Por Marcos Jakoby*
Há alguns dias publiquei uma opinião acerca de um texto do professor Aldo Fornazieri (https://pagina13.org.br/aldo-fornazieri-e-o-debate-sobre-as-esquerdas/) que ensejou alguns comentários e críticas, de onde surgiu uma questão que me chamou a atenção: os assalariados já não formariam a maioria da população trabalhadora. Os trabalhadores em outros tipos de relações estariam em maior número.
Uma das observações levantadas ressalta que devemos partir do universo dos 170 milhões da População em Idade Ativa (PIA) para dimensionarmos a classe trabalhadora assalariada. Entretanto, segundo o IBGE a População Economicamente Ativa (PEA) é de cerca 105 milhões. Quem são esses 65 milhões que perfazem a diferença entre as duas populações?
- adolescentes e jovens– o IBGE considera a idade mínima de 14 anos para estar em idade ativa. Entretanto, milhares de adolescentes e jovens estão estudando, seja no ensino básico ou no superior, e por isso não buscam emprego. Lembremos que o ensino básico prevê frequência obrigatória até os 17 anos;
- aposentados – o IBGE considera idade ativa até os 65 anos, mas aposentadoria média se dá aos 58 anos no Brasil;
- pessoas que não buscam ocupação – trabalhadores, ou não, que fazem parte de uma família que tem uma renda que permitam a essas pessoas não precisarem buscar emprego.
Observem que nas três situações teremos pessoas ligadas ao trabalho assalariado: crianças e adolescentes que fazem parte da família de assalariados, trabalhadores assalariados aposentados e pessoas que tem na família alguém com uma renda razoável, muitas vezes algum trabalhador assalariado de maior renda.
Mesmo assim, o mais razoável é usar como parâmetro a PEA, que soma as pessoas com ocupação e que estão buscando uma ocupação, e não simplesmente a que considera as pessoas em idade ativa. Muitos podem usar o argumento de que somente 33 milhões de trabalhadores (num universo de 105 milhões) tem carteira assinada para analisar os assalariados no país. Esse foi um dos argumentos relacionados para deduzir que estes não formariam a maioria da população economicamente ativa.
Recorremos à uma ilustração histórica para demonstrar o risco de ficarmos presos à essa formalidade jurídica: a carteira de trabalho surgiu em 1932, antes os trabalhadores estavam na “informalidade”. Isso quer dizer que não existia classe trabalhadora assalariada? Claro que não. Aliás, a própria carteira e a garantia do registro da sua vida profissional, como instrumento de buscar assegurar direitos, foi uma luta dos trabalhadores nas primeiras décadas do século XX. Por isso, usar o trabalho com carteira assinada como único critério para reconhecer um trabalho assalariado é, em minha opinião, inadequado.
O trabalho assalariado é a relação de trabalho caracterizada pela troca da força de trabalho por salário, condição imposta ao trabalhador uma vez que ele não conta com meios de produção e instrumentos de trabalho próprios. Isso vale nas relações protegidas por um contrato jurídico ou não.
Aliás, se pegarmos o mês de março de 2019 como referência, os números indicam uma queda, em 12 meses, de 0,7 % nos empregos com carteira assinada e um aumento de 4,3% nos empregos sem carteira assinada. Já o rendimento médio do empregado no setor privado com carteira de trabalho assinada é de 2.165 enquanto o empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada é de 1.350. Ou seja, muitos trabalhadores perderam o emprego com carteira assinado e passaram para um emprego sem, onde o salário é bem menor.
Para termos uma ideia do quadro todo, vale a penar conferirmos os números abaixo, publicados em abril deste ano e que tem como fonte o IBGE:
População Economicamente Ativa | 105 milhões |
Desempregadas | 13 milhões |
População Ocupada | 92 milhões |
Empregado no setor privado com carteira de trabalho assinada | 33 milhões |
Empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada | 11 milhões |
Trabalhador doméstico | 6 milhões |
Empregado no Setor Público | 11 milhões |
Conta própria | 24 milhões |
Empregador | 4 milhões |
Sem categoria de ocupação | 3 milhões |
Fonte: http://fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/emprego-e-renda/2019/ie-pnadc-marco-2019.pdf
Trocando em miúdos, somando-se empregados com carteira assinada + empregados sem carteira assinada + empregados do setor público + trabalhador doméstico (que a rigor, é assalariado) você terá uma ampla maioria, entre os ocupados, de trabalhadores assalariados. Se somarmos também os desocupados (formando a População Economicamente Ativa) ainda seria maioria e há que se considerar que entre os desempregados a maioria já foi assalariada e está em busca de um trabalho assalariado. Por fim, muitos dos que trabalham por “conta própria” o fazem por não terem alternativa de um emprego assalariado.
Portanto, espero que estes números ajudem a evidenciar que a maioria da população trabalhadora é formada por assalariados. E os assalariados, os trabalhadores domésticos e os trabalhadores por “conta própria”, que inclui trabalhadores pequenos proprietários e familiares, perfilam a esmagadora maioria da população. Essas fronteiras são flexíveis, mas de qualquer modo são as relações capitalistas, de trabalho assalariado, que dão a dinâmica da sociedade brasileira. E que a contradição fundamental se dá entre capital e trabalho.
*Marcos Jakoby é professor e militante petista