Por Valter Pomar (*)
Diz a lenda que, no dia 4 de setembro de 1973, durante uma grande manifestação da Unidade Popular, alguém levava um cartaz onde estava escrito: “é um governo de merda, mas é meu governo”.
Era, segundo se conta, o protesto desesperado de um eleitor e apoiador militante do governo.
Poucos dias depois, aconteceu o golpe.
Cinquenta anos passados, ninguém de esquerda diria que o governo de Allende foi “de merda”.
Mas águas futuras não movem moinho.
O que importa é que, a partir de um certo momento, o governo da Unidade Popular foi incapaz de seguir apaixonando seus amigos e derrotando seus inimigos.
O principal responsável por aquela incapacidade foi, segundo alguns, aquele que também era o mais genial dirigente da UP e do governo, o presidente Salvador Allende.
Claro que Allende e seus amigos atribuíam as crescentes dificuldades a outros setores da esquerda, aos aliados e às elites.
Seja como for, cinquenta anos depois Allende é aclamado em todo o mundo, como um herói e um mártir.
Mas, desde então e até agora, o socialismo não teve mais “sabor de empanadas e vinho tinto”.
Donde se conclui que, mesmo que o “governo de merda” seja apenas uma lenda, mesmo que a posteridade possa ser generosa com nossos erros, o fato incontestável é que os inimigos não perdoam: matam.
Por tudo isso, o mais prudente teria sido errar menos, evitando assim que os apoiadores do governo tivessem cada vez mais dificuldade para entender, explicar e defender.
Por sorte, o Chile e esta história ficam bem longe, no espaço e no tempo. Não é mesmo?
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório do PT