Por Marcelo Barbosa (*)
Rute no I Congresso do Sintuff em 1994.
A trajetória de Rute se inicia em 06 de agosto de 1947, mas provavelmente, ela veio ao mundo antes. Como de praxe no interior do país nessa época, seu registro de nascimento é impreciso, pois como ela mesma falava, o processo de registro podia levar dias, pois dependia do pai ir até ao cartório localizado no centro da cidade. Filha de pais analfabetos, Rute era baiana, nascida na cidade de Barreiras. Passou infância dura na roça. Já adolescente, foi trazida pelo tio para São Paulo para estudar, com a permissão da mãe. Nos anos 60, diante da promessa de prosperidade da nova capital, ela e tio foram para Brasília, lá conheceu um jovem fuzileiro naval, Edson e casou com ele no Rio de Janeiro em 1966, onde viveu por muito tempo. Em 1967 teve seu primogênito, Marcelo.
Como várias pessoas da classe trabalhadora brasileira, assistiu o golpe civil-militar de 1964 sem entender muito que estava acontecendo. Ainda casada, em 1970 tem seu segundo filho, Marcio. Com dois filhos e enfrentando os dilemas das mulheres brasileiras, típicos dos anos 70, ou seja, desejo de trabalhar e estudar, Rute se divorciou logo após a aprovação da lei (1977) – posição dificílima na época – (foi uma das primeiras mulheres do Brasil nessa condição).
No mercado de trabalho foi, balconista, vendedora, camelô, demonstradora de cosméticos, o que dava para fazer diante das perspectivas e oportunidades oferecidas pela ditadura militar. Seu tardio despertar político veio com a campanha das “Diretas Já” nos meados dos anos 80 (participou de todos os grandes comícios na Candelária – centro do RJ). Vem desses tempos a sua admiração pelo Lula e Brizola.
Retomando os estudos, terminou o ensino médio e em 1986 fez concurso para trabalhar na Universidade Federal Fluminense, lugar que dedicou até se aposentar. Ingressou no serviço público federal, como copeira, fez ascensão funcional e chegou a assistente administrativo. Aproveitando os ares do início do governo Sarney, também ingressou no curso de Serviço Social na UFF, onde se formou. Com a vida concentrada em Niterói (trabalho e estudo), muda-se com os filhos para São Gonçalo, em seguida para Niterói.
Era durante a sua jornada de trabalho na UFF que Rute colocava em prática os seus conhecimentos acadêmicos. Nas horas vagas, com a perspectiva de socialização da legislação e possibilitar a garantia de direitos, Rute orientava e organizava os trabalhadores de seu setor (bandejão). Conhecida na comunidade universitária por sua dedicação, Rute passa a participar das assembleias da ASSUFF (Associação de Servidores da UFF) e logo, como militante, passa a ser eleita para as plenárias nacionais da FASUBRA (Federação dos Trabalhadores das Universidades Brasileiras) e da CUT. Em 1993 colabora no processo de transformação da Assuff em Sintuff (Sindicato dos Trabalhadores da UFF), compondo a 1ª gestão do sindicato como Coordenadora Geral. Adiante, mesmo quando não fazia parte das direções do sindicato, nunca deixou de participar das greves e ações dos trabalhadores da UFF.
No final dos anos 90, por ser assistente social formada na casa e ter reconhecida atuação sindical, Dona Rute é convidada a ingressar no setor de serviço social da UFF, espaço que se dedicou até se aposentar. Foi lá que foi oportunizada a ampliar sua relação de trabalho com a comunidade, pois, além de continuar seu vínculo com os trabalhadores, pode atuar na política social voltada para os estudantes.
Ainda inserida na luta política e com experiência da militância no meio sindical, Rute busca ampliar a sua atuação política se aproximando do PT de Niterói. Pouco hábil com as tendências políticas do partido, rompe com o partido. Nesta mesma ocasião, foi convidada a se candidatar à vereadora em Niterói pelo PSB. Empreitada que não obteve êxito, mas possibilitou grande aprendizado. Em 2003, com a eleição do Lula, Rute voltaria para o PT.
Como tinha tempo de contribuição do setor privado, pediu aposentadoria no serviço público nos meados de 2005, mas nunca abandonou a universidade, tendo em vista que continuava a trabalhar para a UFF nas avaliações de renda das famílias dos estudantes nos processos de acesso à graduação.
Ainda com vigor, mas buscando novos ares, aos 70 anos, vai residir na cidade litorânea de Cabo Frio. Dona Rute adorava o mar, ela caminhava 3 km todas as manhãs no calçadão. Rigorosa nos cuidados da própria saúde, Ela tinha sempre os exames atualizados, se alimentava adequadamente, mantendo sobre controle a pressão alta, que adquiriu ao longo da vida. Dona Rute era usuária e defensora irredutível do SUS (não gostava de plano de saúde privado).
Horrorizada com o governo Bolsonaro, mas cuidadosa com relação aos efeitos da pandemia, Dona Rute, insiste em participar das eleições municipais. De posse do seu título de eleitor, decidiu ir a Niterói, votar no candidato das esquerdas, como de praxe (sua sessão eleitoral ficava no “campus do Valonguinho” na UFF). Foi a sua última missão política. No retorno à cidade Cabo Frio, contraiu Covid 19. Passou 15 dias internada, não resistiu, faleceu no dia 10 de dezembro de 2020. Dona Rute, aos 73 anos, deixou dois filhos (Marcelo e Marcio) e três netos (Morena, Gabriel e Maria Luiza), irmãos, parentes e vários amigos.
(*) Marcelo Barbosa, filho, e militante da Articulação de Esquerda – PT