Autoidentificação ideológica mostra peso importante à direita, mas desejos e valores são progressistas

Jovens brasileiros aparecem como os mais à direita entre 14 países, embora revelem querer proteção do Estado e defendam pautas da esquerda, como saúde e educação públicas

Entre 14 países pesquisados na América Latina e Caribe, o Brasil é o que demonstrou ter a maior parcela de jovens de direita no espectro político: 38%. Os que se identificam mais ao centro são 44%, enquanto todos os outros países têm índices maiores que 50%. Os de esquerda somam 18%, deixando o nosso país sete pontos abaixo do líder, o Uruguai, que tem 25%. A parcela de jovens de esquerda é baixa em todos os países, sendo a menor na Argentina (14%). Os dados constam do estudo Juventudes: um desafio pendente, divulgado em março deste ano e realizado por meio de uma plataforma digital pelo Friedrich Ebert Stiftung.

“Os jovens pesquisados escolhiam uma opção numa escala de 1 a 10, sendo o 1 mais à esquerda e o 10 mais a direita. E a pesquisa organizou um ranqueamento”, explica Elisa Guaraná de Castro, antropóloga, professora da UFRRJ, conselheira da Fundação Perseu Abramo e filiada ao PT, que integrou o grupo de acadêmicos responsáveis pela formulação e análise da pesquisa, cujo campo foi feito em janeiro de 2024. O método utilizado nos permite ver os detalhes das preferências: 17% dos jovens brasileiros se autoidentificam como mais à extrema-direita; 21% à direita ou centro-direita; 4% à extrema-esquerda; 14% à esquerda ou centro-esquerda.

Mas, obviamente, não há homogeneidade. “Em alguns lugares, o Brasil é ponto fora da curva, em outros, ele é até mais progressista do que outros países.” O recorte de gênero também mostra diferenças: identificam-se com a esquerda 20% das mulheres jovens e 16% dos homens jovens. “As mulheres sempre aparecem mais progressistas em quase todos os temas”, comenta a professora.

Embora 66% dos jovens brasileiros pesquisados considerem a democracia preferível a qualquer forma de governo, chama atenção a flexibilidade de opiniões, uma vez que 49% acreditam que o sistema democrático pode funcionar sem a existência de partidos políticos.

Por falar em partidos políticos, a pesquisa traz um dado preocupante: são as instituições brasileiras com o menor índice de confiança dos jovens, apenas 8% de nível “alto ou muito alto” e 57% de “baixa e muito muito baixa” confiança. “Para mim, esse é um problema importante para o PT e para a JPT”, destaca Elisa. Os partidos políticos não estão sozinhos, a confiança também é baixa nos governos. Por outro lado, a universidade aparece como a instituição de maior confiança da juventude, apesar de todos os ataques da extrema-direita a esse setor. “O que aponta uma sólida política pública de ampliação do acesso e da possibilidade do acesso para as juventudes brasileiras”. Em tempos de vida digital, importante saber: influencers e Youtubers têm 56% de “baixa e muito baixa” confiança.

E os jovens querem participar na política? Olhando o gráfico a seguir, a resposta seria um contundente “não”. Mas o resumo da pesquisa traz uma conclusão esperançosa: “Apesar da insatisfação com as instituições tradicionais, os jovens continuam apostando em mudanças através de novas formas de participação política, como o ativismo digital e os protestos”.

O desafio é enorme. O Brasil apresentou o menor índice de disposição da juventude em participar de organizações, apenas 34%. “Ainda assim, considerando o tamanho e a diversidade do país, não é um resultado dispersível”. E mais da metade (56%) disse que nunca o faria. Quando participam, as atividades preferidas são de cunho esportivo ou cultural (20%) e as igrejas (19%).

As redes sociais são o meio pelo qual mais se informam (57%), seguido da televisão (45%), Youtube (30%), Whatsapp (25%) e outros sites (24%). “A resposta mais importante é não ter interesse em se informar sobre política. E esse é um problema. Mas é visível que eles têm uma visão crítica. Isso é interessante. Acho que tem uma dificuldade de fato de comunicação geral sobre política com a juventude. O que o PT vai fazer sobre isso? Tem que repensar a linguagem e a comunicação. Como repensar um caminho de ampliar o diálogo para tratar quais são as agendas políticas que, de fato, nesse momento, no aqui e agora, estão afetando essas juventudes. A gente segue entregando essa agenda? Às vésperas de fazer 50 anos de sua fundação, essa agenda não pode ser pensada para um partido para o futuro, essa agenda tem que ser pensada para o partido agora.”

Contradições?

Apesar de uma parcela significativa pouco se identificar com a esquerda, surpreende que tenham demonstrado em suas respostas um forte desejo de apoio e participação do Estado nos temas sociais e dos direitos e revelado posicionamentos progressistas. Um total de 86% afirma que o Estado deve garantir acesso gratuito à saúde e à educação de qualidade. Nada menos que 70% defendem o direito à autonomia territorial das comunidades indígenas e 85% destacam a proteção ao meio ambiente. “Por isso que o debate sobre questão ambiental não pode ser circunscrito à transição ecológica. Tem uma certa urgência que eu acho que se perdeu um pouco na forma de tratar o tema. Como relacionar o micro e o macro, a luta ambiental mobiliza, é a pauta apontada como a que mais mobiliza ao lado do tema família, que sabemos agrega a pauta conversadora. Mas o PT não parece atrair essa juventude para o debate.”

Outra pauta atualíssima também tem adesão da maioria dos jovens brasileiros pesquisados: 60% apoiam a taxação dos ricos. “São pautas que demandam uma perspectiva democrática, de participação política, uma perspectiva de um Estado que não é neoliberal”, pondera Elisa. Mesmo assim, mais da metade apoia as privatizações de empresas públicas porque julgam que assim funcionam melhor. “Mas é específico em relação a empresas. No mais, todo o resto é pensado como algo que o Estado deve atuar: educação, saúde, ciência, tecnologia, habitação, alimentação, políticas para a juventude está tudo previsto dentro das demandas dos jovens.”

Para quem ficou impactado pelo gráfico do espectro político, pode ser tranquilizador também saber que 63% estão de acordo com que os imigrantes no Brasil tenham o mesmo direito dos cidadãos nacionais ou que 66% concordem que cada um deva ter liberdade para decidir sua orientação sexual e identidade de gênero. E, ainda, que 83% concordem que homens e mulheres têm as mesmas capacidades para ocupar cargos políticos e de liderança. Por outro lado, apenas 33% estão de acordo que o aborto seja legal em qualquer circunstância. “Efetivamente, de todas as tentativas que fez a extrema-direita, a inserção de uma nova categoria ideológica de disputa política foi a que mais pegou: ideologia de gênero. Mas se 33% parece um percentual baixo, é importante observar que a média nacional é 15% para a população geral. Portanto, entre os jovens entrevistados, o resultado é mais que o dobro da média nacional. Isso não significa ser a favor da perda de direitos, a luta contra os retrocessos tem mobilizado mulheres e em especial as mulheres jovens”, considera Elisa. A professora explica que fizeram várias questões sobre gênero e concluiu que “essa linha da extrema-direita, da mulher recatada, do lar, não colou, não é o discurso conservador que está funcionando, muito pelo contrário”.

Elisa destaca que a pesquisa nos traz muitos outros elementos para concluirmos que as bandeiras da extrema-direita não encontraram tanta adesão na juventude brasileira. “A gente consegue desencaixar algo que a extrema-direita tem tentado encaixar na sua narrativa: que conservadorismo, menos direitos e o projeto neoliberal, agendas identificadas com a direita e a extrema-direita, caminham juntos e agregam grande parcela da juventude. E o que a pesquisa mostra é uma ampla identificação com pautas e agendas que a extrema-direita rechaça. Ao se identificarem mais ao centro, podemos ler como não identificando quem pode representar essas agendas de forma clara. Então, primeiro, quais são os problemas? Corrupção está lá em terceiro lugar, por exemplo. Quais são as políticas e demandas para as juventudes? Desejam emprego, bem-estar social, habitação. Temas como regulação das big techs, da internet aparecem com alta aceitação. Então não casa com o discurso da extrema-direita. Eu digo sempre que a gente vende de barato o discurso da extrema-direita como algo que já tomou conta. E não tomou conta. Nessa pesquisa, isso fica muito evidente. Esses temas não são de interesse dessa juventude hoje. Não mobilizam. Pelo contrário.”

Para a professora, o conservadorismo e as pautas da extrema-direita não caminham juntas necessariamente. “Temos juventudes que se identificam à esquerda defendendo pautas mais conservadoras, e uma grande convergência das juventudes, inclusive à direita, defendendo amplamente algumas pautas progressistas e democráticas. Então, isso é uma coisa que eu acho muito positiva, aponta para a gente a possibilidade de temas e pautas positivas para disputar”. Elisa considera que o PT precisa “definitivamente enterrar” a ideia de identitarismo na sociedade brasileira em oposição à luta de classes. “Eu quero botar 50 aspas em identitarismo versus classe, porque isso não existe nas juventudes brasileiras hoje, isso precisa ser enterrado pelo PT. O PT não pode mais assinar embaixo dessa leitura, especialmente para a juventude, porque não há espaço mais para isso. Basta ver o quadro em São Paulo dos dez mais votados na Câmara Municipal, a maioria é jovem, incluindo a vereadora Luana Zarattini, do PT, e tratam de todos os temas que dizem respeito à vida dos jovens hoje.”

Rediscutir o espaço de participação no Partido é outra necessidade na opinião de Elisa. “Porque o PT não tem sido um partido que atrai a juventude. Talvez a questão esteja desde os espaços de base, mas está, sem dúvida, em outros espaços e na sua forma de se colocar para as juventudes. Como garantir uma inserção maior em todas as instâncias, na comunicação, nos espaços de decisão, na condição de candidaturas jovens? Todos esses desafios só podem ser pensados com a própria Juventude do PT.”

Como foi feita a pesquisa

Ao todo, foram realizadas 21.847 entrevistas na região (entre 1.100 e 2.024 por país). No caso do Brasil, a YouGov entrevistou 2.024 jovens entre 15 e 35 anos utilizando uma metodologia de amostragem online com painéis web. O desenho da amostra foi construído com base em conjuntos estratificados por país, utilizando o Barômetro das Américas 2021 do Projeto Opinião Pública da América Latina (LAPOP – sigla em inglês) como referência. A margem de erro – com intervalo de confiança de 95% – é de aproximadamente 2,5%.

A pesquisa está disponível nos seguintes links:

https://brasil.fes.de/publicacoes.html

https://juventudesasignaturapendiente.com/paises/

https://juventudesasignaturapendiente.com/wp-content/uploads/2025/06/informe_regional-1.pdf

PT é ausência em renovação no Congresso

Apesar da percepção de desinteresse ou desconfiança para participação direta em espaços formais da política demonstrado pela pesquisa Juventude: um desafio pendente, a professora Elisa Guaraná de Castro considera que temos outra realidade que se apresenta no enorme esforço das juventudes se verem representados na política formal, nos partidos e no parlamento. E menciona outra pesquisa: Juventude no olho do furacão[1], por meio da qual o Grupo de Pesquisa Juventude e Participação Política da UFRRJ, formada por jovens estudantes, levantou dados quantitativos e qualitativos (2014, 2018 e 2022) de candidatos e eleitos (2022) à Câmara dos Deputados. A pesquisa demonstrou que menos de 5% dos representantes na Câmara dos Deputados têm de 21 a 29 anos de idade, e, em sua maioria, reproduz um perfil da classe dominante: homens e brancos.

Elisa observa que candidatos e candidatas jovens são em maioria mulheres, ao contrário dos não jovens. “E temos renovação e jovens com supervotações. A grande ausência é o PT. Da extrema-direita à esquerda, houve um visível investimento em candidaturas jovens, em quantidade e em novas lideranças, o PT é o 17º em ocupação de bancada, em 21 partidos com bancadas, e isso incluindo jovens até 35 anos. Portanto, há renovação, o PT é que não tem encontrado o caminho”.

A professora reconhece que o PT avançou nas câmaras de vereadores com a eleição de 561 jovens até 35 anos, cinco vezes mais que em 2020. “Mas ainda aquém do enorme desafio que se coloca para trazer a juventude para a participação no PT. O ano de 2024 foi marcado pelo maior aumento de novos eleitores de 16 e 17 anos, 78% em relação a 2020.”

[1] Pesquisa publicada em https://collections.fes.de/publikationen/id/1572500

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