Por Luiz Sérgio Canário (*)
Muito já se disse e se repetiu sobre as várias posições sobre a eleição da mesa diretora da Câmara Federal. Antes de gastar mais um pouco de latim, alguns números que ajudam a entender e deixar mais claro o cenário. Abaixo estão os números de três votações importantes nos últimos anos; o impeachment de Dilma, reforma da previdência e o teto de gastos. Estão relacionados somente os 11 partidos que compõem o tal “Bloco de Maia”, classificados por quem deu mais votos Sim para o impeachment:
Nas três votações os 11 partidos do “bloco” são responsáveis por cerca de metade dos votos SIM. Já dos votos NÃO esses mesmos partidos são responsáveis por entre 70-80% deles.
A direita limpinha e cheirosa presente no bloco é responsável por metade dos votos que derrubaram a presidenta Dilma! E também por metade dos votos que impuseram duas das mais importantes medidas que retiraram direitos da classe trabalhadora!
A centro-esquerda e a esquerda representadas no bloco deram 70% dos votos contra o impeachment e 80% dos votos contra nas duas votações da reforma da previdência e do teto de gastos.
Números não definem posições políticas. Mas eles servem para trazer à luz a incipiência de certas argumentações. Como podemos entender que esse bloco irá, como diz a nota dos partidos de oposição divulgada hoje, 21/12/2020, defender:
“Nós, dos partidos da oposição, temos a responsabilidade de combater, dentro e fora do Parlamento, as políticas antidemocráticas, neoliberais, antinacionais e lutar para que o povo possa ter seus direitos a saúde, ao emprego e renda, a alimentação acessível, a educação, resguardados.”
Esses partidos encabeçados por Rodrigo Maia não têm nenhum compromisso com a democracia ou com o combate ao neoliberalismo. Eles são o neoliberalismo. As votações apontam exatamente isso. Maia já falou para quem quer ouvir que o teto de gastos é ponto central para a manutenção do equilíbrio fiscal. Que a continuidade da implantação das reformas neoliberais é central para o país e é o que vai permitir a volta dos investimentos. Cantiga cantada desde o golpe, junto como o “é só tirar o PT que melhora”.
Qual o compromisso desses partidos com a democracia? Nenhum. Em um texto recente José Dirceu enumera vários pontos que não passaram no Congresso por conta dos votos dessa fração da direita. Mas isso é o suficiente para colocá-los no campo dos democratas? Dos que querem impedir o controle do parlamento por Bolsonaro? O quadro acima exibe os números do compromisso deles com a democracia. Há uma disputa entre dois blocos da direita e o PT ao invés de tomar isso como uma cunha para acirrar as contradições entre esses blocos, minar seu poder e trazer esse debate para fora do parlamento expondo suas posições contrárias a todos eles, toma partido por um dos lados.
A maior bancada do parlamento tem reais condições de intervir com mais peso. Não para marcar posição somente, mas para interferir no balanço de forças no parlamento, estabelecendo um bloco que teria importância, não somente para a eleição da mesa, mas para ser significativo em qualquer outra votação. Aqueles que defendem a participação na chapa de Maia como uma tarefa da luta parlamentar que não pode ser negligenciada, não enxergam outra forma de travar essa luta que não seja com a mesma lógica e com as mesmas ferramentas que os representantes das classes dominantes, em suas várias frações, usam.
Não se trata de questionar, como insistem alguns, a importância do parlamento ou da de impor derrotas a Bolsonaro. Se trata de como fazer isso da forma mais eficaz e que contribua para o acúmulo de forças da classe trabalhadora. Muito se fala que o povo está pouco ligando para isso e que não deve ser uma preocupação. Mas é exatamente por isso que precisamos trazer essa discussão para fora do parlamento. Esse é um assunto que tem impacto na vida do país e, portanto, interessa a todos. É fora do parlamento que ganhamos força para impor derrotas dentro do parlamento. Também a ninguém interessa mais impor derrotas e derrubar Bolsonaro do que à classe trabalhadora. Parcelas significativas dos que hoje bradam que a questão central é bater Bolsonaro, ontem se recusaram a definir como palavra de ordem do partido o Fora Bolsonaro. Inclusive muitos dos bravos parlamentares hoje ansiosos por estar na chapa de Maia alegando o combate a Bolsonaro.
A bancada de deputados do PT não pode se impor ao partido. Ao contrário ela tem que estar subordinada ao partido. E tem que se orientar pelo partido. E isso tem que estar claro para a direção do partido e para a bancada. Estamos assistindo agora o show de horrores da indecisão da bancada e da direção partidária. Uma biruta de aeroporto tem mais consistência. A toda hora não toma nenhuma decisão e ao mesmo tempo toma várias, vindas de várias fontes. Enquanto isso a caravana golpista avança e Maia e Temer definem que o candidato do “bloco” é o “democrata” Baleia Rossi! Agora é pegar ou largar! O pacote completo é esse que está na mesa!
Ainda há tempo, a eleição é somente em fevereiro, do PT:
- Lançar um candidato e uma chapa para a mesa, chamando os partidos de esquerda e centro-esquerda
- Os parlamentares e o partido levarem essa discussão para as bases sociais
- Disputar o primeiro turno com uma plataforma de lutas e de defesa dos direitos e da sobrevivência do povo, forçando a realização do segundo turno
- Negociar a participação no segundo turno em uma posição de força e de agitação social
Fora disso é capitular diante do inimigo de classe sem lutar, aprofundando o nosso desgaste com a classe trabalhadora e o povo. Até quando vamos permitir essas táticas suicidas? O cretinismo parlamentar da nossa bancada está se aproximando do cinismo. A realidade da disputa fica sendo escamoteada por posições que variam com o vento. E agora a direção do vento aponta para Baleia Rossi. É para ele que os que buscam seus interesses inconfessáveis e íntimos se dirigem a partir de agora.
Para quem se interessar, como votaram todos os partidos nas três votações citadas mais acima:
(*) Luiz Sérgio Canário (*) é militante petista em São Paulo-SP
(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.