Por Marcos Jakoby*
O senador petista Jaques Wagner saiu ontem (17/09) em defesa do governador Rui Costa, em razão de entrevista que este concedeu à última edição da revista Veja. Na entrevista, o governador empilhou declarações polêmicas e que contrariam decisões, posições e diretrizes políticas do PT. Em nota, a Executiva Nacional do partido reafirmou suas posições. Por sua vez, Jaques Wagner chamou a nota de “totalmente descabida”. Será que Jaques Wagner tem razão?
Vamos recapitular a situação para melhor avaliá-la. Na referida entrevista, Rui Costa, em suma, diz que: 1) se lançava como candidato a presidente em 2022; 2) o certo era ter apoiado o Ciro Gomes em 2018; 3) considera “natural que a oposição, se tiver juízo, recolha o trem de pouso e deixe o presidente governar’ nos primeiros seis meses; 4) admite que o partido poderia abrir mão da bandeira Lula Livre para formar alianças; 5) equipara a situação da Venezuela com a do Brasil, “a Venezuela enfrenta o mesmo momento que o Brasil, mas no oposto ideológico” e que o país vizinho “ainda” não é uma ditadura.
Já a nota do Partido, em resumo, diz que: o PT tomou uma decisão absolutamente correta ao lançar candidatura própria nas eleições presidenciais de 2018; que o eventual apoio do PT a Ciro Gomes, se à época já não se justificava, hoje menos ainda; que dado o caráter autoritário, antinacional e fortemente antipopular do governo Bolsonaro, não cabe outra atitude ao PT que não seja fazer oposição permanente e destemida a seu governo neoliberal de extrema-direita; que tem bem claro que a bandeira “ Lula livre” é central na defesa da democracia, da soberania e dos direitos no Brasil; que a visão sobre a Venezuela considera que o país vizinho se encontra sob criminoso embargo econômico e tentativa de intervenção militar estadunidense e que repudia as tentativas de golpe; que considera totalmente extemporâneo o debate sobre candidaturas presidenciais para 2022.
Como se percebe, Rui Costa aborda questões de grande importância e gravidade, todas com impacto na luta política que se desenvolve em nosso país e em nosso continente. São questões nas quais sabidamente o partido tem opinião e posição, como ficou demonstrado na nota. Não por acaso, vários articulistas da mídia golpista afirmaram, em uníssono, que o PT deveria aprender com Rui Costa, pois perceberam que a sua entrevista enfraquece as posições do PT e da esquerda. Naturalmente, cabe às instâncias partidárias reafirmar suas posições frente a dissensos tão profundos, os quais o governador preferiu expor numa revista notoriamente antipetista.
Wagner deveria se perguntar o quanto são descabidas as declarações de Rui Costa, mas prefere não fazer. Saca um argumento de autoridade, “nunca vi Executiva fazer nota daquele tamanho para repreender ou atacar um governador do maior estado governado pelo PT”. Em primeiro lugar, não é verdade que o partido nunca tenha lançado outras notas que contrariassem declarações de importantes figuras públicas. Em segundo lugar, há um problema de concepção embutido na declaração do senador, como se as instâncias partidárias não tivessem o direito em se defender quando as suas posições e decisões são confrontadas por aqueles que tem mandato.
É uma lógica que compreende que o curso do partido deve ser determinado por aqueles que participam da institucionalidade por meio de mandatos e governos. É um erro grave. Esse entendimento vai no sentido oposto da concepção de um partido dirigente e democrático. Deste modo, não devemos abrir mão de que o partido por meio de suas instâncias tenha a sua condição dirigente assegurada, assim como de defender e sustentar a sua linha política e de não estar submetido ou constrangido a nenhum mandato ou governo, até porque estes foram eleitos pelo acúmulo partidário e não pessoal.
Aliás, o que deve ser compreendido no episódio, é justamente o contrário: porque um governador, do nosso partido, apresenta opiniões tão divergentes em relação àquelas que defendemos. E se isso acontece, cabe ao partido reafirmar suas posições sobre temas que lhe são caros, e não olhar para o lado e fingir que nada aconteceu, ainda mais quando, como no caso em questão, a entrevista é instrumentalizada pela direita para nos atacar.
Mas talvez Jaques Wagner prefira não se questionar sobre as declarações de Rui Costa porque guarde a mesma opinião em alguns temas. Pelo menos, em um deles, admitiu: “Já passou, esquece. Eu, na época, defendi que não precisava ser do PT, mas o amigo (Ciro) disse que Lula era ladrão mesmo, então não vou ficar falando de quem me maltrata. O jornalista não mentiu, mas deu atenção ao que deu polêmica“. O agravante, no caso de Rui Costa, é que ele continua achando isso hoje, de que Ciro deveria ter sido o candidato a presidente apoiado pelo PT, mesmo depois de todos os ataques desferidos por ele ao partido e a inúmeras de nossas lideranças, fazendo coro com os piores discursos da direita.
Jaques Wagner deveria se perguntar ainda mais: onde o governador quer chegar quando adota posições tão divergentes as do partido? Poderia dar um passo além e se questionar: qual a relação destas posições com algumas medidas que vem sendo adotadas no governo do Estado da Bahia, como a terceirização na educação? Qual a relação destas posições com o episódio em que o governador convidou Bolsonaro para a inauguração do aeroporto em Vitória da Conquista, e acabou dando palco ao cavernícola para declarações de cunho fascista enquanto era excluído da festa? Que tipo de oposição Rui Costa compreende que devemos fazer à extrema-direita? O governador vem tomando, em vários temas, opiniões e posições que entram em conflito com a linha política adotada pelo partido. Esses sinais deveriam ligar um sinal de alerta, sob pena de ficar tarde para fazer correções de rumo.
*Marcos Jakoby é militante petista.