o pretexto para a invasão de domicílios nas favelas.
Vigilância Partidária e Parlamentar: O Estado não se autovigia. A violência policial é um negócio lucrativo e político.
Diretriz: Criar o “Observatório Parlamentar da Violência Policial” dentro das estruturas do PT e de seus mandatos para monitorar operações em tempo real, sistematizar dados e denunciar violações em cortes internacionais.
EIXO IV: EDUCAÇÃO, CULTURA E DISPUTA DE NARRATIVA
A Ofensiva Pedagógica contra o Racismo Epistêmico
A educação não é neutra; ou ela reproduz a colonialidade ou a destrói. Diante da “guerra cultural” da extrema-direita, nossa resposta deve ser a radicalização da Lei 10.639/03.
Educação como Postura Institucional: A educação antirracista não é apenas conteúdo (“falar de escravidão”), mas postura. É transformar a escola em um ambiente que acolhe vítimas e responsabiliza agressores.
Diretriz: Transformar a Lei 10.639 em Política de Estado, com protocolos obrigatórios para lidar com racismo escolar e revisão crítica de materiais didáticos.
Acesso e Permanência (O Fim da Evasão): Não basta entrar na universidade. A juventude negra precisa de condições para não abandonar o curso por fome ou falta de transporte.
Diretriz: Defender o ingresso automático de estudantes de escolas públicas nas universidades federais e criar bolsas robustas que libertem a juventude negra da dependência de subempregos análogos à escravidão.
Cultura e Memória: O racismo tenta apagar nossa história para nos enfraquecer.
Diretriz: Fomentar pontos de cultura, apoiar o “aquilombamento” da mídia e garantir que o 20 de Novembro seja celebrado não como festa, mas como dia de luta e consciência política.
PARTE 5: TAREFAS ORGANIZATIVAS – O PARTIDO COMO FERRAMENTA DE COMBATE
TEMA: DA MÁQUINA ELEITORAL AO INTELECTUAL COLETIVO ANTIRRACISTA
Para vencer a guerra tridimensional (ideológica, prática e estrutural), o Partido dos Trabalhadores precisa passar por uma profunda reforma interna. Não aceitamos mais o partido como um “salvador” externo aos movimentos, mas como um instrumento afiado a serviço da auto-organização da classe trabalhadora negra e indígena.
5.1. Formação Política: A Guerra de Posição começa em Casa
A hegemonia que buscamos na sociedade precisa ser pré-figurada dentro do partido. O racismo estrutural permeia nossas fileiras, e combatê-lo exige mais do que palestras esporádicas; exige uma revolução pedagógica.
Escola Permanente Lélia Gonzalez:
O Problema: A formação política foi muitas vezes secundarizada ou resumida a períodos pré-eleitorais.
A Solução: Instituir um currículo contínuo e obrigatório que abranja a história da resistência negra, o pensamento social brasileiro e a análise interseccional. A conclusão deste curso deve ser pré-requisito estatutário para qualquer candidatura ou cargo de direção.
Letramento Orçamentário Racial:
A Tática: Capacitar núcleos de militantes para dissecar as peças orçamentárias (municipais e estaduais). Precisamos de uma militância técnica capaz de provar, com números, que a “responsabilidade fiscal” é um mecanismo de transferência de renda do povo negro para a elite financeira.
5.2. Financiamento e Poder: O Fim da “Candidatura Vitrine”
A representatividade sem recursos é uma armadilha que leva ao desgaste de nossas lideranças. O desafio é “transformar presença em poder, representação em decisão”.
Programa de Aceleração de Lideranças Negras:
O Problema: Muitas vezes, lideranças negras são lançadas apenas para cumprir cotas de lista, sem viabilidade eleitoral.
A Solução: Criar um programa de mentoria e alocação de recursos prévios para pré-campanhas, garantindo condições materiais de disputa.
Paridade Real nos Espaços de Decisão:
A Tática: Não aceitamos apenas cotas na lista de candidatos. Exigimos paridade racial nas Executivas e Diretórios, onde se define o fundo eleitoral e o tempo de TV. Quem não controla a chave do cofre, não controla a política.
5.3. Organização de Base: Reenraizar o Partido no Território
O partido deve funcionar como um afluente que fortalece o rio dos movimentos sociais, sem tentar tutelá-los ou cooptá-los.
Núcleos Antirracistas de Base (NABs):
A Função: Incentivar a criação de núcleos em cada bairro e favela. A função do NAB não é pedir voto, mas realizar a “Cartografia da Opressão”: mapear problemas concretos (falta de creche, violência policial, lixões) e organizar a resposta comunitária.
Brigada Jurídica Popular “Guerreiro Ramos”:
A Tática: Organizar uma rede militante de advogados para atuar na defesa de ativistas criminalizados, na regularização fundiária de quilombos e na proteção de terreiros, preenchendo o vácuo deixado pela Defensoria Pública em muitos locais.
5.4. Comunicação e Disputa de Narrativa: O “Aquilombe” Midiático
A direita vence quando suas ideias (meritocracia, empreendedorismo de necessidade, pânico moral) se tornam o “senso comum”. Nossa tarefa é disputar essa hegemonia.
Campanha “Onde está o Dinheiro do Povo Negro?”:
A Narrativa: Traduzir a complexidade econômica para a linguagem do cotidiano. Mostrar que a falta de médico no posto de saúde é resultado direto da isenção fiscal dada à empresa de ônibus ou ao agronegócio.
O “Aquilombe de Mídia”:
A Tática: Em vez de centralizar a comunicação apenas nos canais oficiais do partido, devemos funcionar como uma plataforma que impulsiona influenciadores, artistas e comunicadores negros da periferia. Criar um ecossistema de mídia contra-hegemônica que fure a bolha do algoritmo.
5.5. Síntese Organizativa
Estas tarefas não são burocracia; são as condições de possibilidade da vitória.
Se o racismo é a estrutura que sustenta o capitalismo brasileiro, o Antirracismo Organizado é a única ferramenta capaz de derrubá-lo.
O PT deve se reorganizar para ser, ao mesmo tempo, escudo para a defesa dos territórios e lança para a disputa do futuro.
PARTE 6: CONCLUSÃO – O HORIZONTE É A REVOLUÇÃO NEGRA E INDÍGENA
TEMA: DO LUTO À LUTA: UM NOVO PACTO PELO FUTURO DO BRASIL
Chegamos ao fim deste documento com a certeza de que a luta antirracista não é um capítulo à parte na história do Partido dos Trabalhadores, mas a própria tinta com a qual o futuro da esquerda deve ser escrito. A análise acumulada aqui — do diagnóstico do
Neoliberalismo Penal à crítica da sabotagem burocrática — nos leva a três conclusões fundamentais que guiarão nossa marcha.
6.1. O Fim do Ciclo da Conciliação Ilusória
A história recente (2016-2022) nos ensinou uma lição brutal: a burguesia brasileira não tem compromisso com a democracia. A tentativa de “humanizar” o capitalismo via conciliação de classes, sem enfrentar a estrutura racista que lhe dá sustentação, mostrou-se insuficiente.
Quando o pacto democrático foi rompido, quem sofreu o primeiro e mais violento golpe foi a população negra e periférica, com a retirada de direitos trabalhistas e o aumento da violência estatal.
Portanto, afirmamos: a conciliação que exige o silenciamento das pautas raciais e territoriais é suicídio político. Não há democracia possível sustentada sobre o Marco Temporal ou sobre o genocídio da juventude negra.
6.2. A Síntese da Nova Estratégia: da Identidade à Estrutura
Superamos a fase em que o antirracismo era apenas uma pauta de “reconhecimento” e “representatividade” (Dimensão Ideológica). Entendemos agora que o racismo é uma tecnologia de poder que opera bloqueando o acesso ao orçamento e à terra (Dimensão Estrutural).
Nossa nova estratégia é tridimensional e materialista:
- Não queremos apenas a foto do ministro negro; queremos a caneta que decide o investimento.
- Não queremos apenas o feriado no calendário; queremos a terra demarcada e protegida do agronegócio.
- Não queremos apenas o discurso contra a violência; queremos a desmilitarização que impede a polícia de atirar.
6.3. O Partido como “Quilombo” e “Aldeia”
O PT deve ser reconectado no chão da luta popular. Ele não pode ser o “muro” que contém a revolta, mas o instrumento que a amplifica.
Ao assumir o compromisso de “Aldear a Política” e “Enegrecer o Poder”, o partido reconhece que a vanguarda da transformação social no Brasil tem rosto: é a mulher negra da periferia, é o cacique que defende a floresta, é o jovem que sobrevive ao extermínio.
O partido que almejamos deve funcionar como um Intelectual Coletivo Antirracista, capaz de disputar a hegemonia contra o fascismo não apenas nas urnas, mas na cultura, na memória e na vida cotidiana.
6.4. O Horizonte Socialista: Bem Viver e Soberania
Por fim, declaramos que nossa luta antirracista é indissociável da luta socialista. O capitalismo dependente brasileiro, fundado na escravidão e na expropriação, não é reformável em sua essência.
Nosso horizonte é a construção de uma sociedade baseada no Bem Viver — conceito ancestral que rejeita a mercadorização da vida e da natureza — e na soberania popular real.
Sonhamos e lutamos por um Brasil onde a cor da pele não defina a expectativa de vida, onde o território não seja uma sentença de morte e onde a riqueza produzida pelas mãos negras e indígenas volte para quem a construiu.
O Compromisso Final
Este documento é um pacto selado com a memória de Zumbi, Dandara, Sepé Tiaraju, Marielle Franco e de cada militante anônimo que tombou nesta guerra secular.
- Nós não
- Nós não negociaremos nossos
- Nós ocuparemos o
A REVOLUÇÃO BRASILEIRA SERÁ NEGRA E INDÍGENA, OU NÃO SERÁ!
