A urgência da mudança de rumo do governo e do PT

Por Marcos Jakoby (*)

Estamos com 1 ano e 6 meses de governo Lula III e às vésperas das eleições municipais. Qualquer dirigente e militante da esquerda, com um pouco de senso crítico, percebe que estamos num momento sensível.

Por mais que tenhamos melhorado em muitos dos indicadores econômicos e sociais, o governo, nas últimas pesquisas, tem perdido, paulatinamente, aprovação da população.

No Congresso Nacional, nas últimas semanas, acumulamos derrotas. Na área econômica, presenciamos ataques e pressão do “mercado” e de seus aliados no oligopólio da mídia para “acelerarmos” os cortes no gasto público. No Judiciário, a absolvição de Moro e sinais de que o combate – de ocasião – ao golpismo pode ceder espaço para uma repactuação entre setores da direita. Certos jantares também sinalizam nessa direção.

Na esquerda e no PT, há diferentes avaliações e comportamentos. Há setores da esquerda e do PT que acham que está tudo bem, numa certa espécie de terraplanismo político de esquerda. Outros setores, no entanto, entendem que há problemas e dificuldades, os quais seriam basicamente três, com enfoques diferentes, a depender do gosto do cliente: 1/ o problema é a comunicação, especialmente nas redes sociais, de modo que seria necessário comunicar melhor tudo o que está sendo realizado e isso resultaria em melhor aprovação do nosso governo, uma vez que estamos fazendo muito; 2/ outro problema seria na relação com o Congresso, precisaríamos melhorar nossa articulação, que tem sido falha, e se superarmos esse problema poderíamos evitar derrotas no Congresso bem como aprovar aquilo que mais interessar ao governo; 3/ por fim, haveria o problema do perfil dos ministros, portanto uma reforma ministerial garantiria um melhor desempenho do governo.

Possivelmente, há um pouco de verdade em tudo isso. Contudo, há um setor da esquerda que, além dos problemas citados, destaca que há um problema anterior e maior: o da linha política do governo e do Partido, que optou por um tipo de governabilidade, um programa e uma postura geral de evitar confrontos, embora o lado de lá não devolva essa mesma “boa vontade” na mesma moeda.

Alguns desses problemas vão ficando cada vez mais evidentes, como o Novo Arcabouço Fiscal, que mesmo sendo um marco um pouco melhor do que o antigo Teto de Gastos impõe limites, pressões e exigências de cortes no gasto público. E foi um caminho que o nosso governo escolheu, sem tentar nada diferente, com intuito de evitar conflitos com o capital financeiro. Agora, ministros e secretários do governo passam a falar cada vez mais, para atingir as metas fiscais, que nós mesmos equivocadamente propomos, em desvincular benefícios sociais e trabalhistas do aumento do salário mínimo assim como mexer nos pisos constitucionais da Saúde e da Educação, algo que somente a sua menção, em qualquer outro governo, geraria uma onda de rechaço do campo popular e democrático. Portanto, o Novo Arcabouço está desenhado, e isso é fundamental compreendermos, para gradualmente estrangular o gasto público. O problema é que nos encontramos exatamente num momento da situação do Brasil em que se exige muito investimento e gasto público para alavancar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social.

Há diversas áreas que precisamos fazer mais e mais rápido, o que depende justamente de uma alteração da rota da política econômica. Aliás, foi algo que o próprio presidente Lula falou na campanha em 2022: desejava voltar a governar para “fazer mais e melhor”. E nesse sentido, embora tenhamos criados muitos empregos, precisamos criar postos de trabalho de maior qualidade e melhor remunerados; precisamos avançar na reforma agrária, praticamente paralisada, inclusive para assegurar alimentos mais baratos ao povo; precisamos de muito mais investimentos na Saúde, na Educação, na Assistência Social. O investimento em construção de moradias e de uma nova infraestrutura nos grandes centros urbanos, para atender as necessidades de mobilidade e de acesso a equipamentos públicos, também estão muito devagar, quase parando. Assim como, a reindustrialização, a despeito do programa Nova Indústria, pouco tem avançado. E, assim, poderíamos seguir por outras áreas. Sem falarmos de reformas estruturais, como a militar (a qual perdemos uma boa oportunidade no início do governo) e da mídia.

De novo, evidentemente, estamos realizando muitas políticas públicas, mas se quisermos alterar de forma mais profunda e rápida as condições de vida e de trabalho do povo e a correlação de forças na sociedade, precisamos colocar o pé no acelerador, o que exige outra linha política.

E é aí que a coisa complica. Pois adotamos um tipo de postura e um tipo de governabilidade que buscam evitar confrontos e a mobilização social. A tentativa tem sido de buscar uma “estabilidade” apoiada no STF e no Congresso, o que requer muitas concessões de nossa parte, que não são retribuídas. Basta dizer que partidos de direita – inclusive do Centrão de Lira – controlam 11 ministérios, mas seus partidos agem como oposição no Congresso nas pautas que mais interessam ao governo. Aliam-se conosco somente naquilo que lhes interessam, como a primeira parte da Reforma Tributária. A segunda parte, que justamente abordaria a taxação da riqueza e da renda do andar de cima, ficou a ver navios.

Agora, interlocutores do governo reconhecem que só contam com tal “base” para a pauta econômica (e naquelas em que há coincidência de interesses). E qual foi uma das decorrências que o governo tirou disso? Não agir mais, enquanto tal, para tentar barrar retrocessos na chamada – de forma equivocada – “pauta de costumes”. Como na votação da urgência do PL que equipara aborto ao homicídio. José Guimarães, lider do governo na Câmara, disse que “não é assunto de governo“. No mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou PEC que criminaliza o porte e a posse de qualquer quantidade de droga.

O ministro Alexandre Padilha, perguntado se o governo foi derrotado nessas matérias, disse que “nada do que aconteceu na sessão do Congresso surpreendeu os articuladores do governo. Não vamos perder o mata-mata, não estamos sendo derrotados naquilo que é essencial. Temos muita consciência dessas prioridades”.

A meu ver, trata-se de um equívoco. São pautas, ao contrário do que afirma o ministro, essenciais, especialmente para a vida das mulheres e dos jovens, especialmente da periferia. Sabemos quais são os objetivos e os alvos dessas legislações. Portanto, como afeta a vida de milhões de pessoas, deveria ser sim “assunto” do governo. O problema é que se o governo, ao invés de silenciar, tivesse orientado e trabalhado enquanto tal para disputar essas votações ele ficaria exposto e isso evidenciaria, mais uma vez,  que as alianças com  os partidos da direita não estão obtendo o resultado imaginado pela tática do governo e da maioria do PT.

Há, portanto, necessidade urgente de reorientar a nossa linha política. Nossas principais esperanças de governabilidade não podem se apoiar no STF e no Congresso. Precisamos construir uma governabilidade que se apoie, para além das realizações do governo, na mobilização social e na disputa cultural e ideológica. Além do conjunto da esquerda, o governo e o próprio presidente Lula precisam trabalhar para construir um processo de mobilização social permanente e crescente, para dar sustentação ao governo, protegê-lo das investidas golpistas e avançar nas mudanças. Há potencial na classe trabalhadora e nos setores populares para isso, seja através das organizações sindicais, populares, juvenis, dos partidos, seja nas conquistas e na memória das realizações dos nossos governos, seja na própria capacidade de convocação do presidente Lula. E isso precisa ser feito a valer, de maneira orgânica e não de maneira protocolar.

Outra mudança diz respeito à disputa cultural e ideológica. Todos reconhecem a força da extrema-direita nesse terreno. E não é somente disputando no “terreno econômico e social” que vamos virar esse jogo, como demonstram as pesquisas. É necessário enfrentamento. Portanto, precisamos ter uma comunicação de massas, do governo e da esquerda, com um conteúdo capaz de disputar as ideias e os corações do povo brasileiro. Certamente, haverá embates, em certos espaços, que não irão além da demarcação, mas não é isso extamente que a extrema-direita sempre faz? Manter pelo menos sua base coesa e ir acumulando forças? Então, votações, como as citadas acima, não podem deixar de ter uma posição clara e contundente do governo.

Para mudarmos a correlação de forças em favor da classe trabalhadora, dos setores populares e em favor do nosso governo, precisamos acelerar e aprofundar as mudanças e construir outro tipo governabilidade. Obviamente, como se deduz, isso exigirá enfrentamentos com a classe dominante e seus porta-vozes, mas haverá pelos menos boas chances de resistirmos ao cerco e às suas tentativas de nos derrotar e/ou derrubar. A má notícia é que, mesmo que não façamos uma mudança na linha política, o confronto crescente também virá, como já se percebe.

(*) Marcos Jakoby é professor e militante do PT

 

Uma resposta

  1. As únicas mobilizações que vejo sao greves explodindo aqui e acolá, por interesses justos, mas, umbilicais e corporativos, exigindo ainda mais de um governo com um orçamento já esfacelado.
    Enquanto os movimentos sociais estiverem confortavelmente metendo o pau no governo e deixando o congresso de lombo liso, a direita e a mídia (contém redundância) seguirão nadando de braçada…
    Onde estão as centrais sindicais pra organizar suas respectivas categorias e botar o bloco na rua?

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