A deusa da sabedoria gosta do Haddad

Por Valter Pomar (*)

Como já disse noutro momento, não sei quem é a pessoa que escreveu o texto ao final reproduzido.

Pode ser que seus pais fossem gregos ou filo.

Pode ser que seja um nome de guerra, de alguém que se crê “a deusa da sabedoria”.

Seja como for, o texto abaixo carece da qualidade citada acima.

A primeira parte do texto é, digamos assim, regular: descreve em parte a armadilha em que caímos, sem descrever como caímos nela. Seu maior defeito é dizer que “o governo está muito ciente dos imensos desafios de governabilidade”. Está não. O governo está atônito, porque acreditou no conto da carochinha.

Já a segunda parte do texto é abaixo da média. Começa dizendo assim: “a militância de esquerda de verdade e o campo progressista mais amplo não têm a dimensão do que enfrentamos e prefere atacar o governo a fazer frente a quem de fato nos sabota e põe em risco este frágil momento de respiro da democracia. Ou cai a ficha de que precisamos dar sustentação ao governo e não é hora de sabotagem de cirandeiro, ou o cerco extremista vai reocupar o lugar que perdeu em 2022”.

Vamos por partes.

Não é sério dizer que “o governo” está “muito ciente de tudo”, enquanto “a militância de esquerda de verdade e o campo progressista não têm a dimensão do que enfrentamos”.

“O governo” é muita gente, tem até bolsonaristas-em-recesso-temporário. Dado o contexto, é provável que a deusa da sabedoria tenha querido se referir a Haddad. Seja como for, não é correto contrapor um governo “muito ciente” e uma esquerda sem ciência. Até porque é do PT (parte majoritária da esquerda citada) que tem vindo seguidos alertas de que, do jeito que vamos, vamos terminal mal.

Também não é verdade que a esquerda e o campo progressista “prefere atacar o governo a fazer frente a quem de fato nos sabota”. A atitude da maior parte da esquerda e do campo progressista tem sido a de defender o governo, mesmo onde isso exige um grande malabarismo. O problema é que Palas Athena acha que governo = Haddaad; e toma toda crítica à política de Haddad, como se fosse uma crítica ao governo como  um todo.

E o fato é que, com essa política econômica, o governo não tem muita margem de manobra. E sem margem de manobra, dependemos de fatos extraordinários para não terminarmos mal na fita.

A deusa da sabedoria diz que “infelizmente, já há recuos do Judiciário que, após o 8 de janeiro de 2023, apareceu com mais ímpeto de barrar o extremismo bozofascista”. Não sei qual a surpresa há nisto. A verdade é que, depois do 8 de janeiro, ao invés de convocar a população a se manifestar, o governo e a esquerda depositaram todas suas esperanças nas instituições. E as instituições, pressionadas pela extrema-direita e não pressionadas como-se-deve pela esquerda, estão começando a entregar o que estava na cara que entregariam.

Sobre este detalhe, aliás, a deusa Palas Athena não fala nada: como vamos sair das armadilhas da governabilidade? Por dentro, via acordos e concessões? Ou também por fora, via pressão popular?

A verdade é que a deusa não parece gostar muito de pressão popular. Chega a dizer o seguinte: “Para piorar, há uma parte do campo progressista apostando na volta dos ovos da serpente de 2013.  O sindicalismo de ocasião que hoje aposta na radicalidade da greve dos servidores públicos e professores universitários está em plena campanha para que estudantes saiam às ruas contra o governo. Querem reeditar as jornadas de junho de 2013, apregoando que o governo “traiu” a educação e balelas afins”.

Bom, certamente deve ter em algum lugar gente que queira fazer isso que Palas Athena está dizendo. Mas não é essa posição da imensa maioria dos professores e técnicos administrativos em greve. A deusa nos (sou professor e estou em greve) atribui um desejo que não é nosso. Como ela própria admite, nossas reinvindicações tem “legitimidade”. E se há alguém que, nas últimas semanas, radicalizou, é o representante do governo nas negociações, não o movimento.

Aí eu pergunto: a quem serve passar a falsa imagem de que o movimento é hegemonizado pelo PSTU?

Aproveito para perguntar, também, o mesmo que já perguntei para outras pessoas: porque policiais federais e policiais rodoviários federais merecem melhor tratamento do que professores e técnico administrativos?

A esse respeito, além de pouco sábia, a deusa é um pouco canalha. Vejam a frase: “há interesses escusos de (…) de atribuir ao atual governo a responsabilidade pelas consequências da inação desses mesmos servidores, que assistiam passivos seus direitos serem destruídos depois do golpe de 2016”.

Quer dizer então que a culpa pela “granada no bolso dos servidores” foi dos próprios servidores?

Não sei em que país vive, nem sei onde trabalha a deusa. Eu trabalho numa universidade pública desde 2015. E não é correto dizer que os servidores assistiram “passivos seus direitos serem destruídos depois do golpe de 2016”. Houve muita reação, houve muita mobilização. Foi suficiente? Claro que não? Poderíamos ter feito mais? Claro que sim? As entidades que dirigiam os movimentos de servidores cometeram erros gravíssimos? Sim, cometeram. Mas nada disso autoriza a dizer que os servidores assistiram “passivos”.

A deusa não para aí: diz que “esses oportunistas querem que a vítima – o PT foi golpeado em 2016, Lula foi perseguido e preso – pague pelos crimes de seus algozes”. Do mesmo jeito que não sei quem é Palas Athena, não sei quem são os “oportunistas” de que fala o texto? Será os que defenderam virar a página do golpe? Será os que se opuseram a campanha Fora Bolsonaro? Será o PSTU? Não sei. O que sei é que a “vítima” do golpe de 2016 foi o povo brasileiro.

Esta loucura de dizer que a vítima foi apenas ou principalmente o PT e Lula gera um desvio político gravíssimo, que aparece no texto de Palas Athena: o de que nós, PT e Lula, podemos fazer qualquer coisa, que estaremos sempre no lugar certo da história. Isso simplesmente não é verdade. Aliás, é curioso que Palas Athena não fale nada de Dilma. Revelador, eu diria, acerca da autoria do texto.

Para finalizar, concordo com a deusa no seguinte: estamos correndo sério risco. Mas o risco é potencializado pela atitude recuada, medrosa, medíocre, de muita gente (no governo, no PT e noutros cantos) que acham que a melhor defesa é o recuo.

Talvez isto explique alguns dos motivos pelos quais a deusa gosta do ministro.

Mas a melhor defesa, neste momento, não é o recuo. Ou mudamos esta política econômica, ou mudamos a composição e a atitude do ministério, ou mudamos a ação da esquerda como um todo, ou o governo trata melhor os amigos e pior os inimigos, ou vamos nos arrebentar.

E afinal, quem é Erin Carter, digo, Palas Athena?

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT


Segue o texto criticado:

“NÃO DIGAM QUE NÃO FORAM AVISADOS

Fernando Haddad deu uma entrevista ótima para Mônica Bergamo, na fossa de s.paulo.

Haddad fez uma análise muito lúcida e certeira sobre a atual conjuntura: o parlamentarismo sem ônus do Congresso; a falta de responsabilidade fiscal do poder legislativo, que exige déficit zero, mas vota matérias que oneram o orçamento em bilhões; o jogo sujo da extrema-direita que usa armas incompatíveis com a legalidade e a democracia; a necessidade de o governo combater a desinformação, as fake news, ter uma comunicação digital; o alerta de que a extrema-direita está fortalecida e não sumirá no horizonte, vai durar longos invernos, entre outras questões.

Percebe-se que o governo está muito ciente dos imensos desafios de governabilidade, principalmente com um Congresso parasitário, golpista, que rompeu com a Constituição, assumindo um poder acima do Executivo e do Judiciário, sem ter limites ou mecanismos de responsabilidade por essas transgressões.

É um assalto aos outros dois poderes, que vivem com o pescoço na guilhotina de PECs arbitrárias que legitimam um poder ilegítimo, sem o aval das urnas (ninguém votou para haver parlamentarismo no Brasil e/ou arthur lira ou rodrigo pacheco se assumirem como primeiro-ministros).

O parlamentarismo que arthur lira e rodrigo pacheco instauraram, ursurpando funções do Executivo, como a prerrogativa de determinar a divisão do orçamento da União e a destinação de verbas, é um crime.

O Executivo não tem a contrapartida de poder de desfazer o parlamento, como ocorre em países que têm regime parlamentarista.

E o STF, que seria a instância a, nesse caso, frear essa superpoder legislativo, vive sob a ameaça de impeachment de ministros, de diminuição de seus poderes, num claro golpe parlamentar.

O pior é que essa disfuncionalidade entre os poderes é tratada somente como erro do governo ou falta de habilidade política, quando  deveria ser denunciado e cobrado esse abuso de poder do Congresso.

Também a militância de esquerda de verdade e o campo progressista mais amplo não têm a dimensão do que enfrentamos e prefere atacar o governo a fazer frente a quem de fato nos sabota e põe em risco este frágil momento de respiro da democracia.

Ou cai a ficha de que precisamos dar sustentação ao governo e não é hora de sabotagem de cirandeiro, ou o cerco extremista vai reocupar o lugar que perdeu em 2022.

Infelizmente, já há recuos do Judiciário que, após o 8 de janeiro de 2023, apareceu com mais ímpeto de barrar o extremismo bozofascista. Ministros do STF e  jornalistas  já se esqueceram do que viveram no governo passado e agem como se estivessem a salvo de nova investida da extrema-direita bozofascista.

Para piorar, há uma parte do campo progressista apostando na volta dos ovos da serpente de 2013.  O sindicalismo de ocasião que hoje aposta na radicalidade da greve dos servidores públicos e professores universitários está em plena campanha para que estudantes saiam às ruas contra o governo.

Querem reeditar as jornadas de junho de 2013, apregoando que o governo “traiu” a educação e balelas afins.

Em que pese a legitimidade das reivindicações dos grevistas, a aposta nessa radicalidade demonstra que há interesses escusos de quem comanda o movimento e adere a esse discurso de igualar o governo Lula com o do genocida, de atribuir ao atual governo a responsabilidade pelas consequências da inação desses mesmos servidores, que assistiam passivos seus direitos serem destruídos depois do golpe de 2016.

Esses oportunistas querem que a vítima – o PT foi golpeado em 2016, Lula foi perseguido e preso – pague pelos crimes de seus algozes.

Isso é indefensável e cria o ambiente mais do que fértil para que velhos e novos ovos da serpente do bozofascismo eclodam, unindo-se aos monstros da extrema-direita que nos ameaçam por aí.

Não estamos nas duas primeiras décadas do século XXI, em que a conjuntura nacional e internacional ainda não tinha visto o nazifascismo assumir de novo o poder, com a força das big techs para captar o apoio das massas.

Volto a repetir: ou cai a ficha de que precisamos ser mais pragmáticos em relação a nossa força, ou seremos engolidos por esse extremismo.”

Por Palas Atena

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