Raul, Miguel e a “federação”

Por Valter Pomar (*)

Raul Pont e Miguel Rossetto

Os companheiros Raul Pont e Miguel Rosseto publicaram no site do PT um artigo intitulado “Federação partidária, uma oportunidade histórica”. Reproduzo na íntegra ao final.

O artigo é uma defesa “em tese” de uma federação “em tese” entre partidos de esquerda “em tese”. Infelizmente, não é nada disso o que está em discussão nesse momento, dezembro de 2021.

Para começo de conversa, a legislação aprovada pelo Congresso Nacional é muito sintética e genérica, e muita coisa dependerá de uma regulamentação que ainda está sendo feita pelo TSE, sob comando do afamado Barroso.

Mas se o TSE respeitar o espírito da lei aprovada, as federações partidárias não serão apenas a “união de duas ou mais legendas para disputar um processo eleitoral”. Até porque isso seria apenas uma coligação.

Em segundo lugar, estou de acordo com Raul e Miguel sobre a necessidade de “maior unidade” e “identificação programática” entre os “partidos de esquerda”. Mas a federação que estará em discussão no Diretório Nacional do PT dia 16 de dezembro tem o protagonismo do PSB, partido cuja bancada federal majoritariamente votou a favor do golpe de 2016 e que atualmente segue em boa parte votando com o Centrão e com Bolsonaro.

Lendo o texto de Raul e Miguel, fica a impressão de que eles estão falando e defendendo uma federação restrita às correntes socialistas (PSOL, PCdoB, PT, por exemplo). Mas, repito, não é isto que estará em discussão na reunião que o Diretório Nacional do PT fará em 16 de dezembro de 2021.

Vale ressaltar mais uma vez que federação não é coligação. Raul e Miguel sabem disso, tanto é que admitem a hipótese de “uma adesão genérica sem a filiação partidária imediata”.

Mas é preciso lembrar que, a depender da lei aprovada, da regulamentação do TSE e do estatuto da federação, estaremos diante de situações como: uma direção comum, liderança de bancada comuns, candidaturas majoritárias comuns em todas as eleições em 2022 e 2024 etc.

Raul e Miguel dizem que a Federação, “com duração mínima de 4 anos, preserva a identidade, organicidade e o crescimento próprio dos partidos, e assegura um funcionamento coletivo e uma identidade comum da frente partidária; sem diluição e sem hegemonismo”.

No papel isto é muito bonito, mas na vida real não será trivial garantir o funcionamento coletivo de uma federação de partidos de esquerda; e menos trivial ainda será uma federação com um partido de centro (e em muitos locais de centro-direita) como é o PSB.

Aliás, as vezes o texto de Miguel e Raul passa a impressão de que uma federação seria apenas uma “coligação com quatro anos de duração”. Por exemplo, eles falam de “lista comum nas eleições majoritária e proporcional e, portanto, soma dos votos das legendas”. O problema é que, a depender do que se regulamente, teremos lista comum obrigatória em 2022 e 2024.

Por fim, embora eu ache em tese positiva a existência de uma federação de esquerda, não aprecio o argumento segundo o qual a federação ajudaria “o eleitor e a cidadania a comprometer e identificar seus interesses sociais e demandas com determinado projeto político, no emaranhado de mais de 30 siglas e denominações que pouco têm a ver com a prática e os votos destes partidos”.

Não aprecio porque não me parece que este problema do “emaranhado” se aplique ao PT. Nós podemos fazer uma federação para contribuir com a unidade da esquerda. Mas não precisamos nem podemos aceitar uma federação que coloque em risco a natureza, a saúde e o futuro do próprio PT.

A federação que estará em discussão no dia 16 de dezembro, na reunião do Diretório Nacional do PT, é deste segundo tipo. Por isso, espero que neste dia Raul e Miguel nos ajudem a proteger o PT.

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

 

 XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

 

SEGUE O TEXTO ANALISADO

https://pt.org.br/artigo-federacao-partidaria-uma-oportunidade-historica/

Artigo: Federação partidária, uma oportunidade histórica

Esta é uma mudança positiva que ajuda o regime democrático, pois fortalece a unidade partidária com identidade e coerência programáticas, afirmam Raul Pont e Miguel Rosseto em artigo

O Congresso encerrou a casuística e apressada mini-reforma eleitoral. A surpresa das novas regras eleitorais foi a derrubada do veto presidencial de Bolsonaro à outra legislação que tramitava já há algum tempo no Congresso como lei ordinária e que permitia a criação de Federações Partidárias, ou seja, a união de duas ou mais legendas para disputar um processo eleitoral.

A maior unidade e a identificação programática dos partidos de esquerda é uma reivindicação presente e constante em todos os processos eleitorais e nas grandes mobilizações populares que lutam contra o governo Bolsonaro e almejam outro projeto para o país.

Essa unidade contra o governo neoliberal, excludente e genocida necessita ter uma expressão política mais unitária e que transmita capacidade de ser alternativa, de ser governo, de apresentar outro projeto social e democrático para o Brasil.

O desafio não é só conjuntural, mas afirma a necessária unidade das correntes socialistas na luta anti-capitalista e de construção de uma nova hegemonia.uel Rossetto foi vice-governador do RS e deputado federal pelo PT. Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

As ações comuns anti-Bolsonaro organizadas pelas Frentes de movimentos sociais (Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo e as Centrais Sindicais) revelam o enorme potencial existente para canalizar estes esforços na institucionalidade política. Por exemplo, na maioria esmagadora dos municípios os partidos do campo da esquerda têm enormes dificuldades de implantação social (pequenez, preconceito, perseguições veladas no emprego, alta cláusula de barreira nas Câmaras de Vereadores, etc.) e a dispersão de esforços dificulta ainda mais o protagonismo e a ação política.

Uma Federação ou Frente possui um elemento agregador muito superior, inclusive, uma adesão genérica sem a filiação partidária imediata, isto é, uma potencialidade de crescimento muito superior.

A Federação, com duração mínima de 4 anos, preserva a identidade, organicidade e o crescimento próprio dos partidos, e assegura um funcionamento coletivo e uma identidade comum da frente partidária; sem diluição e sem hegemonismo.

A ação unificada dos militantes e apoiadores da federação partidária agrega, sem dúvida, enorme potência política e eleitoral  aos partidos e ao programa de esquerda. Está igualmente subordinada à legislação que rege os partidos em todos os demais aspectos do processo eleitoral. Por exemplo, lista comum nas eleições majoritária e proporcional e, portanto, soma dos votos das legendas.

Esta é uma mudança positiva que ajuda o regime democrático, pois fortalece a unidade partidária com identidade e coerência programáticas. Ajuda o eleitor e a cidadania a comprometer e identificar seus interesses sociais e demandas com determinado projeto político, no emaranhado de mais de 30 siglas e denominações que pouco têm a ver com a prática e os votos destes partidos.

A oportunidade está colocada. Dependerá da nossa capacidade e competência para transformá-la em realidade. Os partidos que já possuem representação parlamentar e/ou administrativa têm o dever de assumirem a iniciativa e construírem essa unidade.

A Federação unifica a luta pelo poder político. Por um projeto social. Pela hegemonia política na sociedade. O desafio está lançado. Queremos ajudar a construí-la.

Raul Pont é Membro do Diretório Nacional do PT e foi prefeito de Porto Alegre.

Miguel Rossetto foi vice-governador do RS e deputado federal pelo PT.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *