Por Gilson de Goz (*)
O racismo institucional — reflexo do racismo estrutural nas instituições públicas ou privadas de todos os tipos e, não raro, amparado por normas, práticas e comportamentos discriminatórios — está igualmente presente nas organizações do mundo do trabalho, já que esses espaços fazem parte também de uma sociedade racista. Mudar essa realidade é um grande desafio para o sindicalismo.
Não há dúvidas de que o movimento sindical, em especial a CUT, tem avançado na luta antirracista. O envolvimento, participação, colaboração, elaborações e implementações de ferramentas que promovem a conscientização, articulações e construções de estratégias antirracistas dentro e fora do mundo do trabalho têm estado na pauta e estão sendo implementadas gradualmente, sendo fundamentais para a luta da classe trabalhadora negra, que é a base da pirâmide. Todavia, avançar com ações mais concretas faz-se necessário para que, de fato, os resultados apareçam em cadeia multiplicadora de forma eficaz e irreversível.
A CUT, enquanto maior central de trabalhador@s da América Latina, tem o desafio gigante na luta antirracista como parte da construção socialista da nossa sociedade, em especial a pobre, preta e periférica, onde reside a maioria da classe trabalhadora. Porém, precisa avançar mais, interseccionando a pauta antirracista nas pautas prioritárias da central.
Enegrecer a pauta cutista a partir de um diálogo fraterno, franco, dinâmico e permanente removerá o pó ou o fio da invisibilidade negra ainda muito significativa e presente no movimento sindical. Infelizmente, o ambiente sindical não deixa de ser um recorte da sociedade e um espaço onde também parte das opressões sociais são reverberadas. Dentre elas o racismo, o machismo e a LGBTfobia.
Os novos dirigentes (estaduais e nacional) emergem numa conjuntura geo-político-social, tecnológico e de grande avanço científico, na qual o Brasil se configura internamente na luta com a nova industrialização, a revolução 4.0, a inteligência artificial (I.A)… e internacionalmente fomentando uma nova ordem econômica Sul-Sul global, portanto necessita estar alerta para criar pautas de enfrentamento contra a precarização, a uberização e outros mecanismos de exploração onde os reflexos diretos atingem a classe trabalhadora, cuja maioria absoluta são de negr@s e que, infelizmente, ainda são levados a acreditarem ser “novos empreendedores” pelos aliados midiáticos associados do bloco da pauta neoliberal.
Na compreensão de que o sistema capitalista em sua essência é um regime de exploração e escravização de homens, mulheres e crianças, em que tudo é mercadoria e lucro é o que importa, podemos afirmar que, nesta categoria trabalho, o Brasil se constituiu sobre os pilares da opressão, patriarcado, e escravidão, que contabilizou quase quatro séculos de seres humanos sequestrados da África e escravizados oficialmente, e mais de um século, em grande parte, ainda vivenciando condições de trabalho análogas à escravidão, sendo os povos originários do Brasil e América Latina também vítimas em potencial desse mesmo sistema. Devemos compreender, porém, que tal regime ou sistema não distingue raça, gênero ou idade para efetuar sua vocação. Nesse sentido, a cor da pele (a preta) torna-se alvo e vítima da exploração do sistema e do racismo e é nesse contexto de dupla exploração, inclusive daquel@s que ainda não se reconhecem negr@s, que apontamos dois eixos que podem auxiliar o movimento sindical, a curto, médio e longo prazo, a construir um avanço para uma sociedade sem exploradores e explorados, e, em especial, sem uma elite branca racista, machista, xenófoba, misógina e LGBTfóbica:
1- Ações internas
a) Planejar e executar um crescimento interno através de um programa de formação permanente que contemple gênero, classe e raça nas elaborações e aplicações dos cursos de formação para os novos dirigentes cutistas estaduais e nacional;
b) Interseccionar a construção das pautas antirracistas nas secretarias cutistas de forma permanente a partir do diálogo e definições de temas prioritários entre os secretários com os demais coletivos das direções;
c) Orientar as direções estaduais a sensibilizarem e estimularem as direções de sindicatos cutistas para a criação de secretaria, núcleos ou coletivos de combate ao racismo;
d) A partir das criações de núcleos ou coletivos, estes serão orientados para a criação de núcleos antirracistas a partir dos delegad@s de base em cada local de trabalho;
e) Em todas as instâncias acima será fundamental a compreensão e entendimento das várias formas existentes de racismo (institucional, estrutural, ambiental etc.), como também desenvolver condições de diálogo que oriente e estimule a classe a desenvolver o letramento racial;
f) Desenvolver/aprimorar cursos, cartilhas ou outros mecanismos que orientem trabalhador@s a identificar situações racistas nos locais de trabalho, como também agir de forma adequada para que tais situações sejam superadas;
g) Estimular a criação de bibliotecas (onde não existam) nas sedes das CUT’s estaduais com foco em autores negr@s, mas não só, e uma literatura que avance para o conhecimento e o autorreconhecimento;
h) Estabelecer um orçamento para que as Secretarias de Combate ao Racismo consigam elaborar e viabilizar o desenvolvimento de políticas e programas antirracistas em parcerias com as demais secretarias, em especial a de mulheres (ou gênero);
i) Estruturar seus jurídicos na defesa, quando necessário, de trabalhador@s vítimas de racismo;
j) Orientar/estimular a incorporação nas pautas reivindicatórias dos sindicatos cutistas de cláusulas antirracistas que levem para dentro das fábricas, bancos, escolas etc. cursos sobre letramento racial;
k) Orientar através das direções cutistas cipeiros ou cipistas a pautarem a questão do racismo nos ambientes de trabalho junto às empresas, pois os danos emocionais provocados pelos assédios podem levar a acidentes graves. Entre os assédios, os de caráter moral e sexual são os que mais comumente têm trabalhador@s negr@s como alvos preferenciais.
2- Ações externas
a) Avançar nas interlocuções com os movimentos negros, populares, sociais, instituições etc. estabelecendo laços e parcerias com atividades formativas e de pautas reivindicatórias que avancem no combate ao racismo, seja ele estrutural, institucional etc.;
b) Articular e estimular através dos parlamentares parceiros, em especial de esquerda, a implementação dos estatutos de igualdade racial nos estados e municípios onde ainda não existam, como também a criação de frentes parlamentares de Combate ao Racismo;
c) Fortalecer e dar visibilidade às agendas dos movimentos negros, dos povos de terreiros, quilombolas e originários;
d) Criar/ampliar a agenda de interlocução de combate ao racismo com outras centrais nacionais e internacionais, em especial com países das américas e de África;
e) Construir pauta de mobilização nacional para que seja criado e aprovado o feriado nacional do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
f) Avançar com uma campanha em nível nacional contra as privatizações que impactam diretamente a classe trabalhadora pobre, preta, periférica e quilombola e a agricultura familiar, como as águas, o transporte público etc.
g) Mobilizar, apoiar e promover nacionalmente uma campanha sobre segurança pública com base em dados estatísticos que apontam como vítimas dos confrontos armados diretos ou indiretos a população negra trabalhadora, jovens, mulheres e crianças das periferias urbanas e do campo.
A CUT e os sindicatos cutistas precisam estar, para além da luta corporativa, se constituindo em espaços de transformação social. Devem contribuir para a construção efetiva de uma sociedade mais justa e igualitária. O combate ao racismo sob todas as suas formas é, antes de tudo, um dever das instituições, que devem repensar suas agendas, dando o devido protagonismo à luta antirracista em sua pauta de combate às desigualdades.
(*) Gilson de Goz é operário industrial e secretário de Combate ao Racismo da CUT-PE.