Por Marcos Jakoby (*)
Após três anos de “reformas” e crescimento pífio, com viés de baixa, começamos a identificar algumas fissuras na blindagem do discurso do ultraliberalismo.
Resultado de uma estagnação econômica e de uma crise social que vem se aprofundando. Pior ainda: os indicadores não apontam para uma melhora do cenário no curto prazo: investimento (público e privado) em baixas históricas, comércio exterior com resultados ruins, indústria em queda substantiva, ociosidade do parque produtivo, desemprego e informalidade em alta, desaceleração do consumo das famílias etc.
Ademais, a projeção de crescimento do próprio “mercado” para este ano já é menor do que a prevista para o ano passado na mesma época. Muitos já admitem um crescimento em torno de 1,5%, podendo ainda ser revista para baixo, como ocorreu várias vezes no ano passado.
Segundo o oligopólio da mídia, Bolsonaro estabeleceu que Paulo Guedes teria de entregar um crescimento de pelo menos 2% este ano. O ministro da Economia disse em palestra que teria 15 semanas para alterar o cenário.
Parece evidente que não entregará.
A resposta quase padrão dos defensores do ultraliberalismo e da atual política econômica é de que são necessárias mais reformas, leia-se mais ataques aos direitos sociais e trabalhistas, mais desmantelamento dos serviços públicos, mas cortes no gasto público e mais privatizações.
Porém, à medida em que as reformas liberais vão sendo implementadas, sem a retomada do crescimento, vai-se gerando um debate de que elas não bastam. O insuspeito Rodrigo Maia, principal operador e avalizador da agenda de reformas e da atual política econômica no Congresso disse, frente à divulgação do pibinho, que o “gasto público é importante para Brasil crescer”.
Pelo conjunto da obra, creio que não podemos descartar um cenário em que o Posto Ipiranga seja limado do governo e se realize uma inflexão na política econômica.
Mantenha-se a agenda das reformas ultraliberais (pois trata-se de reduzir o salário direto e indireto da classe trabalhadora e o potencial aumento da margem de lucro dos capitalistas) e os aspectos mais gerais do neoliberalismo, mas combinando com uma política, ou um programa, de investimentos públicos para retomar o crescimento em patamares um pouco superiores.
Possivelmente investimentos na área de infraestrutura, que beneficiem o capital privado, especialmente para atender o setor primário-exportador.
Uso o termo inflexão, e não outro mais abrangente ou abrupto, porque muitos dos aspectos, como mencionei acima, estarão mantidos, mas com uma alteração importante em relação ao que ultraliberalismo vem martelando, isto é, de que o investimento privado, de forma quase que exclusiva, alavancaria um ciclo de crescimento.
E digo inflexão também pela sua intensidade. Ou seja, não será o investimento público realizado nos governos Lula e Dilma e muito menos o investimento necessário para uma economia do tamanho do Brasil.
Mas o suficiente para produzir alguns efeitos: divergências com setor mais radicalizado do liberalismo econômico e, por outro lado, um aumento da atividade econômica com repercussões na coalizão golpista e inclusive em setores da classe trabalhadora. Esse cenário também teria potencial de trazer mais estabilidade política ao governo uma vez que na economia se encontra o pano de fundo de muitos dos conflitos e contradições no bloco golpista.
Embora ainda não seja o mais provável, essa inflexão não pode ser descartada e é factível de acontecer no contexto da situação política e econômica em que nos encontramos. Precisamos estar atentos a isso, pois reverberaria nos termos da luta política e social em nosso país.
(*) Marcos Jakoby é professor e militante petista