A conciliação e o negacionismo

Por Valter Pomar (*)

Acabo de receber uma mensagem relatando que um integrante do DN do PT teria defendido “enfaticamente (para não dizer brutalmente) a ideia de que não houve conciliação de classes no governo do PT. Que, se isso fosse verdade, ou seja, se tivesse havido conciliação, não teria havido golpe”.

Respondi o seguinte: as elites apelaram para o golpe porque não traímos, o golpe foi vitorioso porque conciliamos.

Quem nega que houve conciliação de classes no governo do PT, nega a realidade.

Aliás, vamos nos entender: não existe atividade política sem algum tipo de conciliação.

O problema não está na existência de alguma conciliação.

O problema está quando se adota uma estratégia de conciliação.

No que consiste esta estratégia de conciliação?

No limite na crença de que é possível compatibilizar os interesses históricos dos capitalistas e da classe trabalhadora.

Na crença de que se formos moderados, as elites também serão.

Nas ilusões “republicanas” na neutralidade de certas instituições.

Etc.

Exemplos práticos de conciliação nos governos Lula e Dilma:

1/Henrique Meirelles na presidência do Banco Central dos dois governos Lula;

2/Joaquim Levy na presidência do Banco Central no início do segundo governo Dilma;

3/Michel Temer na vice-presidência de Dilma Rousseff;

4/vários aspectos do relacionamento com o oligopólio da Comunicação;

5/vários aspectos do relacionamento com as forças armadas;

6/vários aspectos do relacionamento com o agronegócio;

7/etc etc.

Há inúmeras declarações de Lula, de Dilma e de Haddad que confirmam tudo isto.

A mais recente foi a de Haddad, afirmando que nossos governos federais foram de “centro-esquerda”.

Talvez o maior prejuízo causado pela estratégia da conciliação foi a prolongada crença de que não haveria golpe contra Dilma e de que Lula não seria condenado, preso e impedido de disputar as eleições de 2018.

Como disse alguém muito importante: “não consigo entender porque estão fazendo isto conosco”.

A resposta, como já foi dito acima, é muito simples.

As elites foram para o golpe porque só assim conseguiriam nos derrotar. E as elites precisavam nos derrotar porque nós não traimos.

E o golpe foi vitorioso porque nós conciliamos em questões fundamentais.

Explico: mais cedo ou mais tarde o grande capital — que não tem nenhum interesse em conciliar conosco — tomaria medidas para tentar restabelecer o status quo.

Foi o que eles fizeram, com o golpe.

Mas uma parte do nosso Partido e todo o nosso governo, por terem adotado uma estratégia da conciliação, não se prepararam para isto.

Não ter se preparado para este momento foi uma traição? A resposta é: não foi.

Afinal, quem acreditava na estratégia da conciliação certamente foi traído, mas não traiu.

Quem acreditava que fazendo um governo moderado, moderaria as classes dominantes; quem acreditava que a direita respeitaria o resultado das urnas e não daria mais golpes; quem acreditava no “republicanismo”; quem achava que estava ocorrendo uma “revolução democrática” no Brasil; quem confiava no Delcídio Amaral, no Vaccarezza e noutros deste tipo, não traiu. Foi traído.

Por qual motivo pessoas do grupo majoritário no PT têm tanta dificuldade de reconhecer isso?

Acho que há vários motivos.

O principal deles é uma dificuldade imensa em formular uma estratégia alternativa a que foi implementada entre 1995 e 2016.

Se admitirmos que a estratégia adotada naquele período foi estruturada em torno da conciliação de classe; e se admitirmos que o grande capital e a direita não querem conciliar e demonstraram isso da maneira mais golpista possível; o que nos resta é formular uma nova estratégia.

Quem tem extrema dificuldade de formular esta nova estratégia prefere não reconhecer a existência do problema.

Mas como a realidade recoloca o problema todo santo dia, e como nós da esquerda petista insistimos no assunto, é preciso fazer e dizer algo.

E como é mais fácil polemizar conosco do que enfrentar a dura realidade, uma parte da CNB adota o caminho de desqualificar a crítica que fazemos à estratégia da conciliação.

Mas esta desqualificação só é convincente para quem sofre de amnésia seletiva e esqueceu do Meirelles, do agronegócio, dos subsídios e isenções, da publicidade para os grandes meios, da repressão às rádios comunitárias etc etc etc.

Isto para não falar do voto em golpistas nas mesas diretoras. Outro exemplo da “estratégia de conciliação”, agora pós-golpe.

Detalhe: isso não é um assunto do passado.

É um assunto do presente.

A questão é: o caminho para derrotar Bolsonaro e o neoliberalismo, o caminho de um futuro governo Lula será guiado por qual estratégia?

Por uma estratégia de conciliação de classe?

Ou por uma estratégia para tempos de guerra?

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

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