Resultado da votação da reforma tributária mostra repetição da tradicional prática do toma lá, da cá com o Legislativo; medidas previstas na PEC são valorizadas demais em detrimento de um olhar de inversão de prioridades e para o social
Por José Mendes Souza (*)
O placar de aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados (no primeiro turno, 382 votos a 118 e no segundo, 375 votos a favor e 113 contrários), mostra que não há melhor negócio e mais facilidade para partidos e parlamentares do Centrão do que permanecer como fazem há anos, gravitando em torno do poder central, seja ele liderado pela esquerda (PT) ou extrema direita. O pé em duas canoas vale ouro, engorda no método do troca-troca os votos nas bases eleitorais da maioria destes deputados e senadores, garante eleições e sucessivas reeleições dos inimigos dos trabalhadores, do povo pobre, e ainda ajuda a fortalecer legendas do campo conservador e virtuais candidatos à sucessão do presidente Lula, caso de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PB). Enquanto isso, o PT e seus aliados no campo da esquerda, não ganham musculatura e ficam com o desgaste pelas concessões feitas aos “novos amigos”.
Por ser uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC, necessitava de 308 votos favoráveis (maioria qualificada), ou seja, três quintos da Câmara, deveriam votar com o texto-base. Segundo levantamento do site Poder 360, do partido União Brasil, vieram 11 votos contrários e 2 abstenções, do PP (9); do PSD (4 e 1 abstenção) e do MDB (5 e 2 abstenções), totalizando 29 votos contra.
O resultado se mostrou ampliado e foi histórico, conforme classificou à imprensa nacional burguesa. Vitória do presidente Lula, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad e de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do presidente da Câmara, aliados em potencial e figuras expressivas na gestão Bolsonaro. Foi o que estampou as manchetes e textos dos jornalões.
Lula e Haddad são classificados em reportagens e artigos nestes jornais como democratas e conscientes da necessidade de romper a polarização. Lira e Tarcísio como expressivos articuladores, homens capazes. Há jornal, no qual o governador de São Paulo foi catapultado à política nacional como o novo líder de uma nova direita mais “moderna e pragmática”. Haddad como o grande articulador do governo. A Lula, a expressão vitória e quem sabe um governo fortalecido. O próprio Lula declarou, um pouco antes da votação do texto final, que a proposta era resultado do debate democrático entre forças políticas do Congresso Nacional.
Ao governo liderado pelo PT sobraram também inúmeras críticas por dias seguidos, acusando o governo de jorrar dinheiro público via emendas para garantir a votação de projetos de seu interesse no Legislativo e ampliar sua base de apoio, sem falar no desgaste político sofrido com a ministra do Turismo, Daniela Ribeiro (União Brasil), do Rio de Janeiro. Na véspera da votação, no dia 6 de julho, os ministros Paulo Pimenta (Comunicação Social) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Internacional) bateram cabeça e as informações desencontradas, claro, não passaram despercebidas pelos jornalões.
Pimenta, falou primeiro e garantiu Daniela no cargo. Padilha, logo depois, fez o anúncio da substituição da titular do comando da pasta, pelo deputado Celso Sabino, também do União Brasil (PA). Grupos dentro desta legenda disputam e reivindicam para si, maioria de votos entre os deputados, daí a troca de Daniela (esposa do prefeito Waguinho, de Belfort Roxo, na Baixada Fluminense).
O prefeito apoiou a candidatura de Lula nas eleições do ano passado. Ele e Daniela, são ligados ao grupo do senador Davi Alcolumbre, também do União Brasil. Waguinho é seu grupo seriam ligados às milícias do Rio. Na dúvida de quem controla a maioria dos votos, amedrontada, a articulação política do governo, fez a troca. Sabino é ligado a Lira e Bolsonaro.
Exceto o PP (namorado para integrar a base de apoio do governo), as outras três legendas – PSD, MDB e União Brasil que somaram os 29 votos contrários, ocupam ministérios polpudos no governo. O PSD, três ministérios (Agricultura, Minas e Energia e Pesca, o MDB (Planejamento, Cidades e Transportes) e o União Brasil (Turismo), sem contar cargos de simpatizantes e apoiadores destas legendas espalhados em outras estruturas do governo central. Os três partidos compõem a base de apoio do governo Lula no Congresso.
O PP, embora não tenha ministério, foi priorizado, para ajudar na votação da PEC, ao lado do PL de Bolsonaro, com emendas parlamentares. Foram liberados, segundo à imprensa, para a votação desta proposta, R$ 5,3 bilhões destinados a projetos, compras e obras em redutos eleitorais de parlamentares.
O PL de Bolsonaro registrou 74 votos contra à reforma tributária, 18 a favor e 7 abstenções. Do Republicanos, 36 votos foram favoráveis, 3 abstenções e 2 não à PEC. Nas bancadas do PT, PSB, PSOL, PCdoB, PV, Cidadania, Solidariedade e Rede, todos os votos favoráveis. No PT, foram 3 abstenções, PSOL mais 3 e PCdoB, 1.
A questão é: vale à pena ceder tanto, negar aqueles que garantiram a vitória de Lula, liberar recursos, cargos e ministérios para aqueles que sustentaram o governo genocida de Bolsonaro, levando milhões a morte na pandemia, horror aos pobres, negros, LGBTQIA+, mulheres e aos mais pobres?
A reforma tributária, altera no curto, médio ou longo prazo, de forma significativa, a vida do povo pobre, dos trabalhadores, dos negros, das mulheres e minorias, em geral, que se encontra desempregada ou com renda corroída, nas filas do INSS há meses, esperando a concessão de benefícios legais, sem falar na violência em cidades, extermínio de jovens e por aí vai? Foi essa maioria, que votou em Lula e anseia por estado de bem-estar social e direitos não só legais, mas a serem conquistados.
Migalhas – Vale à pena negar essa maioria em nome de interesses próprios de partidos e políticos acostumados a sangrar os cofres públicos e a gravitar em torno do poder para obter eternas benesses de forma fácil e na base da chantagem?
A reforma tributária não é tudo isso, não representa um grande avanço e nem está perto de garantir melhoras significativas. Vai precisar de leis complementares para ser regulamentada e de novo maioria de votos num Congresso Nacional de perfil conversador. Na reforma, a alíquota de produtos da cesta básica foi zerada. O texto-base, não diz quais serão esses produtos. Os mesmos produtos da cesta vão atender a todas as regiões do País ou eles serão regionalizados? Regulamentar essas questões se fará necessário, o que acarreta também mais demora. Que ninguém se iluda. Haverá empresário de todo tipo querendo a alíquota zero e fazendo lobby por ela.
O preço pago pela chamada simplificação de impostos, foi alto demais e, boa parte de parlamentes, continuará cobrando alto se o governo quiser aprovar outras pautas da área econômica, a exemplo, dos projetos que restabelecem o voto de qualidade no Conselho Administrativo Fiscal (Carf) e do Arcabouço Fiscal.
O Carf é um órgão administrativo que julga disputas entre pessoas físicas e jurídicas (empresas) e o governo federal em relação ao pagamento de impostos. Em 2020, na gestão Bolsonaro, uma alteração promovida nas regras do conselho retirou do governo a prerrogativa do voto decisivo em julgamentos. É fundamental rever isso? É, sim! Mas, o foco, o centro da política do governo, não pode ser só a economia. É necessário olho na área social, distribuir riqueza, diminuir a concentração de renda.
Ainda sobre a reforma, emenda negociada, pelo ex-ministro de Bolsonaro e governador de São Paulo, por exemplo, defendida por outros governadores e prefeitos, apoiada por Lira e incluída na reforma pelo seu relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), garantiu a regiões ricas do País, (Sul e Sudeste), maior poder no Conselho Federativo.
De acordo com a PEC, o órgão é uma entidade pública sob regime especial, dotada de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, que fará a administração compartilhada do imposto. A proposta aprovada, determina a implementação da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), a ser recolhida pela União — no lugar do PIS, Cofins e IPI –, e o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS e o ISS, compartilhado pelos estados e municípios. O conselho é que vai gerir essas questões.
A proposta também prevê que a arrecadação passará, gradualmente, do local de origem do produto/serviço para o de consumo. Essa transição federativa acabará apenas em 2078 e, para suavizar os efeitos do fim da guerra fiscal, a União se prometeu a repassar R$ 40 bilhões por ano a partir de 2032 para os Estados investirem ou subsidiarem a atração de empresas.
Além disso, jatinhos, iates e jet-ski vão pagar IPVA como quem tem carro, haverá simplificação do imposto para pequenas e médias empresas, imposto menor para absorventes, menos imposto para saúde, educação e transporte público. Os avanços parecem insuficientes para atender as reais e urgentes necessidades dos mais pobres e dos trabalhadores.
Dívida histórica – Relatório da CPI da Previdência do Senado Federal, apresentado e aprovado em outubro de 2017, mostra que grandes empresas, entre elas, bancos, devem mais de R$ 500 bilhões à Previdência Social. É preciso determinar, impor penalidades mais rigorosas ao capital, aos donos do poder econômico, para pagarem as suas dívidas, deixarem de dever ao povo. Isso é apenas um dos exemplos para se fazer, quando se almeja e quer, justiça social.
Lembremos do caso recente das vinícolas do Rio Grande do Sul, entre elas a Aurora Salton, nas quais trabalhadores, em pleno 2023, eram alimentados com produtos estragados, mantidos fechados em alojamentos completamente inadequados, obrigados a longas jornais e sofriam violência física. Para transformar um País repleto de desigualdades, superar a cultura escravocrata, não basta, só olhar econômico. É preciso coragem, construir alternativas aos modelos impostos, organizar as ruas, ganhar corações e romper com as velhas e equivocadas práticas que mantém regalias aos abastados.
Um governo democrático, popular e liderado pelo PT, precisa, deve e tem por obrigação, seguir o norte da inversão de prioridades, investir pesado no social e na educação pública de qualidade. Aos inimigos, o que a eles é devido e, com certeza, não é dinheiro de emendas, recursos públicos, ajuda na manutenção no poder, e nem ministérios e cargos, ainda mais quando o outro lado não consegue ser fiel, é golpista e, ainda por cima, quer te enfraquecer, ver sangrar e fazer refém.
Essa história de troca-troca, já conhecemos. O final é a tragédia: milhares jogados na lama e na fome. Milhares de mortos na pandemia, negação à ciência, perseguição às minorias, retirada de direitos dos trabalhadores, de aposentados e pensionistas, mentiras, etc. Não é de migalhas e flertando com o inimigo que se vive e sobrevive!
Laranja podre, pode não deter eternamente a primavera, mas interrompê-la por ciclos, inclusive, longos, exemplos não faltam. Coragem para romper com a política da eterna gangorra de benesses e interesses escusos. Traíra boa e saudável, só a que se pesca em água doce.
(*) José Mendes Souza, votou em Lula para presidente, cursa ciências sociais e é simpatizante do PT