País vai às urnas no próximo domingo (07/02), mas há movimentos para invalidar candidatura de Andrés Arauz e, até mesmo, a própria eleição
Por Marco Teruggi (*)
Reprodução/Facebook – Em meio a ameaças contra sua candidatura, Arauz lidera pesquisas no Equador e pode levar no primeiro turno
O Equador está às portas de uma eleição presidencial e legislativa decisiva. No domingo, 7 de fevereiro, se enfrentarão 16 candidatos, dos quais três têm maior chance segundo a maioria das pesquisas – Andrés Arauz, Guillermo Lasso, Yaku Pérez, nessa ordem, com uma diferença de cerca de dez pontos entre o primeiro e o primeiro e segundo.
Arauz é apresentado pela coalizão UNES, representa a Revolução Cidadã, movimento liderado pelo ex-presidente Rafael Correa. Lasso “é o candidato a banqueiro”, como define a socióloga equatoriana Irene León, e representa o seu partido CREO em aliança com o Partido Social Cristão. Pérez é candidato do movimento Pachakutik, que “chegou com muitas dificuldades internas ao movimento, e está longe dos dois primeiros colocados”.
Para vencer no primeiro turno, é necessário obter mais de 40% e ao menos dez pontos de diferença sobre o segundo candidato. Caso contrário, os primeiros dois candidatos passam para o segundo turno. Arauz, que na maioria das pesquisas está perto de 40%, poderia ser eleito já no primeiro turno. É disso que se fala no Equador, e sobre essa possibilidade se desencadeiam expectativas e ameaças.
As ameaças não são novas: desde o início da campanha houve obstáculos, irregularidades, ilegalidades. “A possibilidade de conseguir registrar as candidaturas do progressismo tem sido difícil, complexa”, explica León. “Estamos falando de um país em que movimentos políticos e candidaturas não só foram censurados, como aconteceu com Rafael Correa, mas agora, inclusive, é proibido nomeá-lo na campanha”.
Assim, a menos de uma semana da disputa, “ainda há objeções de atores políticos interessados na não apresentação da candidatura de Arauz”. Para entender essa situação, é preciso analisar o que aconteceu nos últimos quatro anos, ou seja, sob a presidência de Lenín Moreno.
Desmonte e perseguição
“O cerne do que está acontecendo no Equador é um ciclo de desmantelamento da proposta progressista – os governos de Correa entre 2007 e 2017 – e um retorno intensivo ao neoliberalismo ”, analisa León, que mora em Quito.
Esse processo “foi acompanhado pela desinstitucionalização do país. Encontramo-nos com uma Constituição muito importante e sólida, mas que já não é respeitada pelos poderes, um quadro institucional de cinco poderes que funcionam ao gosto das elites, um desmantelamento do público e a privatização de tudo o que significasse o suporte econômico de um projeto diferente”.
O desmonte ocorreu simultaneamente a “uma intensiva judicialização da política”, onde, durante os anos de Moreno – que iniciou sua presidência em 2017 – “houve a ativação de um aparato de perseguição, judicialização e sanções a diferentes iniciativas políticas e de dirigentes, principalmente do progressismo e da esquerda.”
Desta forma, além de Correa, dirigentes como Paola Pabón , Virgilio Hernández e Jorge Glas , que foi vice-presidente, estão presos desde 2017. “No discurso das elites e da direita, de fato, vários falam em eliminar o correismo do palco”, explica León.
Conseguir o registro da candidatura de Arauz, na chapa com Carlos Rabascall à vice-presidência, foi particularmente difícil. Uma vez conseguido o registro, a ameaça mudou: “Houve um salto entre não ter esses candidatos, tentar tirar as eleições do palco, e nessa ideia de já eliminá-las ou adiá-las convergem diferentes atores”.
León lembra, por exemplo, que, nos últimos dias, uma portaria do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) propôs tirar os direitos políticos de Arauz e eliminar o binômio Arauz-Rabascall. “A CNE tem grande dificuldade em mostrar transparência nas suas ações, de fato, esta CNE tem atores políticos de direita que respondem aos interesses dos outros candidatos e que estão agindo e jogando muito para que, caso os seus candidatos não possam ganhar, não haja eleições.”
Washington
Lenin Moreno foi a Washington na última semana de janeiro.
Lá, ele se encontrou com os principais representantes políticos e econômicos: Juan González, diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional; Kristalina Georgieva, Diretora do Fundo Monetário Internacional; e Luis Almagro, Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que teve papel fundamental no golpe na Bolívia em 2019.
“Aqui no país houve muitas dúvidas sobre o que este homem está fazendo nos últimos dias de seu mandato ao se reunir com esses representantes”, diz León. Moreno teve, ao longo de sua gestão, “um alinhamento com o projeto hemisférico dos Estados Unidos (EUA)”, o que se pôde constatar, por exemplo, em sua política ativa de desmantelamento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
“Isso é significativo para as eleições, porque neste momento, independentemente do peso que o Equador possa ter no cenário internacional, para o projeto dos Estados Unidos é importante esse alinhamento que eles conseguiram de vários países”, diz León
Essa importância do alinhamento não parece mudar com o novo governo de Joe Biden: “Os Estados Unidos têm uma política internacional de longo alcance, uma proposta estratégica do Estado, então essas linhas se movem muito pouco de um governo para outro (…) O que mudam são as modalidades de execução desse projeto estratégico”, diz a socióloga.
Os mandatos de Correa puseram, junto a outros governos da região, “um dos maiores desafios históricos que se colocaram aos Estados Unidos”, ao avançar em “um projeto de soberania regional, de integração latino-americana,” como, por exemplo, o instrumento da Unasul.
“Sem dúvida, a proposta do candidato Arauz é voltar a uma integração latino-americana soberana, que articule os países em torno de uma visão comum para este projeto que se sintetiza como um projeto de uma grande pátria, que permite um horizonte comum para nossos países, independentemente das diferenças políticas que se manifestem, um projeto comum de sustentabilidade a médio e longo prazo”, destaca León.
Disputa continental
A eleição no Equador ocorre em um momento de disputas continentais onde, nos últimos anos, houve uma recuperação de forças de setores progressistas , de esquerda, expressa tanto em levantes populares, como no Chile e no Equador em outubro de 2019, quanto nas eleições presidenciais no México em 2018 com a vitória de Andrés Manuel López Obrador , na Argentina em 2019, com Alberto Fernández , ou na Bolívia em 2020, com Luis Arce .
Uma vitória de Arauz no Equador seria mais um passo nessa recuperação e, sobretudo, mais força para avançar na reconstrução de instrumentos de integração regional, como a Unasul e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
A eleição de 7 de fevereiro tem então forte cunho latino-americano, o que se expressa, por exemplo, em duas falsas notícias de dois grandes meios de comunicação dias antes das eleições: o jornal Clarín, da Argentina, afirmou que Arauz estava oferecendo 250 dólares a seus eleitores antes das eleições, e a Revista Semana, da Colômbia, escreveu que Arauz havia recebido dinheiro do Exército de Libertação Nacional.
“Não estamos falando de mídia, mas de corporações, elas agem cada vez mais de forma aberta e coordenada nas decisões eleitorais que são tomadas nos países. Ou seja, buscam que seus dirigentes sejam os que estão no topo do poder, e não atores políticos que correspondem a seus próprios projetos”, diz León.
O papel desses meios de comunicação internacionais faz parte do cenário de adversidades que a candidatura de Arauz enfrenta desde a primeira hora. “Estamos falando de uma campanha eleitoral em que o candidato não tem igual acesso ou não tem acesso aos meios de comunicação, com meios internacionais contra ele, sem os fundos de campanha que foram entregues à maioria dos atores políticos. ”
Poucos dias antes das eleições, e com ameaças latentes, Irene León afirma que “o mais importante é que se realizem as eleições, que não haja obstáculo, que a pandemia não seja culpada, às vésperas das eleições, por não as ter realizado e que se tome cuidado, por muito tempo, para que nenhum outro pretexto apareça. E que as eleições sejam realizadas e os resultados, respeitados.”
(*) Publicado em espanhol na Sputnik Mundo e traduzido pelo Opera Mundi