A batalha de narrativas – redes sociais e moinhos de vento

Por Matheus Giavarotti (*)

Donald Trump critica o ministro da Suprema Corte americana através de seu perfil em sua própria rede social, ironicamente chamada de “Truth”.

Elon Musk critica o ministro do Supremo Tribunal do Brasil, através de seu perfil pessoal na rede social de sua propriedade, o X, antigo Twitter. Ameaça descumprir determinações judiciais.

A comunicação de massa se transformou profundamente nas últimas duas décadas, mas ela segue tendo DONO e jogando a serviço do CAPITAL.

É verdade que a esquerda tem tido dificuldade em se comunicar, mas talvez porque não esteja fazendo uma leitura crítica e materialista dos meios de comunicação. Sem uma boa análise de conjuntura, as ações sempre serão ineficientes.

O início da era da internet trouxe a promessa de democratização da comunicação. Apontou para as possibilidades da produção colaborativa e apresentava matizes revolucionárias em alguns momentos, como as propostas de socialização da propriedade intelectual postas em prática através dos creative commons e do software livre. Era habitada por piratas do ciberespaço que liberavam acesso gratuito a um sem fim de conteúdos proprietários. Quando tudo ainda era mato na internet, ainda não existiam cercas.

Mas esse novo território recém inventado foi rapidamente colonizado pelo capital, num processo de “acumulação primitiva virtual” que se consolida com o advento das redes sociais e seus difusores: os smartphones. Orkut e Facebook surgem em 2004 e o Twitter, em 2006. O lançamento do Iphone em 2007 e do Android em 2008 impulsionam o seu avanço aumentando sensivelmente o número de horas médias que uma pessoa se expõe às redes sociais diariamente e tornando cada usuário um produtor de conteúdo midiático em potencial. Em seguida, surgem o Whatsapp, em 2009, e o Instagram em 2010, sem falar em tantas outras plataformas que surgiram e sumiram ou evoluíram e foram compradas e fundidas com outras num processo de formação de monopólio extremamente acelerado. Em duas décadas, a maneira de produzir e acessar conteúdos midiáticos se transformou e arrastou consigo grandes conglomerados de mídia, produtores e difusores de conteúdo.

As gigantes atuais seguem vendendo anúncios como as gigantes de outrora, mas hoje transferem o custo da produção do conteúdo para o usuário. É verdade que remunera os poucos que vencem em seu ecossistema, mas lucram graças aos outros milhões que trabalham de graça, em troca de likes.

Mas não é só produzindo conteúdo que os usuários enriquecem os acionistas dessas plataformas. Toda interação dentro delas é registrada e categorizada e produzem milhões de dados que analisados e cruzados possibilitam um novo nível de propaganda, totalmente direcionada e personalizada, capaz de induzir não apenas à compra de determinados produtos, mas a mudanças de comportamentos e posicionamentos políticos.

Seria uma coincidência que após uma “onda vermelha” nos países periféricos nos primeiros anos do século XXI vivêssemos hoje um crescimento da extrema direita no mesmo passo que a expansão das redes sociais? Quantos governos eleitos foram desestabilizados por movimentos nascidos e fomentados em redes sociais? Dando foco no Brasil, qual foi o papel das redes sociais nas jornadas de junho de 2013? Ou no golpe de 2016? Na eleição de 2018? Em algum momento, o resultado do jogo jogado nas redes pendeu para a esquerda?

É comum dizer que, por sua incompetência, a esquerda está perdendo a batalha das narrativas nas redes sociais. Mas isso se dá pela sua incompetência ou pelo fato de estar jogando no campo e com as regras do adversário? Essa acusação faria sentido em 1989 quando Lula foi derrotado por uma manipulação no último debate da campanha para presidente? Ou quando os movimentos sociais mobilizados e em luta do final do século passado não ganhavam espaço nos noticiários da grande mídia?

Ao tentar vencer a “batalha nas redes” a esquerda se enfraquece e gasta suas fichas numa luta em vão. A luta deve ser CONTRA as redes sociais, ela em si a mais nova e poderosa ferramenta de alienação que deixa no chinelo as produções hollywoodianas do século XX onde os comunistas eram sempre vilões corruptos e inescrupulosos, onde o papel subalterno de mulheres e negros eram constantemente reforçados, onde a população LGBT era invisibilizada, onde os poucos casos de ascensão social justificavam a miséria extrema e a exclusão de milhares por meio da meritocracia.

Assim como é impossível lutar contra o capitalismo de fora dele, o mesmo acaba por acontecer na luta contra o domínio e poder irrestrito das redes sociais e seus algoritmos. O primeiro passo deve ser desmascarar sua suposta neutralidade, denunciando seus usos políticos e a epidemia de doenças psicológicas causadas pelo uso abusivo de redes sociais. É urgente iniciar uma grande luta para regular os poderes irrestritos de manipulação de corações e mentes dessas ferramentas de comunicação.

É fundamental lembrar que existe toda uma realidade para além da comunicação através de telas, alto-falantes e teclas. A esquerda precisa retomar suas táticas de comunicação e mobilização tradicionais. Cartazes, faixas, pixações, panfletos, megafones e carros de som. Mas principalmente a comunicação pessoal, direta.

Nos dias que antecederam a eleição de 2018, pouco antes de sofrer uma amarga derrota eleitoral para a extrema direita, milhares de militantes de esquerda foram às ruas no movimento de “vira-voto”. Desses dias ficou para muitos uma mistura de autocrítica e lição: a esquerda precisava voltar a fazer “trabalho de base”. O que se percebeu naquele momento foi a força da comunicação olho no olho, o poder de uma conversa privada em detrimento da impossibilidade de diálogo das letras frias e públicas das redes sociais, nas quais posições são afirmadas e radicalizadas a cada comentário, sem espaço para uma mudança de posicionamento.

Assim, atividades de panfletagem não devem ser vistas como ações românticas e nostálgicas, mas como uma das poucas maneiras que nos restam de fomentar encontros presenciais com a abertura de espaços para o diálogo real em torno de necessidades coletivas concretas. Essas ações quando realizadas por grupos organizados, fortalecem os vínculos de pertencimento e reforçam valores como a empatia, o respeito à diversidade e a valorização do trabalho coletivo, opondo-se ao individualismo meritocrático e excludente que as redes sociais capitalistas propagam por suas antenas de celular.

(*) Matheus Giavarotti é militante do PT de São José dos Campos, professor do ensino fundamental e artista visual, graduado em Educação artística pela FAAP/SP e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

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