Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia naturalizadora das chacinas
“A suposta guerra às drogas e a senha para legitimar as expedições racistas, à moda de bandeirantes e caxias assassinos, nas favelas, morros e territórios negros e de pobres no Brasil.”
O comércio de drogas é internacional e bilionário; o combate ao varejo da venda em favelas, morros e bairros populares tem um alvo central. No Brasil, o genocídio de negros e de pobres é o foco. O objetivo é duplo e inseparável, isto é, ele tem por finalidade segregar a população negra e pobre e, no mesmo movimento, garantir os monopólios do comércio de drogas e de armas, que atuam juntos. No que toca à chacina do Complexo do Alemão, é preciso assegurar o monopólio e a segregação socioespacial de negros e pobres na cidade do Rio de Janeiro.
A política vigora desde a fundação do projeto de Brasil branco, branqueado e para brancos da classe dominante. Não é política apenas do governo Bolsonaro. No entanto, a violência e o apoio às forças de segurança e às ações milicianas ganharam amarras profundas com o governo e forças bolsonaristas. O processo se dá no país num contínuo e resulta, somente na cidade do Rio de Janeiro, nas chacinas de Vigário Geral, Candelária, Maré, Jacarezinho e Complexo do Alemão. A política de execução de negros jovens, pobres e favelados não é e não fica restrita ao estado e cidade do Rio de Janeiro; é uma política nacional do Estado brasileiro. Na presente análise, indago se as mortes e chacinas recorrentes de negros e pobres acabaram, impediram ou impedem o tráfico? As Chacinas acorrem em áreas controladas pelas milícias? As milícias são formadas por policiais e ex-policiais, o processo dá margem para a abertura de um Cartel de milicianos?
Considerando um fato inquestionável, e que diz que o número de mortos negros aumenta, qual o papel do sistema de comunicação branco, racista e capitalista na naturalização das execuções de negros jovens e favelados? Qual o alcance da política e do currículo racista e fascista, largamente veiculada pelos programas de Datena e outros dessa laia, a favor da bandeira “bandido bom e bandido morto”? As respostas estão no corpo do artigo e nas leituras coautorais de leitoras e leitores. Vamos, então, aos fatos e à análise direta das execuções e do engodo do propalado combate às drogas.
A suposta guerra às drogas e a senha para legitimar as expedições racistas, à moda de bandeirantes e caxias assassinos, nas favelas, morros e territórios negros e de pobres no Brasil. Isso ocorre porque, é o caso da chacina no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Favelas e morros são quadros de vida dessa população executável pelos agentes de “segurança” do Estado brasileiro. Os matáveis, negros e pobres, estão colados aos territórios e são facilmente identificados pelos dados anatômicos; cor da pele, cabelo e pelo território que ocupam e usam de modo indissociável com os seus corpos e sistemas culturais. O objetivo é claro, de ordem racista, e tem por finalidade multiplicar e materializar, contínua e cotidianamente, o terror com execuções exemplares e sistemáticas de negros , negras e crianças desse contingente étnico -racial. Há uma indisfarçada georacialização da violência e, nela, os territórios negros são segregados e a população condenada ao genocídio naturalizado. Os agentes de segurança, armados para uma guerra, executam negros com absoluta certeza de impunidade e conivência explícita de governos, do ministério público, do sistema de comunicação branco-capitalista e do Estado brasileiro.
Ninguém lava dinheiro e controla a distribuição de drogas, armas, a venda, na cidade do Rio de Janeiro, com o genocídio de negros favelados e com a política racista e fascista das chacinas. As drogas estão presentes no território geral da cidade do Rio de Janeiro. Qual a lógica do suposto combate às drogas nas favelas e morros do Rio de Janeiro? Existe uma disputa pela hegemonia do negócio bilionário das drogas. A disputa pelos territórios coloca em posição de confronto o Comando Vermelho e as milícias controladas pelos agentes policiais da ativa e um exército reserva de expulsos das polícias militares e civis. No corpo ou corporação miliciana, cara leitora e leitor, avulta a presença de agentes e donos de empresas de segurança privada. Além do controle armado dos territórios, há uma política de controle político- eleitoral no processo de violência racista persistente nos morros e favelas.
As drogas são consumidas por todas as classes sociais, raças e gêneros e em todos os espaços sociais da cidade do Rio de Janeiro. No tocante ao combate ao varejo das drogas, não existe lógica nas ações policiais restritas às áreas e territórios de maioria negra e pobre. A suposta guerra às drogas é, a rigor, guerra aos negros e aos pobres e, ao mesmo tempo, revela a disputa pelo controle ou monopólio da venda de drogas. A propalada guerra entre traficantes é, vale o destaque, o embate entre as milícias controladas pelos agentes oficiais de segurança e o Comando Vermelho. As chacinas ocorrem nos territórios nos quais as milícias e milicianos estão ou são alijados dos privilégios financeiros, políticos e do monopólio do tráfico de drogas e armas. O varejo de drogas está presente em todos os bairros e principalmente nos bairros de classe média alta, branca e nos condomínios fechados. Não há notícias de chacinas e /ou de combate às drogas e ao tráfico de armas nos territórios usados pelas populações brancas e privilegiadas pelo racismo e impunidade.
Guerra contra os negros e pobres? Sim, eles são os brasileiros executáveis.
Não é apenas um erro ou engano o combate às drogas nos limites das favelas, dos morros e dos bairros populares. Existe uma política deliberadamente mobilizada para proteger a produção e a distribuição realizadas a partir da liberação nas fronteiras, portos, aeroportos, rodovias , ferrovias e, principalmente, pelo sistema financeiro e bancário oficiais. O combate às drogas, realizado pela militarização das forças de segurança como um todo, é instrumento para viabilizar o controle e, sobretudo, o esgarçamento da organização social dos moradores das favelas e bairros populares .
A militarização das forças de segurança significa compreender, é fácil constatar no país, que a polícia civil tem a mesma prática e estrutura de guerra e antipovo preto e pobre envergada pela polícia militar. O arsenal de armas de guerra e a ação militarizada, com licença para matar os executáveis históricos, são as bases responsáveis pela criação de grupo de milícias e esquadrão da morte. Política originária dos EUA, do imperialismo, a guerra contra as drogas fortalece o narcotráfico e o monopólio do tráfico, que é controlado, no contexto nacional, por setores da burguesia branca brasileira e defendido, no trânsito e pelo território usado e cotidiano brasileiro, pelos milicianos e pelos grupos de extermínios e/ou esquadrão da morte. Não é difícil compreender, pela constituição das milícias e dos esquadrões da morte, que as forças de segurança ,as polícias militares e civis, são partes e núcleo do problema.
O tráfico de drogas e de armas é um comércio ou indústria bilionária. Favelas e morros, com negros (as) e pobres em profusão, não têm instrumentos e bases financeiras e materiais para exercer o controle dessa indústria internacional. Nos espaços populares proliferam apenas os processos de varejo da venda. Sem dúvida, há muito dinheiro neste comércio internacional. Sendo assim constituído o comércio bilionário das drogas, ele não pode ser fechado com o controle armado. A chamada guerra contra às drogas, a bem do entendimento de um comércio que se alimenta das drogas e das armas ao mesmo tempo, aumenta o poder financeiro e material dessa indústria, que vende drogas, armas e a enganosa proteção. Na verdade, a proteção é a política da extorsão largamente presente nas intervenções de agentes de segurança e das suas derivações milicianas.
Existe uma indústria das drogas; o seu controle só pode crescer, a serviço de quem exige e exerce o monopólio, com a ação e a intervenção da ordem militar e militarizada para assegurar o seu controle.
Quem ganha com o tráfico de drogas é a classe burguesa e a branquitude, que apoiam a limpeza étnica e não o efetivo combate às drogas na raiz, isto é, nos domínios do sistema financeiro e nas movimentações bilionárias que passam pelos sistemas bancários nacionais e internacionais . Corroboram, com a classe burguesa e com a branquitude, a relação e a criminalização, que associam as penas, no caso do porte de drogas, ao território usado e/ou praticado como quadro de vida pelo suposto usuário ou traficante. A Lei de drogas é um retrato da falsa guerra às drogas? Sim, a guerra é sempre mobilizada contra os pretos e pobres; o ministério público não processa igualmente quem é flagrado com um cigarro de maconha na zonal sul ou norte e/ou nos morros e favelas do Rio de Janeiro. Como a cor da pele, isto é, o racismo determina tudo que temos no Brasil, as prisões e mortes são determinadas pela cor, raça e classe. Sendo assim, no Brasil racista e classista, quem realiza o varejo ordinário do tráfico, que é controlado e feito a serviço de milionários e seus agentes de segurança, é condenado e morto. No Brasil, país no qual se proliferam as ações de violência e chacina contra negros e jovens, os territórios da branquitude são livres para a circulação e consumo. Diferentemente , nas favelas e morros persiste o genocídio.
(*) Fausto Antonio – Escritor, poeta, dramaturgo, professor da Unilab – Bahia e autor dos celebrados Ideopatuagramas e Patuá de palavras, o (in) verso negro, poemas visuais.