Breves considerações para um programa de segurança pública e defesa popular

Por José Burato (*)

Um crime hediondo num contexto sombrio

             A tortura e morte de Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, em Umbaúba – SE, em 25 de maio de 2022, suscita profundas reflexões. Mais que isso, exige da sociedade brasileira, especialmente da classe trabalhadora, uma posição firme, defensiva e preventiva. Genivaldo, torturado no interior de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, cujo porta-malas foi improvisado como uma “câmara de gás” lacrimogêneo e de spray de pimenta acabou morrendo por asfixia, segundo laudo preliminar do IML.

O crime foi cometido por policiais, na presença de várias pessoas. Mais um crime decorrente da violência policial no Brasil. Um crime chocante e revoltante que movimenta a sociedade em busca de justiça, de punição para os culpados. Sim, é imprescindível punir os responsáveis, todos eles, os que cometeram a barbárie, os que incentivam a violência policial, os que fazem apologia à violência.

Mas tão importante quanto punir os responsáveis é cessar definitivamente essa onda de violência, cuja escalada deve-se aos discursos irresponsáveis e de finalidade eleitoreira. Para isso necessitamos de coragem política, não estamos na esquerda para contemporizar com os violentos, com os reacionários e com os autoritários. Coragem política para enfrentar essa onda de violência, para propor mudanças radicais na estrutura e na lógica da segurança pública brasileira. Isso mexe com interesses diversos, não é um confronto fácil, talvez leve muito tempo para se chegar ao êxito, mas é necessário iniciar essa luta imediatamente.

Quando a ocorrência veio ao conhecimento público, a Polícia Rodoviária Federal informou, numa tentativa de amenizar a situação, que nessa ocorrência foram utilizadas “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo”, para a necessária contenção de Genivaldo. Ocorre que instrumentos de menor potencial ofensivo como o gás lacrimogêneo, por exemplo, podem matar quando utilizados em local confinado.

Sobre esses “instrumentos de menor potencial ofensivo”, temos um trabalho com a Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT Nacional, o Manual de Segurança Preventiva para Militantes[1], elaborado e publicado em 2021, onde abordamos os perigos de tais artefatos de repressão, assim como algumas medidas de proteção necessárias, pois eles podem levar à morte.

Parece que a Polícia Rodoviária Federal deixou de acreditar na capacidade humanizadora da disciplina de Direitos Humanos, é o que indica uma matéria publicada na BBC News Brasil[2], que informa não haver mais essa disciplina no curso de formação de seus agentes. Essa importante disciplina, que chegou a dispor de 30 horas, abordava temas como “proteção de crianças e adolescentes, violência sexual, trabalho infantil, tráfico de pessoas, machismo dentro da corporação e brutalidade policial”. Causa estranheza essa supressão, pois a Polícia Rodoviária Federal chegou a ser premiada pelo trabalho humanizado “contra o tráfico de pessoas” em 2009, além do reconhecimento da ONU em Direitos Humanos, por conta de um “mapeamento de pontos de exploração sexual infantil”.

O policial rodoviário federal antifascismo Fabrício Rosa falou à BBC News Brasil que o conteúdo da disciplina, que era específica, foi gradualmente “fundido” com outras disciplinas. Não bastasse isso, no início de maio deste ano o funcionamento de Comissões de Direitos Humanos, que, entre outras atribuições, orientavam a educação dos policiais sobre o tema, foi revogado por uma portaria da direção geral da instituição policial.

Se a propaganda é de fato a alma do negócio, temos muito com o que preocupar, pois houve quem ensinasse e estimulasse a tortura, e mesmo a execução de pessoas em cursos preparatórios para concursos das polícias.

Circula na internet um vídeo curto em que um instrutor de cursos preparatórios ensina, usando um exemplo pessoal, como torturar alguém improvisando uma câmara de gás no porta-malas de uma viatura, utilizando spray de pimenta[3]. No final desse vídeo, ele diz se tratar de uma brincadeira e que nunca fez aquilo, mas de qualquer forma a ideia foi lançada e pelo que parece assimilada, porque Genivaldo foi torturado dessa forma. Esse instrutor é Ronaldo Bandeira, policial rodoviário federal e que foi professor da AlfaCon – empresa especializada em cursos preparatórios para concursos públicos, principalmente para as polícias. Atualmente Ronaldo tem um site também de cursos preparatórios, a RB-Carreiras Policiais.

Depois do episódio de Sergipe, Ronaldo Bandeira se justificou dizendo que se tratava de uma brincadeira, uma maneira de descontrair uma aula ocorrida em 2016. Ainda que seja verdade, mesmo que o vídeo tenha sido editado e não mostre o contexto em que foi feita a alegada brincadeira, devemos lembrar que é brincando que os predadores aprendem a lutar e a caçar.

Em reportagem publicada em 24 de outubro de 2019, o Ponte Jornalismo[4] denunciou que o professor de Direito e ex-capitão da Polícia Militar de São Paulo, Norberto Florindo Júnior, estimulava em suas aulas a tortura e ensinava métodos de execução. Ele teria dito que o bandido que é socorrido pela polícia não pode chegar vivo ao pronto-socorro, explicando a técnica de execução: com uma mão tampa o nariz e com a outra tampa a boca. Esse professor ministrava essa disciplina em videoaulas pela empresa AlfaCon.

Essa reportagem apresenta alguns vídeos em que Norberto expõe e defende os seus princípios àqueles (as) que desejam ingressar na carreira policial. Para termos ideia da dimensão e gravidade disso, separamos trechos da fala desse professor de Direito (?): “Nada como uma tortura bem aplicada para entregar onde está […] eu tenho uma afinidade com isso aí [tortura], não tenho dó, e torturo até umas hora (sic). […] tortura não demora, gente! […] ai, eu fiquei 15 dias torturado! Não existe isso! Tortura é pontual, é curto, direto e reto […]”.

Nessa fala ele ainda defendeu a tortura como um método científico para se conseguir a verdade. Devemos considerar a gravidade disso, porque mesmo que se alegue a insanidade mental de quem a professou, essa afirmação revela uma crença cristalizada que é passada de geração para geração e que precisa urgentemente ser contida, eliminada do meio da segurança pública brasileira.

Em outra oportunidade, quando aparentemente ministrava uma aula ou apresentação pessoal para uma plateia presencial, vangloriava-se dizendo que certamente não era o melhor professor de direito da AlfaCon, mas sim o que tinha o maior número de homicídios, afirmando que foram 28 assinados [homicídios que assumiu a autoria ou participação], fora uns 30 que não assinou [não assumiu a autoria nem a participação]. Depois de revelar isso, simplesmente diz: “vai se foder, já prescreveu tudo, foda-se, tô nem aí!” (sic).

Ele conta à plateia que na Polícia Militar trabalhou muito tempo com curso de formação de soldados, curso de formação de sargentos, que chegou a trabalhar na Academia do Barro Branco [que forma os oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo] e na Corregedoria da PM. Disse ainda que trabalhou durante 15 anos na área de polícia judiciária militar.

Daí vem uma questão fundamental: O que foi feito pelas autoridades competentes sobre essa grave denúncia?

 

Pronunciamento e responsabilidade de Bolsonaro

             Bolsonaro se pronunciou sobre o caso de Sergipe, lembremos que ele é responsável pela Polícia Rodoviária Federal, e em grande medida pelo agravamento da violência policial no país. Ele disse, mais uma vez irritado com a parte do jornalismo brasileiro que não o apoia, que “a justiça vai existir nesse caso”, mas “sem exageros e sem pressão por parte da mídia, que sempre tem um lado: o lado da bandidagem[5] (grifo nosso). Claro, ele está certo, a justiça não será feita com exageros, afinal, nenhuma lei brasileira prevê a tortura a quem quer que seja, nem durante a apuração dos fatos, nem durante o julgamento, nem nos presídios, caso o julgado seja condenado.

Bolsonaro é um incentivador da violência policial, porque a sentença de que “bandido bom é bandido morto”, ganha muita força quando pronunciada por um chefe de estado. Ele construiu um discurso político baseado na ideologia de guerra que orienta a segurança pública brasileira e de acordo com o desejo de impunidade dos (as) violentos (as). Com isso, conquistou da maioria dos (as) policiais o apoio eleitoral e depois o apoio para o seu mandato, o que é assombroso, porque escancara uma identificação dessa maioria com esse discurso doentio.

Parece que a violência é um tema que desperta paixões, tornando-se uma opção eleitoral interessante para certa classe política. Não fosse assim, esses discursos e até imagens de violência postadas em redes sociais não atrairiam tanta gente. Temos o exemplo recente da acusação de exibicionismo deliberado “com objetivos políticos” que o delegado de polícia aposentado e deputado estadual Francisco Tenório – PMN-AL fez contra três delegados da Polícia Civil daquele Estado. Segundo essa acusação, eles divulgavam em suas redes sociais filmagens dos resultados de suas operações policiais, ou seja, diversos cadáveres ensanguentados, como se fossem troféus. Esse deputado alagoano fez um desafio: “mostrem também as ações policiais que resultaram nessas mortes”. [6]

Tudo isso contribui para a escalada da violência policial no Brasil e para a violência popular também. Em outras palavras, os (as) violentos (as) saíram do esconderijo da aparência de humanidade e civilidade.  Fica evidente que há uma escalada da violência policial em relação ao ambiente político e social que ora vivemos por conta desse constante e incansável discurso de ódio e preconceitos, que chamamos de bolsonarismo.

Mas antes de tudo, é importante salientarmos que o termo bolsonarismo representa uma maneira de ver e de se colocar no mundo. Para a parte policial bolsonarista, trata-se de uma ideologia que determina um modus operandi herdado do método de guerra revolucionária, da época da ditadura. Já existia essa forma de pensar, o Bolsonaro apenas transformou essa visão de mundo em discurso com fins eleitorais, trazendo o forte apoio dos seus afins. Como ele tem esse público fiel, deve ser fiel a esse público também, com discursos autoritários e simpáticos aos sentimentos desse tipo de gente. O Bolsonaro pode até decepcionar o seu eleitorado e ser abandonado por ele, mas esse eleitorado não se afastará dessa ideologia batizada de bolsonarismo e outros poderão substituí-lo.

Para esses policiais que se identificam com o discurso bolsonarista, o fenômeno consiste numa sensação de liberação diante de determinadas leis fundamentais ao Estado Democrático de Direito, ou seja, a sensação de que estão acima de algumas leis, porque elas são vistas muitas vezes como entraves àquilo que julgam ser o certo e justo, aquilo que define para eles (as) o “bem e o mal” – a ideologia. Por isso o slogan “direitos humanos para humanos direitos” é para eles (as) uma verdade indiscutível, porque os humanos direitos são aquilo que entendem por cidadãos de bem. Eis outro grande problema, porque sendo considerada uma verdade indiscutível, aquele (a) que trabalha na segurança pública e que acredita nesse slogan se sentirá competente para julgar quem faz jus ou não aos direitos humanos.

Dessa forma, podemos dizer que Bolsonaro, assim como todos (as) que se aproveitam politicamente da onda bolsonarista, é responsável por todos os abusos e violências cometidas por esses (as) policiais identificados com o seu discurso de ódio. Essa propagação ideológica partindo do chefe de estado do país, que traz a sensação de que o modus operandi típico da ditadura militar está autorizado, ou pelo menos apoiado, faz com que ocorrências bárbaras envolvendo policiais aumentem consideravelmente, porque aqueles (as) que se continham, já não o fazem mais.

O reflexo disso no sistema policial é alarmante, podemos ver pelas notícias quase que diárias sobre fatos lamentáveis envolvendo os (as) profissionais de segurança pública, até com policiais rodoviários federais, que até então era raro. Mas é alarmante também porque essa forma de ver o mundo, essa intensificação da ideologia de guerra presente na segurança pública, atenta contra a democracia que, em grande medida, depende das polícias e da confiança que a população tenha nas suas forças de segurança pública.

Então, a confiança popular deve ser recuperada em nome da democracia, e pelo mesmo motivo deve haver uma reestruturação radical no sistema de segurança pública brasileiro.

 

Programa para a Segurança Pública e para a Defesa Social

Quando analisamos a ocorrência de Sergipe, além da brutalidade policial podemos verificar a reação popular. Conseguimos ouvir pela gravação que algumas pessoas estavam indignadas, temendo a morte da vítima. Depois disso, quando o vídeo foi publicado e divulgado, a indignação popular ganhou grande proporção e notas de repúdio foram declaradas. Tivemos, inclusive, a manifestação de ouvidores das polícias de seis Estados, pedindo a prisão preventiva dos policiais envolvidos na ocorrência em questão[7].

Entretanto, a indignação e a filmagem não impediram o abuso de autoridade, a tortura e a morte do Genivaldo, assim como as notas de repúdio e a manifestação dos ouvidores não impedirão novos fatos. Mas o que fazer, então? O que poderia ser feito no local para impedir tal violência?

Falar sobre a capacidade de reação popular, aquilo que alguém do povo pode fazer é muito importante, mas requer, claro, orientação séria à população, requer que essa orientação componha um programa amplo voltado para a defesa popular.

Nesse caso de Sergipe, por exemplo, havia um crime sendo praticado por policiais, havia uma tortura em andamento na frente de populares. E apesar de ser a indignação um bom sinal, e da importância das filmagens na apuração dos fatos, perguntamos: por que ninguém interveio pela vítima? Oras, ou porque tiveram medo de intervir, ou porque não sabiam se poderiam intervir, afinal era a polícia agindo.

Pensando exclusivamente nessa ocorrência, propomos duas possibilidades de intervenção popular. Para determos a barbárie de estado, fazem-se necessárias medidas concretas no momento do crime. Não queremos aqui incentivar ninguém a praticar atos de violência, mas lembrar de que temos dispositivos legais que a maioria da população desconhece.

A primeira está embasada no artigo 301 do Código de Processo Penal, que autoriza qualquer pessoa do povo a prender em flagrante delito. Conforme esse artigo, “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (grifos nossos). Então vamos lá: a tortura é um delito? Sim. Estava sendo realizada na frente de todos? Sim. Era uma situação de flagrante? Sim. Policiais estão excluídos desse artigo? Não, porque o artigo se aplica para “quem quer que seja”.

Naquela situação qualquer pessoa ali presente poderia ter dado voz de prisão aos policiais. Mas devemos considerar também a correlação de forças. Não estamos dizendo que a população deva agir dessa forma em qualquer situação, mas que pode agir assim quando tiver segurança, sendo que a quantidade de pessoas é fundamental.

Mas se alguém desse voz de prisão aos policiais não poderia também ser vitima da violência? Sem dúvida que poderia. Por isso que tais ações dependem da quantidade de pessoas no local e que essas pessoas estejam dispostas a exposição.

A segunda possibilidade é alguém ligar para a Polícia logo quando se iniciou a tortura, dizendo da gravidade da situação. Seria outra forma de intervenção popular, envolver outros agentes policiais na ocorrência. Eles poderiam ao menos ter impedido a consumação do crime, e mesmo que não dessem voz de prisão aos autores da tortura, por corporativismo ou qualquer outro motivo alegado, havia a filmagem para a apuração dos fatos, cuja cópia deveria ser entregue à autoridade policial, o delegado de polícia.

São inúmeras as possibilidades de ações populares não violentas, tanto quanto são inúmeras as modalidades da violência.  O abuso de autoridade se expressa de diversas formas. Por isso, nossa sugestão é que a orientação popular [1] seja um programa específico voltado para a população – especialmente das favelas e periferias –, para a classe trabalhadora, para os sindicatos e movimentos populares.

A classe trabalhadora deve estar preparada para resistir a qualquer atentado à democracia, por tudo o que já vimos até agora, por conta da escalada da violência e pela provável reação bolsonarista diante de uma vitória de Lula. Não estamos falando de resistência armada ou algo assim, o discurso das armas é deles, não nosso. Trata-se da conscientização e da formação defensiva preventiva [2] a partir da organização dos trabalhadores nos diversos lugares de trabalho, a partir dos sindicatos e que alcance também os movimentos populares.

É importante enfatizar que os dois itens acima descritos devem ser discutidos levando-se em consideração a correlação de forças, a capacidade de organicidade, os prós e contras de todas as situações imaginadas, e principalmente a segurança das pessoas envolvidas.

A regulamentação das drogas [3] é outro ponto cuja discussão é inadiável, mas já há um importante debate sobre esse tema. Podemos destacar um artigo publicado no Jornal O Dia[8] que alerta que os que usam e os que vendem as drogas “não têm razões para defender a regulamentação” porque os primeiros já têm garantido o fornecimento, inclusive para crianças, e os segundos lucram com a ilegalidade. Essa guerra às drogas é geradora de muitas violências, corrupções e mortes, incluído, além das pessoas diretamente envolvidas no consumo, tráfico e combate, outras que nada têm com isso.

É imprescindível controlar a atividade policial [4], se não houver coragem política para tal, eternizaremos o problema. O uso dos ditos artefatos não letais, ou instrumentos de menor potencial ofensivo, deve ser proibido. Não existem armas não letais, mas apenas de baixa letalidade. Esse controle não se restringe a proibição desses artefatos repressivos, que têm matado ou causado danos irreversíveis a tantas pessoas. Deve haver o controle social das polícias, deve ser criada uma rede de controle, que alcance todas as instituições de segurança pública de todos os entes federativos; que envolva a sociedade civil organizada, os conselhos de segurança populares e o Ministério Público.

Esse controle social deve se voltar inclusive para a formação dos (as) integrantes das polícias. Não é correto dizer que as polícias são despreparadas, mas sim questionar os objetivos dessa preparação. As polícias não são preparadas para servir à população, mas ao Estado e aquilo que ele representa. Dessa forma, para mudar a realidade das polícias, devemos planejar e acompanhar a formação dos (as) profissionais e os resultados obtidos, de tal forma que os projetos para a formação profissional possam ser alterados conforme a necessidade e em nome da humanidade.

Falamos anteriormente de uma denúncia da Ponte Jornalismo, sobre um instrutor de curso preparatório para concursos que ensinava e estimulava a prática de tortura e execução. Não sabemos se o caso foi ou não apurado pelas autoridades competentes, mas situações como essa devem ser objeto de controle social.

Talvez a grande contradição que há na relação entre Estado e polícias é que o primeiro remunera mal o seu braço armado, de quem muito depende. Esse aspecto também é fundamental para se pensar a transformação das polícias. Mas, apesar de necessário, apenas melhorar a remuneração e as condições de trabalho policial [5] não resolve o problema da sabotagem às ideias progressistas, temos exemplos históricos sobre isso. As chefias devem ser ao menos simpáticas a um programa de transformação.

Entramos, então, no campo estrutural. Defendemos que a estrutura da segurança pública brasileira deva sofrer uma reforma radical. Essa reforma já é discutida no país, a desmilitarização da segurança pública, a desmilitarização da Polícia Militar, a unificação das polícias estaduais, a municipalização da segurança pública, o ciclo completo e por aí vai.

É urgente a desmilitarização da segurança pública e a extinção de sua lógica de guerra. Dessa forma, desmilitarizar as Polícias Militares, por exemplo, é um grande passo, mas que depende de uma nova constituinte. Então, fica claro que essa transformação estrutural, que envolve as polícias estaduais, as federais e até as guardas municipais não será possível sem uma nova Constituição. Isso faz com que um programa para a segurança pública tenha que prever etapas – sendo a primeira delas uma nova constituinte – que podem ser demoradas ou não, dependerá da coragem e da capacidade de articulação política, da mobilização popular, da classe trabalhadora e dos movimentos populares.

Tarefa difícil? Sim, isso sem contar que essa tarefa ainda depende de outras tarefas para a transformação social. Mas não é pra isso que estamos aqui?

(*) José Burato é ex-sargento da PM-SP, graduado em filosofia, mestre em gestão de políticas e organizações públicas, doutorando em economia política mundial. Autor do livro “Ditadura no gatilho: a institucionalização da violência policial.


[1] Manual em formato PDF disponível em: <https://www.cut.org.br/acao/manual-da-cut-seguranca-preventiva-para-militantes-ec0c>

[2] Matéria de Shin Suzuki, publicada em 27 de maio de 2022, disponível em: < bbc.com/portuguese/brasil-61611283>

[3] Assista ao vídeo em: <https://www.youtube.com/watch?v=XHdW1wByUnk>

[4] Reportagem de Arthur Stabile, Aulas para concurso de polícia ensinam técnicas de tortura e execução. Disponível em <https://ponte.org/aulas-para-concurso-de-policia-ensinam-tecnicas-de-tortura-e-execucao/>.

[5] Matéria sobre o pronunciamento de Bolsonaro disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/05/30/bolsonaro-defende-prf-e-diz-querer-justica-sem-exageros-em-caso-genivaldo.htm>.

[6] Veja a reportagem de Arapiraca News, publicada em 28 de maio de 2022, disponível em: <http://arapiracanews.com/politica/18089/2022/05/28/francisco-tenorio-responde-os-agressivos-fabio-costa-e-thiago-prado-com-desafio>.

[7] Saiba mais em Ouvidores das Polícias de seis Estados querem prisão preventiva de agentes por morte na ‘câmara de gás’ do camburão da PRF, reportagem de Pepita Ortega e Fausto Macedo, publicada em 27 de maio de 2022, no Estadão. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/ouvidores-policias-prisao-preventiva-agentes-morte-genivaldo-prf/>.

[8] Artigo de João Batista Damasceno, intitulado Proibicionismo, Marcha da Maconha e policiais antifascismo, publicado em 21 de maio de 2022. Disponível em: <https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/05/6405602-joao-batista-damasceno-proibicionismo-marcha-da-maconha-e-policiais-antifascismo.html>.

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