Eleições 2024: Cappelli e o mordomo

Por Valter Pomar (*)

De quem é a culpa?

Do mordomo! Desde Shakespeare ou até antes, a culpa é do mordomo.

E de quem seria a “culpa” dos problemas da esquerda brasileira em 2024?

Do “identitarismo”, é claro!

Pelo menos esta é a opinião de várias pessoas, entre as quais Ricardo Cappelli, conforme pode ser lido aqui: Ricardo Cappelli: “o identitarismo nunca foi uma política de esquerda” | Brasil 247

Transcrevo um trecho: (…) Cappelli atribui o fortalecimento [da direita e centro-direita] a uma desconexão da esquerda com as pautas mais relevantes para a população. Ele criticou o que chamou de “foco exacerbado em questões identitárias”, que, segundo ele, não são históricas da esquerda no Brasil. “A questão do identitarismo é recente e nunca foi central para a esquerda brasileira. A esquerda sempre se pautou pela luta de classes e pelo desenvolvimento econômico, focando em políticas públicas universais” (…).

A desconexão existe? Certamente. Aliás, quando o chapa-branquismo campeava, várias Cassandras já falavam deste problema.

Parte da desconexão tem relação com as posições defendidas pela esquerda? Seguramente que sim, embora haja outras causas.

No que diz respeito às propostas, seria verdade que haveria um “foco exacerbado em questões identitárias”? Olhando para a realidade, não vejo provas de que isso seja verdade.

Quem é responsável pelas falhas na ação política do governo? O “identitarismo” ou, por exemplo, a mistura entre falso republicanismo e frente amplíssima?

Quem é culpado pelas dificuldades que temos para implementar uma política de desenvolvimento econômico? O “identitarismo” ou, por exemplo, o agronegócio, o capital financeiro e as concessões que fazemos a eles?

Quem prejudica nosso foco nas políticas públicas universais? Seria o “identitarismo” ou, por exemplo, a influência do socialiberalismo, a dificuldade em superar as terceirizações e privatizações e as restrições orçamentárias autoimpostas pelo déficit zero?

Quem impede que sejamos pautados pela luta de classes? O “identitarismo” ou, por exemplo, o rebaixamento programático?

Claro, quem acha que nossa estratégia e nossas táticas estão corretas, precisa achar um “mordomo” em quem por a culpa.

E alguns apontam o dedo acusador para o “identitarismo”.

As vezes o mordomo é mesmo cheio de culpas. Mas, no caso das eleições 2024, nossos problemas reais vem de outro lugar.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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