De manipulação também se vive

Por Hilton Faria da Silva (*)

O sistema eleitoral é manipulado pela classe dominante por todos os meios. A vitória do PT em cinco das nove eleições para presidente que participou é devido à nossa luta e organização que é reconhecida pela classe trabalhadora. Porém, essa mesma classe trabalhadora elege a maioria dos deputados federais de direita e os demais cargos também de direita no país todo. Uma das causas é a manipulação da distribuição de vagas nos cargos proporcionais.

Até 2018, as coligações entre partidos eram permitidas para os cargos proporcionais. Naquele ano, pela última vez houve coligações para deputados federais e estaduais. Mas, pela primeira vez não se exigiu que cada coligação atingisse pelo menos o quociente eleitoral para eleger seus deputados. Ou seja, todos os partidos ou coligações concorriam com suas votações às sobras, após distribuir as vagas para quem tinha conseguido votação maior que o quociente. Por isso, o PT elegeu deputados federais em 25 estados e estaduais em 26 estados.

Mesmo o PT encolhendo de 69 (em 2014) para 56 deputados federais em 2018, só não elegemos no Amapá e em Roraima. No Amapá, o PT não pôde apresentar candidatos e por isso o presidente estadual do partido foi expulso, porém elegeram-se um deputado do PSB e uma do PCdoB. Em Roraima, a Rede elegeu a primeira mulher indígena deputada federal da história, Joênia Wapichana, que hoje é presidente da FUNAI. Para deputado estadual elegemos em todos os estados, menos no Amapá.

Em 2020, já não houve mais coligações para vereador e também não houve limitação quanto ao quociente eleitoral. Isso facilitou a eleição de vereadores/as do PT nas pequenas cidades.

Analisando esses resultados, os deputados de direita fizeram uma reforma eleitoral em 2021, estabelecendo o mínimo de 80% do quociente eleitoral para participar da distribuição das sobras. Com essa simples medida, o PT e a esquerda foram excluídos da eleição de deputados federais em vários estados. O PT ampliou sua bancada de 56 para apenas 70 deputados federais (João Daniel de Sergipe conseguiu se eleger depois de batalha judicial), quando os prognósticos mais conservadores eram de 78 eleitos. Ao invés de eleger deputados federais em 25 estados como em 2018, caímos para deputados eleitos em apenas 20 estados.

Deixamos de reeleger deputados federais em quase todos os estados da Amazônia Legal, com exceção do Pará e Maranhão. E não foi por falta de votos, pois se não houvesse o mínimo de 80% do quociente eleitoral, teríamos eleito no Mato Grosso, Amazonas, Tocantins pelo menos. A deputada Rosa Neide (PT/MT) foi a mais votada do estado e  não foi reeleita. O deputado Célio Moura, primeiro deputado federal eleito pelo PT/TO foi o único deputado do PT no Brasil a dobrar sua votação nesse mandato e mesmo assim não foi reeleito.

O PT recorreu ao STF contra essa mudança nas regras. Lewandovski foi o relator. O voto era animador, porém aos 45 do segundo tempo, ele concluiu que essa alteração legal era inconstitucional, porém como a bancada já estava eleita, só iria valer para a próxima eleição. Ganhamos, mas não levamos! Até agora, mais dois ministros votaram, concordando com o relator, porém determinando aplicação já. Ou seja, o PT reelegerá pelo menos mais três deputados federais (Rosa, Célio e Zé Ricardo do Amazonas), se a maioria assim decidir. Ainda faltam oito votos no STF.

O Projeto de lei que está em discussão na Câmara dos Deputados regride ao que era antes de 2018, pois estabelece a obrigatoriedade do quociente eleitoral novamente.

“Parágrafo único. Para o acesso às cadeiras será exigido:

I – do partido, que tenha obtido votação igual ou superior ao quociente eleitoral;”

“Art. 108. Na primeira fase, estarão eleitos os candidatos registrados que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, dentre os partidos que obtiveram o quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.”(NR)

“Art. 109. Na segunda fase, os lugares não preenchidos na fase anterior serão distribuídos entre os partidos que tenham obtido votação igual ou superior ao quociente eleitoral, de acordo com as seguintes regras:

IV – caso restem cadeiras a distribuir e não haja partidos com candidatos que atendam à exigência de votação nominal mínima de 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, os lugares remanescentes serão distribuídos, numa terceira fase, entre os partidos que atingiram o quociente eleitoral, desconsiderando-se apenas a exigência de votação nominal mínima.

“Art. 111. Se nenhum partido alcançar 100% (cem por cento) do quociente eleitoral, os lugares serão distribuídos de acordo com o método das maiores médias, previsto no art. 109, desconsiderando a exigência de votação nominal mínima de 10% (dez por cento) do quociente eleitoral.”

A justificativa da filha do Cunha é bem canalha: “É o caso por exemplo das regras das sobras eleitorais, assunto crucial da representação política, onde novas redações levaram a vários questionamentos nos tribunais. O modelo foi aqui levemente mudado, subindo um pouco a exigência para os partidos terem acesso às cadeiras, e buscando-se uma redação que tornasse as regras claras e transparentes, passo a passo.”

Pela boca dela fala a burguesia que quer eliminar os/as vereadores/as da classe trabalhadora.

Conforme exposto acima, a chance de eleger algum/a vereador/a sem atingir o quociente eleitoral é mínima. Eu diria inexistente em mais de 95% das cidades. O pior é que essa norma também valerá para deputados estaduais e federais, pois as eleições municipais serão um teste para aplicar depois.

Esse projeto mata o PT nas cidades pequenas. Não vamos mais eleger vereador no Tocantins. Os compradores de votos vão se dividir em dois partidos (situação e oposição) e ficarão com todas as vagas.

Conseguiram eliminar os avanços de 2018 e 2020. As eleições de 2022 foram um experimento para eliminar os deputados federais no PT nos estados menores. Conseguiram. Agora vão eliminar os/as vereadores/as do PT.

Ou alguém acha normal uma bancada ruralista com metade do Congresso, num país urbanizado e em que os fazendeiros são menos de 0,5% da população?

(*) Hilton Faria da Silva  é Engenheiro Agrônomo de Palmas/TO

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