Por Marcos Aurélio da Silva (*)
“PT nunca mais”, diz Ciro Gomes em O Globo. Se é verdade que o PT é ainda o partido que mais acolhe a grande massa dos trabalhadores brasileiros, que o reconhecem um legítimo e importante instrumento de luta, a rigor por eles mesmos construído — e isto pensando o conceito de classe operária não em termos estreitos, incluindo antes um amplo setor médio, geralmente do funcionalismo público — , o que Ciro está dizendo é: com a classe trabalhadora brasileira nunca mais.
A julgar pelas alianças que Ciro Gomes está buscando construir, a conclusão faz todo sentido. Ciro, muito aquém de uma esquerda realmente moderna, uma esquerda digna deste nome, que tem no diálogo democrático com as classes trabalhadoras o sentido maior da política e a âncora mesmo para transformações mais profundas no tecido social — e assim no processo histórico — , representa antes o velho organicismo que marca as tantas formas do populismo.
Que seja algo próximo do clássico populismo latino-americano, com alguma preocupação com o desenvolvimentismo e a geração de empregos que interessa à classe trabalhadora, não muda muito as coisas. Como todo organicismo, as classes trabalhadoras, e a própria luta de classes, não fazem parte do ideário político em que ele foi formado e com o qual continua a raciocinar.
E também não muda as coisas o fato de que a concepção organicista de mundo geralmente tome como ponto de partida o discurso étnico, ausente em Ciro Gomes e mesmo difícil de sustentar em um país miscigenado como o Brasil (e isto a despeito do racismo igualmente presente). Resta a incapacidade de compreender a história a partir das estruturas de classe, e a tentativa de buscar um amálgama político em outra dimensão qualquer da vida social — capaz de remeter ao “povo em geral” (uma entidade ainda naturalista, não exatamente histórica), mais que à divisão de classes que o dilacera.
Com uma distância de pouco mais dois anos, conseguimos compreender mais claramente o que afinal queria dizer a resposta que Ciro Gomes deu em 2018 em um entrevista concedida à TV Bandeirantes quando perguntado o que faria diante de uma greve de operários da Petrobras: em primeiro lugar um “murro na mesa”, disse Ciro, e “só depois” a negociação. Não se pode dizer que não seja um político coerente.
(*) Marcos Aurélio da Silva é professor no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (CFH/UFSC)