Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia das autorias e coautorias
O amigo ficciolalizado, a que se refere o texto “beijar os brancos, é Lumumba, músico, cantor e militante histórico da luta contra o racismo. Venceremos e olha, destacou o preto velho, não é preciso nem beijar com saliva. Bastam beijos secos! Realidade é ficção formam , a exemplo do lugar, um pacto e parto. Lumumba, lenda viva!
Um amigo das antigas, numa conversa de bastidores da luta contra o racismo, disse-me uma verdade acabada. Verdades acabadas, é um paradoxo, não têm fim. Era aquele rosário de preta e preto velhos; o começo e o fim formam novos começos e a senda não tem fim. O lugar, espaço da nossa conversa, assentava um pacto. Ou parto?
No lugar, as contas estavam nas mãos de dois pretos envelhecidos, que não são ainda pretos velhos. Talvez o parto faça mesmo sentido. Pois bem! Falávamos das nossas histórias e das idas e vindas dos movimentos negros. O corpo negro é o próprio movimento negro, pensei. Será? Deixei na encruzilhada. O meu amigo preto envelhecido, que talvez tenha intuído o que pensara, confirmou a relação do corpo com o movimento. Fechou com outro riso miúdo e bradou certeiro: é arma.
A mágica cubista da encruzilhada se abriu. Entramos! Desfiávamos, em cruzes, um rosário, aquele dos pretos envelhecidos ! A luta tem os seus movimentos de sobe e desce, afirmei. Ele riu miudamente, coçou a cabeça. Seguimos então. Mascavamos as palavras. No ato de mastigar havia a vontade de cuspir algo viscoso e pegajoso.
São as palavras e as pedras, que são metáforas ao avesso. Pedra é palavra; negritei. Hum! Exclamou meu amigo. Completei, palavra é pedra. Assim foi a conversa. A noite , que é mãe e no avesso pai do dia, engoliu os pretos envelhecidos. Era o pacto e o parto selados no escuro. Sem cerimônia sumiram os pretos envelhecidos. Ouvi do meu amigo, com a voz dos rosários repetidos, somos pretos velhos desde sempre. Hum, repeti o seu texto das dúvidas filosóficas da circularidade.
A nossa iniciação, o rito de iniciar uma ação ou intervenção , virou e revirou as estrelas de pedras e palavras encantadas. No lugar bem pactuado, veio o patuá de palavras viscosas; o parto. Hum! Bem pegajosas. Agora foi o meu velho amigo que reagiu. Pois é… e os movimentos negros? Respondi meio sumindo, sim.
Palavras e pedras estavam nas mesmas rezas ou eram igualmente matracas ancestrais, que comunicam e matam. O outro preto velho, num zigue-zague, disse sim ou não. Sim, repeti o texto e resumi a mandinga; ciência é sim e não. Enredilhamos tudo numa cruz de preto, a encruzilhada, saberia mais tarde, receberia beijos. Hum, refez o trânsito o amigo; o preto velho. Somos maioria , não é? Balbuciei, maioria!? Hum, bem maioria.
Nossos olhos enegreceram no fundo, era o retrato atual do Brasil. A força demográfica da negrada pode curar ou matar tascando beijos em profusão. Sim! Sim! Então, completou o preto velho, na veste do preto envelhecido, basta apenas beijar os brancos e o racismo terá fim. Concordei. Num zigue-zague, ele mascou e cuspiu a saliva viscosa.
Venceremos e olha, destacou o preto velho, não é preciso nem beijar com saliva. Bastam beijos secos. Sim! Sim! Beijar os brancos! Inclusivamente, matracou um terceiro preto velho das primeiras e últimas horas, beijei no caminho , com os meus de sangue, um juiz branco. Indaguei o que desde sempre sabia: o que houve com o homem da lei? Inclusivamente, nego velho, sopraram só os panos da calça, da camisa, o sapato de verniz e um punhado de cabelo.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta e dramaturgo. Beijar os negros e A morada do sol e a República de Araraquara são crônicas do livro Matracas ancestrais , inédito.