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EDITORIAL

Defender o PT é mudar a estratégia

O golpe de 2016, tudo o que aconteceu depois e agora a prisão de Lula confirmam: não é possível fazer mudanças sem profundas rupturas com as estruturas econômicas e políticas através das quais os capitalistas exercem seu domínio.

Os que acreditavam nisso, os que ainda acreditam ser possível e necessária uma aliança com setores da classe dominante, precisam ser convencidos de que derrotar o golpe, libertar Lula e reconquistar o governo são tarefas que exigem uma nova estratégia.

O golpe de 2016 demonstrou, também, o quão profundamente equivocados estavam aqueles que acreditavam que o PT estaria fazendo um governo tão moderado, supostamente tão ao agrado dos capitalistas e do imperialismo, que estes não teriam motivo para tentar derrubar e destruir o PT.

Tanto os petistas moderados quanto os antipetistas de esquerda acreditavam que o lado de lá estaria disposto a fazer alianças estratégicas com alguém ou algum setor do lado de cá. Erraram, porque não compreendem a atitude real da classe dominante e do imperialismo.

Desde sempre defendemos outra estratégia.

Consideramos que não é possível ampliar, de maneira profunda e permanente, o bem estar do povo, a democracia, a soberania nacional e a integração regional, sem ao mesmo tempo combater o capitalismo e o imperialismo.

Entendemos que para viabilizar um programa democrático, popular, nacional e regional, precisamos reduzir o poder político da classe dos capitalistas e ampliar o poder político das classes trabalhadoras, construindo na prática uma estratégia socialista. E sustentamos que uma estratégia de mudanças radicais pressupõe que as classes trabalhadoras estejam organizadas, mobilizadas e conscientes.

É por isso que nos debates estratégicos e programáticos, assim como nos balanços de governos, sempre dissemos que não bastava listar políticas públicas espetaculares e votações estupendas.

Era necessário perguntar, também, se estávamos avançando no sentido de acabar com a ditadura do capital especulativo e criar um setor financeiro 100% público, de reduzir o peso do setor primário-exportador e ampliar o peso da indústria, de reduzir o controle do setor oligopolista transnacional e aumentar o peso dos setores médios nacionais.

Perguntávamos, ainda, se estávamos ampliando a oferta de bens e serviços públicos, ou só de bens e serviços de mercado. Se caminhávamos no sentido de quebrar os oligopólios e monopólios privados nos setores de comunicação, cultura e educação. Se estávamos reestruturando os aparatos de justiça, segurança e defesa. Se estávamos conseguindo acabar com a influência do dinheiro nos processos eleitorais. Se estimulamos que os eleitores da esquerda se organizassem nos sindicatos, movimentos e partidos, ou se convidamos nossas bases eleitorais e sociais a agir como “setores médios”, que buscam sua felicidade individualmente no mercado, comparecendo de dois em dois anos para votar. Se difundimos uma cultura popular socialista de massas ou deixamos o terreno livre para a teologia da prosperidade.

Não se muda o Brasil, nem o mundo, sem o apoio das classes trabalhadoras. Não se trata de maioria numérica, mas de maioria política e cultural organizada. A esquerda brasileira, especialmente o PT, conquistou esta maioria entre 2006 e 2010. Mas perdeu esta maioria, em parte por erros nossos, em parte por “acertos” de nossos inimigos.

Entre os nossos erros, destacamos três: a) o de não ter percebido as mutações que as políticas neoliberais causaram nas classes trabalhadoras; b) o de não ter percebido que uma esquerda essencialmente eleitoral estaria deixando o terreno livre para que a direita, o crime e as igrejas conservadoras ocupassem espaço nos setores populares; c) o de não ter percebido que era preciso atrair os setores médios (que no fundamental são os setores melhor remunerados das classes trabalhadoras) através de políticas públicas de saúde, educação, cultura e transporte, que teriam que ser pagas através de forte tributação sobre os ricos.

Recuperar os espaços perdidos junto à classe trabalhadora, incluindo aí conquistar os setores que nunca chegamos a conquistar, exige não apenas um discurso, mas uma prática cotidiana militante. Algo bem diferente das campanhas eleitorais de dois em dois anos. E diferente também da dinâmica de mandatos parlamentares. E mesmo da ação de governos.

Os partidos, sindicatos e movimentos populares terão que recuperar qualidades que já tiveram no passado. E terão que estudar e adotar medidas novas, para realidades novas. Mas, acima de tudo, precisarão recolocar a disputa cultural, de visão de mundo, ideológica, em primeiro plano. Uma esquerda pragmática e sem sal não será páreo para a direita profundamente ideológica que estamos enfrentando.

A burguesia de cada país e seus respectivos Estados estão se tornando mais belicosos. Por outro lado, as classes trabalhadoras de cada país estão tendo que reagir a isto. Em alguns casos, se limitando a preservar direitos e ganhos de alguns setores da classe, muitas vezes em detrimento de outros setores (migrantes, mulheres, trabalhadores desqualificados etc.). Noutros casos, defendendo direitos já existentes, mas também lutando por mudanças amplas na ordem política, econômica e social, mudanças que para serem conquistadas e mantidas exigem a formação de blocos nacional-populares, que podem ou não (mas devem) estar hegemonizados pela classe trabalhadora.

Frente a esta situação, há setores da esquerda que defendem rebaixar o programa e moderar a política; e há os que defendem a necessidade de aprofundar o programa e radicalizar a política. O bom senso pareceria indicar que é hora de rebaixar e moderar. Mas fazer isto seria errado: quando o lado de lá não tem limite, o único jeito de deter o incêndio reacionário é criando uma barreira de fogo.

E isto começa deixando claro que é preciso revogar tudo aquilo que foi aprovado no período golpista. Queremos ganhar a presidência da República em 2018, executar um programa de emergência financiado por parte das reservas internacionais, fazer um plebiscito para revogar as medidas golpistas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

O lado de lá também tem claro aonde quer chegar: a ofensiva inclui destruir o PT e impedir que exista uma esquerda que seja alternativa de governo e que possa ser alternativa de poder. É por isso que os golpistas precisam de Lula preso. É também por isso que lutamos por Lula livre.

Eleição sem Lula é fraude. Lutamos por sua liberdade, vamos inscrever sua candidatura e devemos votar nele. Não aceitamos legitimar uma eleição presidencial que será vencida, por antecipação, pela direita. Ou até pela extrema-direita.

O quadro geral das eleições é de fragmentação. Uma fragmentação maior entre os que apoiaram o golpe: no momento em que este editorial está sendo redigido, são 16 golpistas em 21 pré-candidatos à presidência.

Mas também há uma fragmentação entre os que se opuseram ao golpe. Neste aspecto, 2018 lembra 1989. Se Lula não puder participar das eleições, esta fragmentação tende a prosseguir, em todo o espectro político. Se Lula for candidato, ele estará no segundo turno e terá grandes chances de vencer a eleição. Claro que os golpistas farão de tudo para mantê-lo preso, impugnar sua candidatura, impedir sua campanha, vitória, posse e governo. Agora, se Lula não for candidato, há grandes chances da extrema-direita estar no segundo turno. E, neste caso, a questão central para a esquerda não é a definição de uma candidatura; mas sim a definição de uma tática nas eleições 2018 que nos prepare melhor para fazer oposição ao golpismo 2.0 que vai emergir das eleições fraudadas.

A tendência petista Articulação de Esquerda completa, em setembro de 2018, 25 anos de existência. Nascemos no PT, somos e seguiremos sendo petistas. Ao longo destes 25 anos, vimos muita gente entrar e sair do PT. Vimos, também, muita gente profetizar o fim do PT. E hoje vemos muitos destes ex-petistas trabalhando para conquistar o eleitorado do PT, que as pesquisas indicam ter crescido apesar da crise. De conjunto, tudo isso demonstra o quanto estavam errados aqueles que imaginavam que o PT ia ser ultrapassado pela esquerda. Não foi e não será. O que pode ocorrer, isto sim, é o PT ser atropelado pela direita. E saqueado em seguida.

O importante é ter claro que a classe trabalhadora brasileira precisa de um partido de massas como é o PT. E é a classe trabalhadora que vai decidir como o PT vai sobreviver a esta crise. A questão principal é saber com qual linha política o PT vai sobreviver. Há dentro do PT quem não aprendeu nada com o ocorrido e que segue defendendo uma linha moderada e domesticada.

Por tudo isto, da mesma forma como é fundamental lutar pela liberdade de Lula, pelo direito dele ser candidato e pela eleição de Lula presidente, também é fundamental defender o PT.

Para isso, do mesmo modo como dissemos em 2015 e 2016 que defender a democracia é mudar a política econômica, dizemos agora que defender o PT é mudar a estratégia.

Os editores

P.S.: Nos dias 4 a 6 de maio de 2018, a Articulação de Esquerda fará um congresso e elegerá sua nova direção nacional, indicando as pessoas responsáveis pela edição do jornal Página 13. Os atuais editores – Valter Pomar e Emílio Font – seguem militando no PT e na AE, mas decidiram encerrar aqui um longo período à frente da edição desta valente publicação, publicada ininterruptamente desde 1998. Para não fugir ao que é hábito nestas ocasiões, citamos aqui uma frase dita em 1995: “contra quase tudo, contra quase todos e contra a maioria de nós mesmos, venceremos!!!”

 

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