A luta social no governo Lula: perspectivas e desafios do movimento sindical

Por Jandyra Uehara (*)

Texto publicado na edição de março do Jornal Página 13

A mobilização popular e sindical é essencial para a derrota do neofascismo e do neoliberalismo, que operam num processo de retroalimentação. Não derrotaremos a extrema-direita, o bolsonarismo e o neofascismo sem que nestes breves quatro anos do terceiro governo Lula a vida da classe trabalhadora melhore significativamente com a recuperação e a ampliação de direitos sociais, de salários e de empregos. Estas são as condições necessárias para vencer a extrema-direita neofascista e o bolsonarismo. No entanto, para que o programa da classe trabalhadora seja realizado, será preciso vencer os neoliberais de dentro e de fora do governo Lula. Os capitalistas do mercado financeiro, do agronegócio, do grande empresariado irão pressionar de fora para dentro e por dentro do governo para manter a política neoliberal que apoiaram (e operaram) sem restrições desde o golpe de 2016.

Para dentro, teremos as forças neoliberais e de direita que compõem o governo Lula, que também disputarão as suas pautas e suas políticas de austeridade e ajuste fiscal, retirada de direitos e de enfraquecimento das organizações da classe trabalhadora.

Mais do que nunca, o conceito de governo em disputa está vivo e pulsante e é preciso que o movimento sindical e popular atue para desequilibrar a correlação de forças a favor da classe trabalhadora.  Mas, passados dois meses desde a posse popular do presidente Lula e de uma tentativa de golpe, o que temos visto, pasmem, é o próprio Lula disputando o governo pela esquerda! O próprio presidente tem se mostrado mais crítico e propositivo do que a “ala esquerda” do governo, PT, CUT e movimentos. Estes parecem mais preocupados com a busca por espaços no governo ou absorvidos por pautas internistas. Até o momento, pouco discutem ou mostram disposição real de disputar os rumos do governo na perspectiva da luta de massas.

Para disputar os rumos do governo, sem deixar o presidente falando sozinho, temos que construir uma ampla base popular organizada na luta em movimento, forçando a democracia pelas ruas, ampliando nossa base política, social e sindical. É fundamental que a CUT tome a dianteira das lutas e mobilizações de massa nesse próximo período. O governo Lula só avançará se tiver força popular e classe trabalhadora organizada e mobilizada, o que pressupõe manter a nossa autonomia crítica e propositiva como inclusive já orientou o próprio presidente Lula.

A CUT precisa tomar posição clara e ações de organização e mobilização pela revogação dos retrocessos que foram impostos pela reforma trabalhista, a começar pela prevalência do negociado sobre o legislado, a negociação individual sobreposta à negociação coletiva; o trabalho intermitente, a eliminação ultratividade dos acordos e convenções coletivas, dentre outros. É preciso reafirmar a mobilização para apoiar a revogação da Emenda Constitucional 95, que estabelece o teto de gastos em políticas sociais, e reafirmar que CUT pressionará para que o Congresso Nacional aprove uma Reforma Tributária progressiva, que taxe as grandes fortunas, o capital especulativo, os lucros e dividendos e crie as melhores condições econômicas para que o estado amplie políticas públicas e inicie um processo de reformas estruturais. É preciso mostrar disposição de luta para revogar a Reforma da Previdência feita por Bolsonaro, que impede à maioria da população acesso ao direito à aposentadoria e aos direitos previdenciários. Que reivindicamos enterrar de vez a PEC 32, a chamada reforma administrativa, que destrói o serviço público e retira direitos dos servidores. A CUT precisa apoiar de forma incisiva a luta da CNTE contra a mercantilização da educação e a revogação da reforma do ensino médio, apoiada pela presença de setores neoliberais no Ministério da Educação. Também é urgente o encaminhamento de medidas garantindo a autonomia de organização do movimento sindical, a coibição de práticas antissindicais e a definição em instâncias democráticas próprias das normas da sua sustentação financeira. No entanto, não é hora de aprovar uma reforma sindical à toque de caixa, com a instituição de instrumentos estranhos ao movimento sindical brasileiro e pautados numa lógica de conciliação de classes.

Por outro lado, a CUT deve fortalecer e persistir na organização dos Comitês Populares de Luta, que podem se tornar instrumentos vigorosos de organização popular, determinantes para assegurar a implantação do programa vitorioso nas urnas, assim como as Brigadas Digitais na disputa das redes sociais e, principalmente, organizar a luta em torno dos direitos à saúde, moradia, educação, empregos de qualidade, salários dignos.

A ampliação dos mecanismos de participação social construídos a partir do governo federal contribuem nos processos de organização popular, mas não substituem a luta de massas. A retomada dos Conselhos, tornando-os mais democráticos e resolutivos, e das Conferências, como prática democrática e participativa da classe trabalhadora, pode ser muito importante para a disputa de rumos do governo na perspectiva de fazer avançar as políticas sociais, mas, para tanto, será preciso organizar o trabalho de base, ampliando a participação popular e fortalecendo a ação dos comitês populares de luta e a nossa articulação com os movimentos populares.

Para derrotar o neofascismo nas ruas e nas instituições, será necessário a construção de um grande sujeito social, um movimento político e social liderado pela esquerda, pelos movimentos populares, pelo movimento sindical combativo, o que pressupõe centralidade na construção da frente popular, na unidade com as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, espaço prioritário de organização das lutas unitárias por direitos e democracia.

Aos 40 anos e numa quadra decisiva na história do Brasil, a CUT pode contribuir para elevar a influência da classe trabalhadora nos destinos do Brasil. Para além dos problemas, das dificuldades, dos equívocos cometidos pela nossa Central ao longo destes 40 anos, o fato é que a CUT segue sendo o mais importante instrumento de organização sindical construído pela classe trabalhadora e esta é a razão pela qual devemos seguir disputando os seus rumos. Resgatar a combatividade da Central Única dos Trabalhadores e das Trabalhadoras na luta por direitos, trabalho e renda, ampliar a presença da CUT nos diversos segmentos da classe, fazer trabalho de base na perspectiva da disputa política e ideológica, elevar a consciência de classe, gênero e raça devem ser as nossas prioridades no próximo período.

(*) Jandyra Uehara Alves é secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT.                     

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *