Por Valter Pomar (*)
Se a imprensa não registrou errado, é do companheiro Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, a declaração mais curiosa que li, até agora, acerca das eleições municipais de 2024.
Segundo Mercadante, “cerca de 80% dos prefeitos foram reeleitos, o que mostra satisfação do povo com as prefeituras, com a vida”.
Mais detalhes, aqui:
https://www.brasil247.com/brasil/reeleicao-em-massa-sinaliza-aprovacao-popular-diz-mercadante
Será verdade?
Vejamos o caso de São Paulo capital.
Na cidade moram 11.451.245 habitantes, dos quais mais ou menos 9,3 milhões são eleitores. Vamos supor que o eleitorado, neste caso, é igual ao “povo”.
Deste povo eleitor, 2,9 milhões não compareceram para votar.
Restam 6,4 milhões, dos quais 234 mil votaram em branco, 430 mil votaram nulo e 2.323.901 votaram em Boulos.
Como Ricardo Nunes teve 3,3 milhões de votos, sua reeleição não indica “satisfação do povo com as prefeituras”.
A reeleição significa apenas que ele teve maioria dos votos válidos.
Por quais motivos Nunes teve a maioria dos votos válidos, cabe analisar.
Mas mesmo que todos que votaram nele estivessem satisfeitos “com as prefeituras, com a vida”, ainda assim não daria para atribuir tal estado de ânimo ao “povo”.
A não ser, é claro, que aceitemos que o cidadão que não vota no vencedor, perde a cidadania.
Situações como a de São Paulo se repetiram por todo o país, ou seja, a soma de abstenções, votos brancos, votos nulos e votos na oposição superou o número de votos no candidato à reeleição, que mesmo tendo maioria dos votos válidos, não tem ao seu lado a maioria do povo.
Não nego que exista uma conexão entre satisfação e reeleição.
Mas é um erro isolar esta variável e deixar de lado ou minimizar outras variáveis, tais como a compra de votos, o uso das máquinas, a manipulação da mídia, a violência política, o financiamento empresarial legal e ilegal, sem falar no uso e abuso eleitoral das emendas parlamentares.
Seja como for, é óbvio o parentesco entre a opinião de Mercadante e a de Padilha.
A respeito de Padilha, ler aqui:
Mercadante dourou e Padilha receitou a pílula.
Do meu ponto de vista, a afirmação de ambos é uma tentativa de amenizar um fato óbvio: o governo federal contribuiu para o desempenho de várias candidaturas da direita.
Não me refiro ao ambiente nacional, nem me refiro às obrigações legais.
Me refiro à transferências voluntárias, à presença (ou omissão) política, entre outras atitudes.
Já conhecemos esta atitude de outros carnavais: é o suposto republicanismo, suposto porque geralmente beneficia quem de republicano nada tem.
Curiosamente, o “efeito satisfação”, que hoje favoreceria o desempenho das direitas nas eleições de 2024, ainda não está favorecendo o governo Lula.
Todas as pesquisas divulgadas desde o início de 2023 até hoje mostram a satisfação com nosso governo marcando o passo.
Mais ou menos como ocorreu na campanha de Boulos em São Paulo capital: mantivemos o mesmo patamar já obtido nas eleições de 2020.
Será diferente nas eleições de 2026? Esperamos que sim.
Mas as eleições municipais afetam a composição do Congresso. E um Congresso mais à direita afeta o desempenho do governo.
Por tudo isso, havia quem esperasse que o governo tivesse agido diferente. Não agiu A pergunta é se, diante de mais esta, o Partido vai agir diferente. Ou se apenas tuitará o descontentamento.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT