Por Lucas Rafael Chianello (*)
A série de Opera Mundi Pensar a História recorda da restauração violenta do capitalismo na Rússia após o fim da União Soviética: em 4 de outubro de 1993, Boris Yeltsin ordenou o bombardeio do Soviete Supremo, o principal órgão legislativo do país, que se opunha às reformas econômicas da glasnost e da perestroika iniciadas por Mikhail Gorbachov.
Deputados que lutaram contra o bombardeio do Soviete Supremo foram mortos, outros, presos, e, com isso, o dia 4 de outubro de 1993 sacramentou o fim da União Soviética, ocorrido em 26 de dezembro de 1991.
Considerando que a Revolução Russa se iniciou no dia 7 de novembro de 1917, até o dia 26 de dezembro de 1991, temos 74 anos, um mês e 19 dias.
No dia 9 de setembro de 1948, Kim Il-sung proclamava a fundação da República Popular Democrática da Coreia.
No dia 1º de outubro de 1949, Mao Tsé-Tung proclamava a fundação da República Popular da China.
Ambos os países foram fundados e existem até hoje enquanto regimes socialistas.
A península coreana, ainda unificada, foi ocupada pelo Japão em 1910 e subsistiu enquanto colônia de uma dominação extremamente violenta até 1945, no final da II Guerra Mundial, quando o colonizador japonês sucumbiu com os demais países do Eixo (Alemanha nazista e Itália fascista).
Em 1950, advém a Guerra da Coreia, tecnicamente existente até os dias atuais, com os combates armados suspensos pelo armistício de 1953 que divide, então, as Coreias pelo Paralelo 38.
O Norte se funda enquanto socialista através da propriedade estatal dos meios de produção e um sistema representativo no qual os deputados da Assembleia Nacional são eleitos pelas províncias e, por sua vez, a Assembleia Nacional eleita designa o seu presidente, o primeiro-ministro e o chefe do comitê de assuntos militares, cargo atualmente exercido por Kim Jong-un.
Com a queda da União Soviética, o Norte desenvolve seu programa nuclear para se contrapor à tentativa de novas investidas militares dos Estados Unidos e, desde sempre, vive sob a tensão de testes de lançamentos de mísseis em meio a exercícios militares de provocação praticados em conjunto pelo Sul e pelos EUA.
Já a China, humilhada nas chamadas Guerras do Ópio, se torna república em 1911 e tem o território da Manchúria ocupado, também pelo Japão, em 19 de setembro de 1931.
Os comunistas liderados por Mao Tsé-Tung, então organizados nos grandes centros, passam a ser perseguidos e organizam-se nos campos do país.
Uma trégua com o Kuomitang, os nacionalistas, é anunciada durante o contexto da II Guerra Mundial, com o fim de resistir à ocupação japonesa, e, terminada a II Guerra, os comunistas declaram a revolução vitoriosa em 1949.
Depois da morte de Mao, em 1976, o país, agora liderado por Deng Xiaoping, promove reformas econômicas que, digamos, relaxa a rigidez das propriedades estatais e coletivas sobre os meios de produção, o que fica conhecido como “economia socialista de mercado”.
Durante a queda da União Soviética, tropas militares, alinhadas à chamada “linha dura” do regime, ocupam a Praça Tiananmen – Praça da Paz Celestial, e evitam uma mudança de regime.
Hoje, o país vive uma revolução tecnológica sem precedentes e muitos já consideram sua economia maior que a dos próprios Estados Unidos.
Fronteiriço com a Índia e com praticamente o mesmo número de habitantes, oferta duas vezes mais alimentos à sua população que o vizinho à população dele, enquanto o presidente Xi Jinping anunciou, no início da pandemia da covid-19, a erradicação da pobreza extrema no país.
Ainda, a China anunciou recentemente que esteve com uma sonda no chamado lado escuro da Lua, do qual colheu amostras para análise científica.
Para nós do outro lado do mundo, a visão eurocêntrica sobre a história, somada ao fim da União Soviética e os demais regimes socialistas do leste europeu, levou setores da própria esquerda a repetirem o mantra de que “o socialismo não deu certo”.
Sem prejuízo de uma análise mais pormenorizada do que foram as revoluções coreana e chinesa (o autor deste artigo não é historiador), bem como sem deixarmos de recordar que a própria Revolução Cubana sobreviveu à glasnost, à perestroika e ao chamado período especial dos anos 1990, a longevidade do socialismo na China e na Coreia do Norte já não mais autorizam o discurso de que o socialismo é algo ultrapassado.
Muito pelo contrário: mostram que, mesmo com a queda da União Soviética, sobreviveram à luta anti-imperialista aqueles regimes que foram em direção à construção de um novo mundo sob poder político da classe trabalhadora.
A União Soviética perdurou por 74 anos, um mês e 19 dias.
A Coreia do Norte, em 9 de setembro de 2023, e a China, em 1° de outubro de 2024, já ultrapassaram a marca de 75 anos, ou três quartos de século, sob regimes socialistas.
Óbvio que falar em transição socialista não é fácil, pois, como certa vez disse Fidel Castro no Estádio Nacional do Chile, numa visita ao país antes do golpe pinochetista de 1973, “as classes dominantes jamais aceitarão de forma resignada as conquistas das classes dominadas”.
Ainda sim, o maior ensinamento das experiências socialistas chinesa e coreana é que, nos dias atuais, a hegemonia do capital que gera guerras, genocídios, fome e desabrigo dificilmente teria um contraponto se tais experiências tivessem aberto mão do socialismo como tipo de sociedade a ser construída.
Tais experiências são longevas porque, acima de tudo, são revolucionárias.
(*) Lucas Rafael Chianello é filiado ao PT de Poços de Caldas, organizado na AEMG.