Marcos Jakoby é militante do Partido dos Trabalhadores e da tendência petista Articulação de Esquerda.
A classe dominante e o bolsonarismo não têm projeto… Será? Algumas pistas…
Alguns militantes, dirigentes e pessoas ligadas à esquerda, por vezes, alegam que a classe dominante brasileira e/ou o bolsonarismo não tem projeto. Que o governo Bolsonaro se caracterizaria pela ausência de propostas; ou que as medidas aplicadas seriam somente de caráter destrutivo, isoladas entre si, e que não se articulariam como um projeto para o nosso país. Compreendo que é equivocada este tipo de análise. As reformas e ações implementadas até agora tem um sentido, uma lógica e uma coerência entre elas, e perseguem pelo menos três grandes objetivos: implementação de um programa ultraliberal; a destruição do campo popular e de esquerda, combinada com uma “guerra” ideológica e cultural; e o alinhamento e subordinação aos EUA.
Creio que seja desnecessário listar o conjunto das ações já impostas pelo governo Bolsonaro que visam perseguir estes objetivos. No entanto, uma matéria publicada pelo portal “G1” no dia 19 de julho (link segue ao final do texto) é muito interessante no sentido de revelar mais algumas pistas do que está em curso no nosso país em termos de via de desenvolvimento desejada pelas classes dominantes.
O título da reportagem chama a atenção para o seguinte: a atual taxa de investimentos é a menor em mais de 50 anos. Indicador caiu para 15,5% do PIB no 1º trimestre de 2019, ante 20,9% em 2013 (investimento público + privado). Mesma taxa registrada em 1967, período de forte recessão pós-golpe de 1964, que antecedeu o chamado “milagre econômico” (entre 1968 e 1974). Os economistas consultados pelo portal reconhecem que a “reversão desse quadro é fundamental para que a economia possa reagir e se recuperar num ritmo mais robusto e, com isso, aumentar a geração de empregos”.
Mas…o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou que, “mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, a administração pública não irá recuperar sua capacidade de investimento “nos próximos três ou quatro anos“”. Que o Brasil precisa avançar em outras reformas…. A reportagem ainda nos lembra que a Lei do Teto de Gastos impõe limites e restrições ao orçamento público.
Qual a saída então? “atrair mais investimentos privados, sobretudo na área de infraestrutura, através de uma maior abertura da economia, em setores como o mercado de gás natural, e ampliação dos projetos de concessões e privatizações”. Para que a economia sustente expansão do PIB da ordem de 3% ao ano ao longo do tempo é necessário que o nível de investimentos caminhe para 21% do PIB” (relembrando, hoje está na casa dos 15%), o que levaria pelo menos dez anos. Isso ainda a depender das “reformas” e do “ambiente de negócios”.
Diante deste cenário crítico, alguns economistas do “mercado” já começam a pontuar que “o crescimento do gasto público precisa ser objeto de controle, mas isto precisa incluir espaço para investimento. Claro que é necessária a emenda da emenda. Não para desoneração ou subsídio, mas gasto mesmo, contratação direta” (fala de economista-chefe de um banco).
Para ele não dá para contar apenas com o investimento privado para a retomada da economia aos patamares pré-crise. “As oportunidades para o investimento privado estão concentradas na infraestrutura e no setor de energia, ambos monopólios naturais ou assemelhados e, portanto, objeto de regulação complexa, longo prazo de maturação e com riscos econômicos elevados”.
Ou seja, mesmos os economistas liberais e do “mercado”, no fundo, sabem que somente o investimento privado é insuficiente para alavancar o crescimento econômico, que será preciso um significativo investimento estatal. Mas claro, um investimento que torne possível e que crie as condições ao capital privado investir com altas taxas de lucros e sem muitos riscos. O que não é uma novidade, esta é uma das especificidades do capitalismo brasileiro: a profunda interferência do Estado na sua constituição, por mais que os liberais torçam o nariz para esta constatação.
Nessa lógica, é importante também, além das “reformas” já realizadas, e previstas, pela coalização golpista, mudar reduzir os investimentos públicos que acontecem em áreas como educação, saúde, mobilidade. “Para isso, teríamos que realmente mudar o modelo e trazer mais o setor privado para essas áreas”. Outra passagem muito interessante da matéria: “tem setores que o investimento privado não entra, ou entra quando boa parte do custo do investimento já está amortizado, para ser operador e ampliar a infraestrutura na medida em que a demanda cresce“. Trocando em miúdos, o capital privado só vai na boa, para isso, precisa do Estado. Ou seja, “pimenta (liberalismo) nos olhos dos outros é refresco”.
A impressão que fica é que nos encontramos num período ( de + ou – 4 anos) de “estagnação e recessão calculada” para “limpar terreno” ( aplicação de reformas e medidas que reduzam o custo da força de trabalho + redução ao máximo da aplicação de recursos estatais em funções “públicas” – sem falar da redução das liberdades democráticas e da tentativa de neutralizar ou mesmo liquidar com a esquerda). Depois de realizado este “serviço”, os capitalistas e seus representantes, mesmo parte dos mais liberais, sabem que haverá necessidade de uma retomada de investimentos do Estado para buscar um ciclo de crescimento econômico, que não bastará o “mercado” ou o “setor privado”, por melhor que possa ser o “ambiente para os negócios”. Claro que há outras variáveis, como o cenário internacional; e que, numa situação destas, o crescimento seria altamente concentrador de renda e riqueza. Mas, parece ser uma hipótese que não pode ser descartada em nossas análises.
Link da matéria: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/07/19/taxa-de-investimentos-e-a-menor-em-mais-de-50-anos-e-fica-mais-dependente-do-setor-privado.ghtml
Marcos Jakoby – militante petista