Quando o Partido é sequestrado por dentro, a base perde a voz
Por Elen Coutinho (*)
O PED de 2025 na Bahia seguiu o mesmo caminho de degeneração dos últimos anos e, desta vez, foi ainda pior.
No início do processo, havia grande insatisfação com a atual gestão. Muitas críticas vinham da base e também de diversos parlamentares, criando um clima de debate intenso sobre os erros na condução do Partido. Várias candidaturas surgiram, alimentando a esperança de que poderiam ocorrer mudanças reais naquilo que considerávamos equivocado.
Vale lembrar que, em 2019, foi o peso de uma importante liderança política que definiu a vitória para a presidência estadual, disputa da qual participei e perdi.
Agora, mais uma vez, o peso político dessa mesma lógica foi suficiente para sufocar as críticas. Com a intervenção da mesma liderança, as vozes dissonantes foram silenciadas. Até mesmo as mais rebeldes acabaram engolindo as palavras que antes haviam dito e fizeram campanha para o candidato imposto.
Quatro candidaturas, incluindo uma compartilhada da qual fiz parte, resistiram e enfrentaram uma força que sequer é mobilizada contra nossos verdadeiros adversários. Uma força que não aparece em eleição para conselhos tutelares nem em disputas contra opositores externos ao Partido. Mas, desta vez, todo um aparato foi colocado em movimento: secretarias de governo, prefeituras, presidências de câmaras de vereadores.
O resultado foi um crescimento de votos muito além do esperado. Nos grandes centros, a candidatura ligada ao aparato de poder obteve votações expressivas. As máquinas funcionaram em ritmo máximo, com ônibus, vans, cargos e estruturas mobilizadas para garantir o maior número possível de votantes. Boa parte desses votos veio de pessoas sem qualquer vínculo real com a militância, movidas por interesses imediatos, ligados a uma única figura pública ou ao seu grupo, completamente alheios ao projeto coletivo do PT.
E, como se não bastasse o uso das máquinas, houve ainda fraudes descaradas. Mortos “votando” se tornaram algo banalizado no PED. Listas infladas com nomes que já não são filiados/filiadas, assinaturas falsificadas. Depois de cada PED, essas denúncias se acumulam, envergonhando os militantes que ainda lutam por um Partido coerente com suas origens.
O PED, que deveria ter como beleza a possibilidade do voto direto e a força da militância para influir nos rumos do Partido, se distancia cada vez mais do modelo que defendemos. Ele virou um terreno fértil para distorções graves. Dá o mesmo peso na decisão a quem nada compartilha da vida cotidiana do Partido, da luta de base, da construção coletiva. E pior: abriu espaço para fraudes sistemáticas, transformando um instrumento democrático em um ritual vazio, controlado pelo aparato.
Nesse cenário, cidades menores, onde a militância crítica pulsa viva, acabam engolidas pelos resultados das cidades maiores, dominadas pela lógica do poder,
e das manobras mais desonestas. A culpa não é do instrumento em si, mas de quem o maneja com oportunismo e sem escrúpulos.
A votação no PED 2025 na Bahia resultou em uma suposta “aprovação” à gestão anterior que não dialoga com o que ouvimos nas bases, especialmente no interior. Não condiz com as críticas feitas e depois silenciadas por parlamentares e militantes que, pressionados/as ou intimidados/as, preferiram calar em vez de assumir um posicionamento.
Pessoalmente, sigo acreditando que quase tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Mas não o PED. Nele não existe qualquer possibilidade real de a militância decidir os rumos do Partido. Trouxeram para dentro dele todas as mazelas das eleições tradicionais: o abuso do poder econômico, o uso de cargos como moeda e, para piorar, fraudes grosseiras que envergonham quem ainda leva a sério a história do PT. E, para completar esse cenário de degradação, existem militantes politicamente deformados, que se movem apenas para destruir quem não segue a cartilha de quem lhes paga o salário.
O PT da fundação no Colégio Sion nasceu com uma compreensão democrática e uma luta inequívoca contra o autoritarismo. Olhando para o PED de 2025, não consigo imaginar o que os fundadores e fundadoras diriam ao ver a eleição interna do Partido transformada num campo de manipulação, desprezo pelo estatuto e autoritarismo.
Apesar de tudo isso, a vida real, aquela que não poderá ser resolvida como o PED, exige de nós algo maior. Os petistas que hoje estão “nas máquinas” não têm cacife para enfrentar, com os mesmos instrumentos que usam contra nós, os ricos, a bancada da bala, do boi e os usurpadores da fé. Esses instrumentos, afinal, pertencem antes de tudo à classe dominante, que sabe manejá-los com muito mais eficiência contra o povo e contra nós.
Mesmo com todos os problemas, o PT continua imprescindível, ainda que esteja sendo sabotado por dentro por práticas como as que dominam o PED. Mesmo diante das profundas divergências e em paralelo a quem decidiu usar o Partido como mera legenda, optando pelo vale-tudo, devemos manter o foco nas tarefas essenciais: organizar e mobilizar a base petista, defender o Brasil dos ataques da extrema-direita liderada por Trump, reeleger o governador Jerônimo, garantir a reeleição do presidente Lula, ampliar nossas bancadas e fortalecer a luta política pelas pautas de justiça social e pelo horizonte socialista que move o nosso projeto de país.
(*) Elen Coutinho é membra do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, militante do PT da Bahia, integrante da tendência interna Avante PT.
Uma resposta
Correto essa análise da companheira Ellen Coutinho, realmente essa prática vem acontecendo, desde o PED anterior, inclusivo na minha cidade fomos vítima de uma composição de chapa adversária, com aval de parlamentares, onde não cumpriram as regras do Estatuto, a chapa a qual fazia parte recorremos as Direções Estadual e Nacional e não tivemos êxito, a chapa que descumpriu o Estatuto foi a vencedora.
Infelizmente tivemos que aceitar com muita indignação, muitos companheiros se revoltaram com o comportamento das Direções Estadual e Nacional na época.