A entrevista de Haddad

Por Valter Pomar (*)

Primeiro foi uma pesquisa, segundo a qual a avaliação positiva de Haddad – entre os “agentes do mercado financeiro” – teria pulado de 10% para 65%.

Depois foi o Lula, dizendo ao Jornal da Record que “com todo respeito ao mercado financeiro, mais conhecido como o povo da Faria Lima, mas ele nunca gostou ou votou no PT, nunca gostou ou votou no Haddad e não vai votar”.

E agora foi a vez da Folha de S.Paulo publicar, no dia 17 de julho, uma entrevista de Fernando Haddad à jornalista Monica Bergamo.

A entrevista começou com a seguinte pergunta: “Quem mudou? O senhor ou eles?”

A resposta de Haddad foi dizer que o Brasil é um país truculento, que a sociedade brasileira é violenta, que a classe dominante sempre resistiu a formação de uma classe dirigente plural e que o bolsonarismo foi, “de certa forma”, uma reação à mudanças importantes ocorridas no último período.

A  entrevistadora, apontando que,da parte do setor financeiro, no momento não não tensão, apenas elogios, perguntou: “A reforma foi pró-mercado?”

Haddad respondeu que “estamos procurando achar uma linha fina” e que “há coisas que são boas para todo mundo, inclusive para o mercado”. E arremata dizendo que “os de baixo ganharem um pouco mais não significa os de cima perderem”.

A entrevistadora lembrou então ser remota a chance de repetir, agora, o crescimento verificado nos anteriores governos de Lula, “quando todos podiam ganhar de fato”.

Haddad respondeu que o Brasil “deve e pode crescer mais”. E acrescentou que a reforma tributária será essencial para isso, com um “impacto” em termos de “eficiência econômica” da mesma proporção que o Plano Real. Disse, ainda, que que os investidores não vão esperar a reforma tributária estar plenamente implantada, vão investir já.

Perguntado sobre a segunda parte da reforma tributária, Haddad respondeu ser de “centro-esquerda”, afirmou que haverá resistência, que vai divulgar os dados, criticou diversos absurdos, lembrou que certas medidas não podem ser feitas de maneira atabalhoada, que não vamos ter pressa, mas que também não vai demorar muito, pois já tem muitos estudos.

Perguntado sobre a informação – do próprio Tesouro nacional – segundo a qual cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024 vai exigir arrecadação adicional de 162 bilhões de reais e contingenciamento de despesas de 56 bilhões de reais, Haddad disse que alguns dados estão superestimados, mas que o desafio é mesmo grande, embora considere possível de cumprir, até porque tem uma banda de 5 bilhões.

Perguntado se não haverá aumento de impostos, Haddad responde que está corrigindo as distorções absurdas do sistema tributário, além de promover a despatrimonialização e republicanização do Estado.

Falou, também, que o crescimento “depende mais” do Banco Central, que está atrasado mas um dia acorda. Afirma que a taxa real de juros triplicou em relação ao passado recente, acusando – com palavras cuidadosamente medidas – o Campos Neto de ter um viés. Mas que – fato positivo – chegamos num ponto em que a discussão é “quanto vai baixar”.

Resumo feito, alguns comentários.

1/o custo da política de juros é brutal. Segundo informa o DIEESE, “entre janeiro e abril de 2023, o governo federal gastou R$ 228 bilhões para pagamento de juros da dívida pública. O valor é 48% mais alto do que o relativo ao primeiro quadrimestre do ano passado, de R$ 154 bilhões. Trata-se da segunda maior despesa do governo federal, atrás apenas dos gastos com a Previdência Social. No entanto, como não é classificada como ‘despesa primária’, sobre ela não há imposição de limite algum”;.

2/por isso, não basta baixar, tem que baixar muito e rapidamente, o que é bastante improvável de acontecer enquanto Bob Fields Neto continuar na presidência do Banco Central;

3/o governo deve orientar seus representantes no Conselho Monetário Nacional a atuar conforme prevê a lei complementar número 179, de 24 de fevereiro de 2021, que no seu artigo 5º diz o seguinte: “O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados pelo Presidente da República (…) quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”;

4/a demissão do presidente do Banco Central e a mudança da política de juros é muito importante, mas não é suficiente. O país pode e deve ter juros baixos – com diversos efeitos positivos sobre emprego e renda. Mas se queremos ir além do que já fizemos, é preciso alterações no plano da riqueza, da propriedade e do padrão de desenvolvimento;

4/fazer isso implica em chocar com o capital financeiro e com o agronegócio. A centro-esquerda está disposta a fazer isso? Ou seu limite é a política social-liberal?

5/A Faria Lima tem uma opinião a respeito. Como disse Lula, ela “nunca gostou ou votou no PT, nunca gostou ou votou no Haddad e não vai votar”. Mas gosta de coisas que parecem boas para todo mundo, mas são boas principalmente para o mercado, como é o caso do Plano Real.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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