Por Thaís Ribeira de Paula (*)
No último dia 24/09 ocorreu a primeira atividade do ciclo de formação permanente do setorial LGBTI+ da AE, ciclo este que tem o objetivo de dar início a um processo de rearticulação do setorial, bem como criar condições para que possamos reestabelecer nossa organicidade e voltar a formular politicamente sobre essa questão.
Esta primeira atividade teve como tema “Políticas Públicas, os Governos Petistas e os Direitos LGBTI+”, e foi conduzida pelo companheiro Thiago Oliveira, do Mato Grosso.
A seguir apresento uma adaptação da minha contribuição ao debate nesta atividade.
“É fundamental reconhecer a importância da implementação de políticas públicas para enfrentar e combater todo tipo de opressão. Neste sentido, mesmo que estivéssemos vivendo em um contexto revolucionário e em pleno processo de construção do socialismo, as políticas públicas antirracistas, anti-machistas e anti-LGBTfóbicas continuariam (e continuarão, pois havemos de construir o socialismo!) sendo necessárias.
Isto porque, mesmo com a classe trabalhadora ascendendo ao poder e convertendo o Estado burguês em um Estado popular, é muito pouco provável que o ranço opressor historicamente constituído e constitutivo do capitalismo dependente brasileiro seja imediatamente destruído, o que torna fundamental a ação positiva de políticas para que a herança fundamentalista e conservadora seja superada o mais rápido possível, de modo que gênero, identidade de gênero, orientação sexual, raça, deficiência física, etc. não mais sejam utilizados como elementos legitimadores e justificadores de qualquer forma de opressão.
A experiência petista no governo federal constitui um aprendizado muito grande para toda a militância que sonha e luta por um mundo livre de toda e qualquer forma de exploração e opressão.
Embora não tenhamos chegado nem perto de viver um contexto revolucionário, a experiência de governo de um partido comprometido com as lutas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras mostrou, por um lado, o quanto é possível avançar em termos de implementação de políticas públicas de direitos humanos voltadas aos setores oprimidos da classe trabalhadora. Mas por outro lado, mostrou também que o sucesso na implementação destas políticas está intrinsecamente ligado ao êxito maior ou menor de uma política econômica capaz de alterar de forma significativa as condições materiais de vida da maioria do povo.
Como as políticas implementadas pelos nossos governos não promoveram nenhum tipo de mudança estrutural na sociedade brasileira, tão logo a economia do país entrou em crise, pudemos ver emergir dos setores mais abjetos e retrógrados de nossa sociedade tudo aquilo que, ao menos por um curto período de tempo, e ao menos para uma parte da classe trabalhadora (que apesar de ser só uma parte, foi uma parte maior do que em qualquer outro momento da história desse país), parecia não ser possível de tornar-se hegemônico novamente.
Outro fundamental aprendizado que a experiência de nossos governos nos permite extrair é que, se é verdade que é a queda na taxa de lucros que leva a burguesia a reagir diante de um governo de caráter popular, também é verdade que é através das pautas sociais, ou assim chamadas “pautas morais”, que essa mesma burguesia mobiliza amplos setores populares a seu favor. Afinal de contas, grandes contingentes da classe trabalhadora apostaram em Bolsonaro porque ele representava uma esperança para aumentar novamente as taxas de lucro ou foi porque ele acabaria com a corrupção, com o “kit gay”, com a “ideologia de gênero” nas escolas, com o “mimimi” sobre racismo e com o “politicamente correto”?
Portanto, nesta altura do campeonato em que caminhamos a passos largos rumo à barbárie, há pelo menos dois elementos fundamentais que precisam ser levados em conta no processo de rearticulação e reorganização das nossas lutas e sobre os quais já não podemos mais vacilar: o primeiro diz respeito aos limites impostos pelo capitalismo sobre a possibilidade de ampliação de direitos sociais, civis e políticos da classe trabalhadora, incluídos aí os direitos dos e das LGBTI+; e o segundo se refere à impossibilidade de encarar a luta pela superação de toda forma de opressão como secundária e a luta pela superação do capitalismo como principal, já que, na realidade, as duas coisas estão intimamente ligadas, sendo impossível desvinculá-las na prática.
Por fim, mas não menos importante, atualmente é comum que o ônus da representatividade como um fim em si mesmo recaia sobre a militância feminista, antirracista, LGBTI+. Mas é preciso termos em conta que o rebaixamento político-programático sobre este tema se desenvolve a partir de um abandono da luta pelo poder e pela construção do socialismo.
Foi a partir desse abandono que passamos a acreditar que ter uma representação de origem popular na presidência da república (um pobre no andar de cima) seria suficiente para mudar a realidade do país. Em um contexto em que a política hegemônica na esquerda (com nosso partido à frente) passou a ser tão somente pela representatividade nas instituições do Estado Burguês, em detrimento da luta pelo poder, atribuir integralmente aos movimentos (pejorativamente) chamados de identitários a responsabilidade por uma estrita busca por representatividade, como se esse movimento estivesse descolado do contexto mais geral de abandono das lutas pelo socialismo não contribui para a correção de nossos rumos na luta contra o capital e a barbárie, e por outro tipo de sociedade.”
(*) Thaís Ribeira de Paula é formada em engenharia química, trabalha como analista de dados e é militante do PT-São Paulo (Capital).