Por Lucas Arieh (*)
O jornalista Luis Nassif comentou[1] recentemente interessante artigo de um “estrategista global e analista econômico” que preside a Rockfeller International. A fundação carrega o nome de um dos magnatas responsáveis por disseminar a ideia de que a economia deveria ser regida pelo darwinismo social. Nada perto de alguém de esquerda.
Segundo o texto, os EUA estariam próximos de mais uma bolha financeira, desta vez relacionada a dois motivos:
1.A política econômica de Trump tende a aumentar o valor do dólar, já que o Banco Central, pela inflação de custos (a tarifa de importação contra a China deve encarecer os produtos internos), e deve aumentar os juros da dívida, atraindo rentistas de todo o mundo.
2.As isenções tributárias para super-ricos, que Trump levará a cabo, tornam a internalização de dólares um ganha-ganha para os grandes capitalistas.
Os efeitos disso para o dólar e o mundo das finanças já podem ser sentidos.
De um lado, a disparidade entre a economia real e a economia financeirizada já alcança um desequilíbrio de 43% (27% de participação dos EUA na economia global, contra 70% de participação do Império nos índices acionários).
De outro, a moeda ianque atingiu a máxima nominal, só perdendo, em termos proporcionais, para o ataque especulativo contra o real ocorrido pouco antes da primeira vitória de Lula, em 2002.
Quer dizer, há, na recente subida do dólar, um componente externo, baseado na previsão de médio prazo a respeito dos rumos da economia norte-americana e na agitação especuladora que tende a inflar a bolha financeira; e um interno, decorrente dos vieses e das táticas que o capital financeiro emprega na disputa pelo fundo público, uma questão de natureza eminentemente política.
Entendamos melhor.
Especuladores não têm compromisso necessariamente com os fundamentos da macroeconomia – que, no Brasil, andam melhores, com a alta do investimento, inclusive industrial, e do consumo puxando o crescimento do PIB para algo em torno de 3-3,5% nos últimos anos -, uma vez que parte expressiva de seus ganhos vêm de manobras financeiras dissociadas da esfera produtiva e do quanto conseguem abocanhar do orçamento público.
Isso diz muito sobre o sentido da ação social desses agentes das frações financeira e bancária (não raramente mescladas) do grande capital. A despeito dos resultados realmente existentes, a eles interessa exclusivamente disputar e, principalmente, embolsar os recursos à disposição da sociedade, em especial na arena que, para eles, é a garantia tranquila de seus obscenos lucros, o fundo público, que se transforma em juros da dívida pública. Para expressar o tamanho desse butim, suficiente mostrar dois dados.
Recente aumento de lucro dos grandes bancos internos – concentrado entre Itaú, Bradesco e Santander, com BTG chegando próximo desse pelotão – na esteira de “aumento das tarifas bancárias” em 8%, “mais que o dobro da inflação do período (3,88%, segundo o IBGE)”[2], cumulado com prognóstico de crescimento de 14,2% do Ibovespa em 2025.
O objetivo de fundo dos operadores do capital financeiro é muito claro: se há recursos à disposição do Estado, estes devem ser desviados para as grandes empresas, de onde retiram, como parasitas da atividade produtiva, seus lucros improdutivos. Trata-se, de forma simplificada, de um cabo de guerra: havendo mais para a Faria Lima, menos restará para suprir necessidades do povo, a única base social que devemos e temos condições de disputar.
Para lograr êxito, um dos instrumentos que a fração hegemônica do capital utiliza – nesse mundo de cambio flutuante, desprotegido de ataques especulativos – é a chantagem do dólar. Sempre que uma medida à esquerda, por mais tímida que seja, é divulgada, os emissários do baronato dão o recado: “o dólar vai explodir”. Não é à toa que, apesar dos cortes no social propostos equivocadamente por Haddad, o “mercado” entrou em parafuso com a notícia de que seus beneficiários podem, ainda que remotamente, ser obrigados a pagar uma alíquota efetiva de 10% no IRPF.
Não se deve subestimar a elevação do dólar, por prejudicial aos preços internos dada a desmedida dependência de nosso país, em especial de bens de capital. Mas o Banco Central possui atribuição para intervir no mercado cambial, como fez mais de uma centena de vezes durante o governo do genocida, impedindo excessivo aumento inflacionário.
Mas a subida em si da moeda hegemônica não deve causar desespero se a ação política decorrer de uma análise concreta da situação e dos motivos que orientam a ação social dos agentes financeiros.
A ideia de que o “mercado” é “neutro” – que a teoria sociológica do mundo financeiro há tempos entende como orientada por vieses formativos (por ex., preconceitos contra qualquer política induzida pelo Estado), e não por pura racionalidade, e a pura e simples disputa para manter e ampliar privilégios incompatíveis com qualquer regra de merecimento – cai por terra com dados como a comparação entre as estimativas do mercado financeiro de crescimento do PIB brasileiro e o PIB efetivo.
Eventual subida do dólar, ferramenta de permanente chantagem do “mercado” contra governos populares, deve ser contraposta com políticas nossas para combater ataques especulativos e seus efeitos e com medidas progressivas que, a um só tempo, reconquistem o povo brasileiro para um projeto em prol das maiorias que vivem do trabalho, como investimentos em bens coletivos que melhorem o bem-estar da sociedade (desde a reestatização da Eletrobras, com redução de preços da energia, até a criação de metas sociais como a construção de moradias em áreas centrais para acabar com o déficit habitacional), e ataquem os privilégios dos endinheirados, como as políticas de isenção ou desoneração fiscal.
É falso que não exista alternativa, por difícil a correlação de forças, que não a rendição às incessantes demandas do poderosos da Faria Lima. Em correlação de forças ruim, deve prevalecer a ousadia. Afinal, ficar na defensiva tomando porrada sempre cobra um custo caro no último round.
Em paralelo, no cenário internacional, para superar as armadilhas do capital que se ancora no poder da moeda estadunidense, o Brasil tem de começar a operar um giro concreto em busca de alternativas ao dólar, dobrando a aposta no fortalecimento dos BRICS, desenhar uma arrojada pauta de investimentos estruturantes a ser apresentada a potenciais financiadores membros. Isso sem afastar parceiros do projeto anti-imperialista, como o país-irmão da Venezuela, gravemente ferido com as sanções criminosas dos EUA e da Europa (resultando em perdas de inacreditáveis mais de U$ 600bi), mas que vem se recuperando fortemente nos últimos anos, graças a parcerias, principalmente com China e Rússia, e obrigatório processo de substituição de importações.
É preciso arrojamento num momento histórico em que estávamos (ou estamos?) a um passo do golpe fascista, que pode vir ao menor sinal de uma conjuntura mais favorável que a de 2022-2023. O recente vídeo institucional da Marinha que ri na cara da autoridade política, chamando a todos nós civis de vagabundos, é uma advertência de que devemos ter pressa para corrigir os rumos da ação política do governo do presidente Lula. E caberá à esquerda do único partido que possui identidade com a classe capitanear o papel da crítica interna e externa, mas sem autofagia.
(*) Lucas Arieh é militante do PT, membro da DEAE/RN, advogado (UFRN) e mestre em direito penal e criminologia (USP).
[1] https://jornalggn.com.br/coluna-economica/o-mundo-aguardando-a-mae-de-todas-as-bolhas-por-luis-nassif/
[2] https://monitormercantil.com.br/lucros-do-setor-financeiro-em-alta-bancos-sem-origem-no-varejo-se-destacam/