Por Ana Flávia Lira (*)
Comunidade universitária se manifesta em frente a Ufersa. Reprodução: SINTEST/RN.
Auxílio inclusão digital baixo e com valor abaixo do valor de mercado. Ausência de auxílio digital para os estudantes do Ensino à Distância (EaD). Bolsas de pesquisa sem reajuste. Bolsas de extensão sem reajuste. Bolsas e auxílios da assistência estudantil sem reajuste e sendo cortadas. Bolsas e auxílios da assistência estudantil que não abarcam todos os estudantes da classe trabalhadora. Monitorias sem reajustes. Residências universitárias com problemas de estrutura e manutenção. Comida ruim no Restaurante Universitário. Ausência de espaços para descanso dos estudantes. Altos índices de evasão. Alto índice de estudantes irregulares. Professores autoritários e sem limites. Denúncias que não tem um encaminhamento adequado pela universidade…
Esses são alguns dos problemas diários que enfrentamos em nossas universidades e institutos federais. São problemas diários e históricos, é importante frisar. Não são problemas que começaram com as intervenções de Bolsonaro nas instituições, tampouco serão problemas que terminarão com o fim destas. Você, estudante que lê esse registro, sabe do que estou falando. E é natural que, de forma prática, você me questione: então por que diabos eu vou gastar minhas energias na luta pela posse dos reitores eleitos se esses problemas continuarão existindo mesmo com a posse deles? Não é melhor e mais oportuno tentar terminar a minha faculdade e me formar para adentrar no mercado de trabalho, afinal, não é esse o principal motivo pelo qual estamos aqui?
A resposta, caro estudante, é não. Não é mais oportuno fazermos isto. Primeiro, porque não podemos nos contentar com as injustiças e com as coisas como elas são. Segundo, porque a luta política e organização do movimento estudantil dentro das universidades já nos rendeu muitos frutos. Exemplo disso foi a reabertura do RU na semana de provas finais na UFERSA; a conquista do auxílio inclusão digital em tempos de pandemia em diversas IFES; a criação do auxílio emergencial em outras tantas; e as lutas para minimizar os impactos sociais e pedagógicos do ensino remoto travado por alguns DCEs e Centros Acadêmicos. Ou seja, é possível, sim, transformarmos a nossa realidade.
Bolsonaro não intervém apenas para desrespeitar a decisão da comunidade acadêmica de escolher os seus gestores máximos. Bolsonaro interveio em 18 Instituições Federais de Ensino para implementar um projeto político de desmonte da educação pública, gratuita e de qualidade, no qual o controle dessas instituições tem um papel fundamental. Não à toa, as intervenções têm algumas características fundamentais: a) foram e são articuladas, na maioria dos casos, entre uma aliança das oligarquias locais com os militares – em especial das bancadas federais – e o governo; b) utilizam-se do autoritarismo, da perseguição política aos estudantes, docentes, técnicos administrativos e trabalhadores terceirizados para implementar o projeto político que estão à serviço; c) e uma política de subserviência irrestrita aos cortes orçamentários promovidos pelo atual governo, que objetivam acabar com as nossas bolsas, monitorias e com o programa interno de assistência estudantil.
Ora, na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), uma das primeiras coisas que a gestão interventora fez foi atacar as conquistas que o DCE obteve sobre a retomada do ensino remoto, tentando excluir a obrigatoriedade dos docentes deixarem as aulas gravadas, bem como a garantia de exclusão de disciplinas sem que isso resultasse em prejuízos nos nossos índices acadêmicos e constasse no nosso Histórico Escolar. Felizmente, conseguimos derrotar esse absurdo no Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão. Há pouco tempo, essa mesma universidade acabou de publicar um edital diminuindo vagas do seu programa interno de permanência. No IFRN, o interventor deposto passou meses sem pagar as bolsas dos estudantes em plena pandemia. Poderia citar aqui diversos exemplos, em diversas instituições, das atrocidades cometidas por essas gestões interventoras. São inúmeras. E, adivinhem: essas atrocidades atingem a parte mais frágil da universidade, a parte que tem menos direitos políticos formais dentro dela: os estudantes.
Vejamos, pois, que a luta pela posse dos Reitores Eleitos é um contraponto direto ao projeto em curso. Entretanto, não é a resposta suficiente para nós, estudantes. Como dito, empossar os nossos reitores não resolverá os nossos problemas. De todo modo, neste momento em que a pauta pela garantia da autonomia universitária ganha relevância no debate político, é preciso, mais do que nunca, radicalizar esse conceito para além da sua ideia liberal. Explico: a autonomia universitária, conferida através dos artigos 206 e 207 da Constituição Federal, não pode ser encarada apenas como a ideia de empossar aqueles que a comunidade acadêmica escolheu como seu gestor máximo, em respeito ao voto dela. Isso também é fundamental, haja vista que as intervenções fazem parte de um projeto de destruição. Mas discutir autonomia universitária, na atual conjuntura política, só poderá se lograr efetivo para os estudantes se articularmos esse debate com os problemas que nos assolam diariamente em nossas instituições porque, no final das contas, o que mais importa é garantirmos que nos formemos com qualidade, dignidade e respeito.
Discutir autonomia é discutir os problemas historicamente expostos. Jamais poderão, a entidade estudantil e os estudantes, se furtar de radicalizar esse debate. É preciso imprimir um programa máximo de universidade, que seja um programa à serviço do povo, que pense em uma universidade irrestrita para os trabalhadores e não para os grandes conglomerados. É preciso dizer que não queremos apenas a posse dos nossos reitores e reitoras. Queremos ir além: queremos que os conselhos superiores da universidade sejam compostos por grande representação dos estudantes, afinal não somos nós a ampla maioria da universidade? Não são estes conselhos os responsáveis por definir boa parte dos rumos das nossas instituições, dos rumos das nossas vidas nelas? Por que, se somos a maioria, o peso do nosso voto nas eleições para Reitor, Diretores de Centro, Chefias de Departamento e coordenação de curso é, na maioria dos lugares, inferior ao voto do docente ou do técnico administrativo? Será que se o nosso poder de decisão, nos espaços formais da universidade, fosse maior estaríamos diante de tantos problemas?
É preciso, nesse momento, retomar a pauta pelo voto universal! É preciso pautar, nesses tempos de atividades remotas e híbridas, que os abusos dos docentes para com os estudantes não se aprofundem ainda mais. É preciso pressionar para que as nossas denúncias feitas na ouvidoria ganhem alguma consequência prática e real. É preciso debater a situação precária das residências universitárias, que encontram-se fechadas e acumulando problemas de infraestrutura. É preciso colocar na ordem do dia a luta por auxílio digital para os estudantes do Ensino à Distância, que encontram-se desassistidos neste momento. É preciso nos antecipar sobre a retomada do ensino presencial, construindo uma pauta intensa para garantirmos um retorno seguro para todos nós. É preciso fazer tudo isso ao passo em que lutamos pela posse dos eleitos porque, assim, dialogando com os nossos problemas reais, acumulamos força na luta e, certamente, essas discussões servirão para elevar o nível de consciência e o patamar de luta dos estudantes para derrotarmos os cortes na educação e no Plano Nacional de Assistência Estudantil e para mudar as estruturas dentro das nossas universidades, que esmagam a participação política dos estudantes e da comunidade externa. Serão acúmulos, inclusive, que contribuirão para a condução de uma luta clara e coesa, que terá uma pauta sólida de reivindicações, para reivindicar dos reitores eleitos.
(*) Ana Flávia Lira é estudante de Direito na Ufersa e coordenadora geral do DCE Ufersa
(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.