Direitos Humanos na ação sindical

Por Jandyra Uehara (*)

Desde 2013, vimos o ascenso da extrema-direita; o golpe parlamentar, jurídico e midiático contra a presidenta Dilma; o processo, o julgamento e a prisão do presidente Lula; a eleição do neofascista Bolsonaro e quatro anos de crise sanitária, aprofundamento das contrarreformas neoliberais iniciadas pelo golpista Michel Temer e ataques sem precedentes aos direitos humanos, tanto na disputa ideológica como no recrudescimento das violações no campo, nas florestas, contra o povo negro, indígena, a população LGBTQUIA+, as mulheres e as pessoas com deficiência.

Com a eleição de Lula para este terceiro mandato, temos a possibilidade de contribuir efetivamente para fazer avançar a luta pelos direitos humanos no Brasil. Não será tarefa fácil, pois, no centro desta luta, está o combate ao neoliberalismo e ao neofascismo. E sem derrotar o neoliberalismo e o neofascismo, não faremos avançar os direitos humanos.

Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido instituída em 1948, no contexto do pós-guerra, foi na década de 1970 que a ideia dos Direitos Humanos ganhou força no cenário internacional, o que coincide com o avanço dos processos de globalização econômica e do neoliberalismo no Norte Global.

Está evidente que o avanço do capitalismo neoliberal afundou qualquer possibilidade concreta da efetivação, ainda que parcial, dos direitos humanos, especialmente no Sul Global, onde a maioria das suas populações e da classe trabalhadora mantêm-se alijadas e excluídas de direitos básicos e até mesmo de sobrevivência.

Ao mesmo tempo, parte da agenda dos direitos humanos também foi capturada pelo imperialismo norte-americano para atender aos seus interesses políticos e econômicos nas disputas pelo poder global. Em nome da defesa dos direitos humanos e da “democracia”, da guerra ao terror ou da guerra às drogas, impõem embargos a Cuba e à Venezuela, e justificam invasão ao Iraque, ao Afeganistão, à Síria, entre outras barbaridades contemporâneas.

Mas é importante destacar que, no Brasil, os direitos humanos aparecem primeiramente como instrumento de denúncia e resistência à ditadura militar iniciada com o golpe de 1964 e às violações de caráter político decorrentes do regime. Não havia liberdade de organização e expressão, sindicatos eram invadidos, sofriam intervenções, diretorias eram cassadas, trabalhadores e trabalhadoras eram perseguidos/as, presos/as, torturados/as; desaparecidos/as e muitos/as foram assassinado/as.

Os militares golpistas e os grandes empresários também impuseram o fim da estabilidade no emprego, arrocho salarial, concentração de renda, expulsão dos trabalhadores/as do campo, crescimento desordenado das cidades e aumento da pobreza.

Portanto, na década de 70, quando a questão dos direitos humanos aparece com mais força no cenário mundial, vivíamos na América do Sul sob o jugo de regimes militares, apoiados especialmente pelos EUA, um dos pilares do sistema das nações unidas.

Desta forma, a luta pelos direitos humanos no Brasil exige memória, verdade, justiça e reparação diante das graves violações dos direitos humanos e dos crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar que durou 21 anos, até 1985.

A impunidade vigente até hoje no Brasil contribui para o arbítrio judicial e a tutela militar, confrontando a soberania popular e a democracia. O sistema de justiça e as políticas de segurança pública contam até hoje com as teorias e práticas herdadas da ditadura, baseadas na lógica da repressão e extermínio daqueles que são escolhidos como inimigos do Estado. As torturas, os desaparecimentos, as execuções sumárias são práticas que crescem nos aparatos policiais, que continuam militarizados.

O aumento da violência contra povos indígenas, comunidades tradicionais, trabalhadores rurais, a população LGBTQUIA+, as mulheres e a juventude negra, que sofre um verdadeiro genocídio, precisam de medidas efetivas na política de segurança pública no país. É inaceitável que na Bahia, um estado governado há duas décadas pelo PT, esteja no mesmo patamar de violência e arbitrariedade que São Paulo e Rio de Janeiro.

O encarceramento em massa de jovens negros e os assassinatos de defensores de direitos humanos mostram a situação dramática e alarmante em que se encontra o Brasil quando se trata do direito humano elementar à vida, à segurança e à paz.

A CUT, nascida no contexto da luta contra a ditadura militar e dos processos de lutas sociais e sindicais que deram origem também ao PT e ao MST, desenvolveu-se baseada na defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos num sentido amplo – direitos econômicos, sociais, políticos e culturais da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que orientava o “engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo”.

Honrando esse papel, a CUT deve atuar na luta pelo cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, do seu Grupo de Trabalho de Trabalhadores e da Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça da CUT, para que o Estado brasileiro cumpra com sua obrigação de realizar um levantamento das intervenções sindicais realizadas durante da ditadura militar; pela preservação da documentação oficial que comprova as violações aos direitos humanos; para articular pesquisadores, universidades, organizações sindicais e demais parceiros para desenvolver iniciativas sobre o tema; para contribuir com a Rede de Estudos sobre Processos Repressivos, Empresas, Trabalhadores e Sindicatos; e para que sejam feitas investigações e inquéritos visando apurar violações de direitos humanos por parte de empresas na ditadura e obter justiça e reparação às vítimas.

Por outro lado, é fundamental dar seguimento e ampliar o trabalho iniciado em 2019 sobre Direitos Humanos, Segurança e Democracia na Ação Sindical, principalmente na conscientização, formação, organização e mobilização dos trabalhadores e das trabalhadoras das forças da segurança que estão na base da CUT – os guardas e as guardas civis municipais – que se encontram em 129 sindicatos da base da CONFETAM.

A transformação em ações políticas e organizativas dos princípios da igualdade de direitos e da não discriminação deve ser aprofundada com a organização, ampliação e fortalecimento dos coletivos de trabalhadores e trabalhadoras existentes na CUT: LGBTQUIA+, Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência, Mulheres, de Combate ao Racismo.

Durante os governos Lula e Dilma, vimos avançar uma série de legislações e inúmeros programas para a ampliação de direitos, tais como o Estatuto do Idoso, Estatuto da Igualdade Racial, Lei do Piso Nacional do Magistério, Fundeb, PEC das Domésticas, Lei Brasileira de Inclusão, Sistema Nacional de Promoção dos Direitos LGBTQUIA+, mas, por outro lado, tivemos a manutenção do arcabouço neoliberal que impõe limites à ampliação destes mesmos direitos, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal e da política de superávit primário, entre outras. E, recentemente, no terceiro governo Lula, temos o Arcabouço Fiscal e a Política de Déficit Zero defendidos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ou seja, mesmo em governos progressistas, a concretização dos direitos humanos está subordinada à ordem neoliberal. Portanto, a luta por direitos humanos está diretamente ligada à destruição da ordem neoliberal. Façamos a nossa parte: organizar e mobilizar a classe trabalhadora na luta pela concretização dos direitos!

Ao mesmo tempo, devemos organizar a luta pela aprovação do PL 572/22 – Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, construído coletivamente por entidades populares e pela CUT, com a autoria dos deputados petistas Helder Salomão e Carlos Veras e das deputadas Fernanda Melchiona e Áurea Carolina, ambas do Psol.

Além disso, com o avanço das políticas neoliberais para a privatização de setores estratégicos, como setor elétrico, mineração e das corporações transnacionais na mercantilização da água, na flexibilização das normas ambientais e na intensificação da precarização do trabalho, a aprovação de um Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, com efetiva responsabilização, monitoramento e prevenção, será um ponto de apoio importante também na luta por soberania.

Lembramos que esta agenda teve início na ONU em 1972, quando Salvador Allende, então presidente do Chile, fez um pronunciamento histórico sobre o avanço das corporações contra o seu governo, alertando a urgência de regular o poder das multinacionais. À época, o governo de Salvador Allende enfrentava as corporações estrangeiras, inclusive na área da tecnologia, buscando construir um projeto de soberania nacional e socialista.

Construir projetos soberanos frente aos interesses das grandes corporações capitalistas segue representando o maior desafio de governos progressistas. Os limites destas políticas vão se chocar com a voracidade e violência do sistema. E serão processos políticos e sociais mais radicais que poderão levar às necessárias rupturas. Mas, na atual conjuntura, a luta e a regulamentação da ação destas empresas, muitas delas mais poderosas que os próprios estados, são parte da disputa de um projeto de soberania nacional e de desenvolvimento sustentável.

A CUT participou da construção do PL 572/2022 desde a elaboração e aprovação da Resolução do CNDH, de 2020, com diretrizes para DH e Empresas. O PL determina que os Direitos Humanos devem ter supremacia sobre quaisquer acordos de natureza econômica, especialmente os instrumentos jurídicos de comércio e investimentos. Se aprovado, as empresas nacionais e transnacionais serão responsabilizadas pelas violações causadas direta ou indiretamente por suas atividades e as responsabilidades se estenderão por toda a cadeia de produção, incluídas as suas subsidiárias, filiais, subcontratadas, fornecedores e toda a cadeia de valor. Sindicatos e organizações populares deverão ter acesso a todas as medidas de prevenção nas operações de risco e aos processos de reparação integral de danos.

O PL 572/22 representa um grande avanço na garantia de recursos para a prevenção e reparação dos Direitos Humanos violados por estas empresas que agem livremente num estado de impunidade histórico e estrutural.

Devemos ver na campanha pela aprovação deste marco legal uma disputa contra o grande capital e uma oportunidade para o processo de conscientização da classe trabalhadora.

Na perspectiva sindical, devemos trabalhar desde já para estabelecer nas nossas pautas de reivindicações cláusulas que possam avançar nos acordos e convenções coletivas no respeito aos Direitos Humanos, compreendidos como direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e que estejam profundamente ligadas ao enfrentamento do cotidiano de violações que sofrem os trabalhadores e as trabalhadoras.

(*) Jandyra Uehara é militante da Articulação de Esquerda e Secretária Nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT (2019-2023).

 

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