Santa Luzia, 7 de setembro de 2020
Carta do companheiro Glaucon Durães ao prezado presidente Lula
Querido companheiro presidente Lula, Pax et bonun!
Quem vos escreve é um jovem negro, da periferia da região metropolitana de Belo Horizonte, filho de pedreiro e dona de casa e que por meio de vários programas sociais dos governos do Partido dos Trabalhadores, rompeu com os paradigmas estruturais brasileiros e veio a se tornar o primeiro da família a cursar faculdade e o mestrado em Ciências Sociais, pela maior universidade católica do mundo, a PUC Minas.
Quero de lhe saudar pela sua encorajadora fala ao Brasil neste 7 de setembro de 2020 que além de demonstrar a sua devoção às lutas populares do povo brasileiro, aponta para a manutenção atual de sua vocação de político profissional e capaz, construída em bases sólidas do sindicalismo, do processo de redemocratização e das CEBs, em fins da ditadura militar.
Desde 2012, ano em que me filiei ao Partido dos Trabalhadores de Santa Luzia, aos 16 anos de idade, eu acompanho os seus vídeos para aprender com os seus discursos, entrevistas e conselhos, a ser um bom petista e um bom cidadão brasileiro. Dentre estes vídeos, gostaria de ressaltar o: “Um passeio pelo gabinete do Presidente da República”[1] em que o senhor aponta para uma imagem de São Francisco de Assis que estava no gabinete presidencial do Palácio do Planalto e diz aos jornalistas: “eu deixo ali São Francisco pra me proteger”.
Creio que para um nordestino humilde que venceu a pobreza, a fome e a morte, tornando-se posteriormente o presidente da República que revolucionou a gestão pública ao combater a miséria, a seca e a fome no Brasil, o senhor não poderia ter escolhido um santo protetor mais emblemático, o humilde frade de Assis, que revolucionou a igreja ao colocar o dedo na ferida do clero abastado em detrimento dos pobres, preferidos de Jesus. Mais do que isto, o senhor compreendeu a mensagem de libertação de São Francisco e a praticou enquanto político e governante. Por isto, tenho a convicção de que a América Latina teve pelo menos dois Franciscos nos últimos anos, um de São Bernardo do Campo e o outro de Buenos Aires.
Como São Francisco, presidente, o senhor foi um instrumento de paz, pois levou o amor onde havia ódio, o perdão onde havia ofensa, a união onde havia a discórdia, a esperança onde havia desespero e a alegria onde havia tristeza. Vendo a igreja em ruinas devido a pompa e a vaidade clerical que dominava e oprimia os leigos, o frade missionário de Assis fundou a Ordem dos Franciscanos, que se estruturando no seio de uma comunidade de leprosos, lutou pelos excluídos e pregou a humildade e o arrependimento aos poderosos. Sentindo o drama de vida do povo brasileiro acumulados ao longo de quatro séculos de injustiças, o senhor, presidente, o Francisco de São Bernardo do Campo, fundou o PT, que se estruturando no seio dos movimentos populares, lutou pelos excluídos e discursou a humildade e a justiça aos poderosos.
Aquele povo oprimido rendeu graças a Francisco de Assim, que mais consolou do que foi consolado, mais compreendeu do que foi compreendido, mais amou do que foi amado, mais deu do que recebeu, mais perdoou do que foi perdoai e quando morreu, viveu para a vida eterna. Também o povo oprimido rendeu graças ao senhor, Francisco de São Bernardo do Campo, soube-lhe ser leal quando mais precisou. Não o abandonou na sela fria da injustiça de Curitiba. Estivemos ao teu lado dia a dia, batalha a batalha, exigindo Lula Livre nas caravanas e na vigília. O nosso partido lhe foi fiel e nos tornamos “milhões de Lulas povoando esse Brasil, homens e mulheres noite e dia a lutar”.
É importante lembrar que o crescimento da Ordem dos Franciscanos trouxe vários problemas de âmbito organizacional, disciplinar, hierárquica e de princípios, para o seu fundador. Também, o crescimento do PT lhe trouxe, companheiro Lula, os vários problemas que enfrentemos nos últimos anos, a exemplo das cisões e dos escândalos de corrupção. Isto é compreensível, pois, se existe uma lei possível no patrimônio teórico das Ciências Sociais é a chamada “lei de ferro das oligarquias”[2].
Porém é preciso lembrar querido Lula que a Ordem dos Franciscanos e o PT foram e são duas instituições fundamentais e que cumpriam e cumprem os desígnios que as originaram. Também cabe ressaltar que o humilde de Assis na plenitude de sua maturidade compreendeu que a sua Ordem era do povo, com o povo e para o povo. Talvez a primeira ação de São Francisco foi rasgar as suas próprias vestes renegando a herança nobre de seu pai em detrimento do caminho vocacionado a preferência aos pobres, como ensina o evangelho de Jesus. E a sua última grande ação foi ter rasgado a sua derradeira vaidade, ele renunciou à sua grande obra, a Ordem Menor dos Franciscanos. Tal ato aponta para a liberdade que o pai da aos filhos para se auto desenvolverem, caso contrário, jamais se tornarão maduros.
Como jovem petista que aprendeu muito com sua história de vida, senhor presidente, desejo que o PT tenha a possibilidade de amadurecer por suas próprias pernas antes que a sua principal liderança se torne uma estrela lá no paraíso. Seria uma experiência traumática.
É preciso senhor presidente, que o nosso partido seja nosso, um partido de todas e todos e que a exemplo de São Francisco o senhor alcance a plenitude da humildade transladando o seu carisma vocacional a bandeira vermelha das trabalhadoras e dos trabalhadores. Afinal, do que vale uma múmia de Lenin preservada e iluminada na praça Vermelha sem um povo engajado na luta popular?
O senhor, presidente Lula, nos deu a consciência de classe da qual precisávamos, agora é a nossa hora de lutar. É fundamental que a nossa geração e não apenas uma liderança, assuma o protagonismo político do maior partido de esquerda do mundo, caso contrário, as frutas secarão na arvore, inviabilizado que continuemos ser milhões de Lulas povoando esse Brasil. Que o presidente que teve a cara do povo e a alma da gente agora deixe o povo se presidente.
Glaucon Durães da Silva Santos
[1]In: https://www.youtube.com/watch?v=csoAjl2Av6A. Acesso: 07/09/2020.
[2][2] Conceito desenvolvido pelo sociólogo Robert Michels no livro Partidos Políticos (1911).