Por Valter Pomar (*)
“Lula sabe o que faz”: este tem sido um (des)argumento muito comum no debate sobre a vice.
Este (des)argumento baseia-se em quatro premissas falsas: 1/a de que Lula tenha tomado sua decisão final a respeito da vice, 2/a de que Lula seria infalível, 3/a de que é proibido apresentar provas em contrário e, finalmente, 4/a de que ao Partido cabe apenas homologar a decisão pessoal do candidato.
Na contramão, pode-se argumentar o seguinte: o melhor momento para decidir a vice não é agora, ninguém é infalível, existindo divergência haverá votação e nosso partido se construiu com base no debate.
Faltam 11 meses para a eleição e um pouco menos para o registro das candidaturas. O quadro eleitoral ainda não está definido.
Há na classe dominante entre três posições: 1/apoiar a reeleição de Bolsonaro, 2/alavancar uma terceira candidatura capaz de suplantar Bolsonaro e derrotar Lula e 3/buscar um “acordo” com a candidatura Lula. Esta terceira posição é minoritária.
Os petistas que defendem decidir agora a candidatura a vice, indicando para o lugar um nome de direita, golpista e neoliberal, acham que isso esvaziaria a tal terceira candidatura.
O raciocínio acima é geralmente acompanhado de três pressupostos: 1/achar que Alckmin é mais forte do que ele realmente é (fato: a votação do chuchu em 2018 foi de 5%, ficou em quarto lugar, o pior desempenho da história do PSDB), 2/achar que é mais fácil derrotar Bolsonaro do que a “terceira candidatura” (esvaziando esta, sobraria o adversário supostamente mais fácil de derrotar) e 3/achar que é possível concluir a disputa no primeiro turno (algo que não conseguimos nem quando estávamos na presidência).
Aliás, um grande risco desta tentativa de fazer no primeiro turno alianças típicas de segundo turno é, em caso de segundo turno, não ter muito mais para onde crescer.
Para além destes problemas de natureza eleitoral, escolher um vice de direita (Alckmin ou coisa parecida) traz outros problemas. A lista de problemas inclui: 1/se acontecer algo com Lula; 2/facilitar a conspiração; 3/dar indevido espaço no governo; 4/transmitir uma má sinalização programática.
Os que acham que Lula é infalível, provavelmente também acreditam que nunca farão nada acontecer contra ele, assim como acreditam que nunca aconteceria – contra Lula – algo parecido com o que fizeram com Dilma.
E é provável que acreditem que, por mais espaços Alckmin ocupe no governo, seus indicados não causariam mais dano do que os provocados pela dupla Palocci e Meirelles (talvez tenham razão nesse ponto, mas sempre é bom lembrar que o execrável Ricardo Salles, o defensor de “passar a boiada”, foi secretário particular e Secretário do Meio Ambiente de Alckmin).
E aí entramos no problema de fundo: a escolha de um vice da direita, golpista e neoliberal, tem implicações programáticas. A pergunta é: quais? Incrivelmente, os que defendem Alckmin não respondem a esta pergunta.
E sinalização programática não se faz apenas com programa de governo, embora este seja muitissimo importante.
Concordemos ou não, a escolha da chapa Lula e José Alencar tinha uma simbologia positiva, na contramão da lógica tucana neoliberal. Já uma chapa Lula-picolé de chuchu teria qual simbologia positiva?
Para quem já foi totalmente ganho para votar contra Bolsonaro, talvez seja a de “unidos com uma parte da direita, certamente venceremos a outra parte da direita”.
Mas para quem não foi totalmente ganho para esta posição (e há muitas dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras nesta situação), está chapa mandaria qual sinal?
Uma das respostas possíveis aparece na especulação de que Armínio Fraga poderia virar ministro…
Aliás, um dos problemas dos que defendem Alckmin ou equivalente é não perceberem que nosso foco principal é disputar as camadas populares, não “dividir a centro direita”.
A divisão no lado de lá certamente é útil para nós e devemos incentivar, mas se o preço pago para dividir o lado de lá for perder nossa capacidade de disputar o povo, então é péssimo negócio.
O problema é que os mesmos que acham Lula infalível, inatingível e indestrutível, também acham que Lula – com qualquer programa, com qualquer aliança, com qualquer linha de campanha e com qualquer vice – será sempre capaz de disputar e ganhar o povo para o nosso lado.
Talvez por isso, ou seja, talvez por colocarem todo o serviço nas costas de Lula, há alguns que não se preocupam tanto com a eleição presidencial, mas sim com outras coisas, por exemplo: 1/a eleição para governo de São Paulo e 2/a governabilidade.
Exemplo típico desse raciocínio, tirado de uma dessas listas de debate entre dirigentes petistas: “na Centro direita, o melhor vice é o Geraldo Alckmin. Porquê? O Alckmin está em primeiro lugar para Governador de São Paulo nas pesquisas eleitorais. Em segundo lugar está o Haddad. Quando tiram o Alckmin como Candidato a Governador de São Paulo, o Haddad assume a liderança. E, com relação a ser um bom vice, sem dúvidas, pois é o que apresenta, entre os possíveis vices, a melhor performance eleitoral. Ou seja, com Geraldo Alckmin na vice do Lula, aumentamos as possibilidades de vencermos no primeiro turno, e aumentamos as possibilidades de conquistarmos o governo de São Paulo. Portanto, nada de sectarismo inconsequente”.
Não é maravilhoso? De uma só cartada, vamos ganhar o Brasil e São Paulo. Tudo graças ao picolé de chuchu.
Por isso, nada de “sectarismo inconsequente”, ou seja, nada de falar sobre o “sectarismo consequente” daquele tipo registrado na manchete abaixo.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT