Por Valter Pomar (*)
Quantas prefeitas e prefeitos vamos eleger?
Quantas vereadoras e vereadores vamos eleger?
Essas são as perguntas que mais ouvimos, nesta reta final da campanha eleitoral municipal de 2024.
E a verdade é que não temos certeza.
No caso das prefeituras, trabalhamos com as seguintes hipóteses: a partir de 2025, vamos governar mais cidades do que hoje; mas os partidos do centro para a direita vão seguir com ampla vantagem, especialmente nas pequenas e médias cidades. Já nas grandes cidades (mais de 100 mil eleitores), a esquerda pode conseguir vitórias políticas importantes, daquelas que definem o balanço geral da eleição.
No caso de vereadores, a situação é um pouco pior, uma vez que mesmo onde podemos vencer as eleições para prefeitura, a tendência é que nossas bancadas proporcionais não acompanhem a votação majoritária.
Há vários motivos para isto, entre os quais um bem simples: o sistema político eleitoral brasileiro é construído de tal forma que, na prática, torna muito difícil a composição de maiorias parlamentares de esquerda. Sem voto em lista, por exemplo, é muito difícil para o PT repetir – na Câmara – o desempenho que obtém nas eleições presidenciais.
É por isto que defendemos uma reforma político eleitoral. Foi por isso que defendemos o fim da coligação proporcional.
Mas nunca houve, no Partido e noutras forças de esquerda, unanimidade sobre o que fazer. O que explica que, no debate sobre a Federação, tenhamos aceitado regras que trouxeram de volta os defeitos da coligação que combatemos.
Hoje, o fato de existir Federação amplia as dificuldades que o PT enfrenta, nas eleições proporcionais. Isso não é uma regra universal. Nem é o único fator. Mas dificulta.
Vamos dar um exemplo dessa dificuldade, tomando como exemplo a cidade fictícia de Curumim.
Sem coligação proporcional e sem federação, o número de vereadores que um Partido elege em Curumim depende de uma conta simples: quantos votos o Partido conseguiu colher nas urnas versus o coeficiente eleitoral.
O coeficiente eleitoral é o número total de votos válidos numa determinada cidade, dividido pelo número de vereadores que existem numa determinada cidade.
O número de votos válidos muda a cada eleição, mas é provável que na cidade de Curumim, neste ano de 2024, o coeficiente seja de 15 mil votos.
Logo, para eleger um vereador, um Partido precisa alcançar 15 mil votos.
Se o Partido tem 30 mil votos, elege 2 vereadoras/es.
E assim por diante.
Além disso, tem o que chamamos de “sobra”.
Imagine que a Câmara municipal de Curumim tem 33 vereadores, sendo o coeficiente de 15 mil.
Em 2020, em Curumim 2020, o PT teve 33 mil votos. Elegeu 2 vereadores e conseguiu, na sobra, eleger o terceiro.
O cálculo da sobra é feito primeiro preenchendo as cadeiras a que cada partido tem direito pleno; depois se vê quantas cadeiras não foram preenchidas; então se distribui estas cadeiras pelos partidos que têm maior sobra (ou seja, que estão mais perto de completar o coeficiente eleitoral).
Pois bem: a partir de 2022 passou a existir a Federação.
O PT, PV e PCdoB juntos fazem parte de uma Federação.
Imaginemos a seguinte situação, também de Curumim.
O PV tinha 1 vereador eleito em 2020. Mas este vereador saiu do PV antes do registro da chapa. O PCdoB tem 1 vereador, eleito em 2020, que agora é candidato a reeleição. E o PT têm 2 vereadoras e 1 vereador, sendo que este terceiro entrou na “sobra”.
Ao todo, a Federação (depois do PV perder seu vereador) tem 4 mandatos, 2 dos quais foram obtidos com sobras.
Quantos vereadores a Federação fará em 2024? E como estes vereadores vão se distribuir entre os Partidos que integram a Federação?
Isto depende da votação em geral, do coeficiente eleitoral, da votação obtida pelo conjunto da Federação e, ainda, da votação obtida por cada candidatura de cada Partido da Federação.
Vamos trabalhar com um cenário realista: em 2020 faltou pouco para o candidato a prefeito do PT de Curumim ir ao segundo turno. Imaginemos que agora vamos conseguir levar, ao segundo turno, nossa candidatura a prefeito.
Ainda num cenário realista, podemos ir ao segundo turno majoritário, sem que haja um salto em nossa votação para vereadores.
Neste caso, ou seja, caso em 2024 a Federação repita mais ou menos a mesma votação que PT e PCdoB conseguiram, separadamente, em 2020, isso significa que em Curumim a Federação vai eleger novamente 4 vereadores? E, neste caso, o PT vai eleger novamente 3 vereadores?
Não necessariamente, porque dois dos quatro atuais vereadores entraram “na sobra”.
Portanto, alguma outra federação ou algum outro partido sem federação pode ficar com as “sobras” para eles. Nesse caso, podemos cair de 4 para 3 e ou 4 para 2, mesmo se mantivermos a mesma votação.
Detalhe: na cidade de Curumim, no ano de 2020, o PCdoB tinha muitas candidaturas com expressão eleitoral. Agora, em 2024, o PCdoB só tem 2 candidaturas, uma das quais é injustamente acusada de “laranja”. Portanto, a tendência é que desta vez o vereador do PCdoB seja mais votado que antes, sem que necessariamente cresça a votação global do PCdoB.
O que muda?
Muda que, segundo as regras eleitorais, na hora de definir a ordem dos que serão eleitos dentro da Federação, é muito provável que a primeira ou segunda vaga seja do PCdoB. Na prática, quem vai depender da sobra para eleger é o PT.
E quanto aos 2 vereadores do PT de Curumim, que em 2020 entraram pelo coeficiente, esses estão garantidos?
Também não estão, porque isso depende da votação individual das candidaturas.
Aqui vale explicar o seguinte: todo ano tem mudança nas regras eleitorais. Na última destas mudanças, um pedaço da direita trabalhou a favor do “distritão”, um sistema segundo o qual não importa a votação do Partido, importa o número de votos nominais que um parlamentar recebeu.
A direita não conseguiu passar esta regra em geral, mas ela vale dentro da federação. Na hora de decidir quem da Federação entra, se olha a votação nominal das candidaturas. Motivo pelo qual o voto na legenda perdeu parte da importância que tinha antes.
Um exemplo disso: em Curumim o PCdoB não tem voto sozinho para alcançar o coeficiente eleitoral. Aliás, em quase nenhuma cidade do país o PCdoB tem voto sozinho para eleger 1 vereador. Mas, se o PCdoB estiver dentro da Federação e se dentro da Federação a votação do vereador do PCdoB for superior a votação do vereador mais votado do PT, quem vai entrar primeiro é o vereador do PCdoB. Mesmo que a soma dos votos nas várias candidaturas do PT for muitas vezes maior do que a votação total do PCdoB.
Vamos por alguns números, para visualizar.
Imagine o seguinte caso mais ou menos ficcional:
-o PCdoB tem 11 mil votos, portanto se concorresse sozinho dependeria da sobra;
-já o PT (nominais mais legenda) tem 15 mil votos, portanto se concorresse sozinho elegeria 1;
-como PT e PCdoB fazem parte da Federação, para calcular o número de vagas da Federação, se soma 11 + 15 = 26;
-com 26 mil, se o coeficiente for 15, a Federação tem 1 garantido e um segundo que provavelmente entrará, a depender da sobra;
-quem entra? Alguém do PT, certo? Afinal, o PT teve 15 mil votos e o PCdoB 11 mil. Errado, pode entrar alguém do PCdoB;
-isto vai acontecer caso, na hora de montar a chapa da Federação, o PCdoB concentrar todos os seus 11 mil votos em um único candidato, enquanto o PT tiver lançado 5 candidaturas, cada uma obtendo 3 mil votos. Nesse caso, o PCdoB vai eleger o primeiro vereador e o PT vai depender da sobra, podendo inclusive ficar sem nenhum vereador;
-ou seja, na prática pode acontecer na Federação o que muitas vezes acontecia na coligação, em que o eleitor votava num Partido e ajudava a eleger alguém de outro Partido.
Na vida real, é muito comum que nossos partidos amigos da Federação lancem poucas candidaturas (algumas injustamente acusadas de laranjas). Já nós do PT vivemos o seguinte dilema: se lançamos poucas candidaturas, a votação global da Federação pode não alcançar o coeficiente; mas se lançarmos muitas candidaturas, a votação individual de nossas candidaturas pode ficar abaixo da votação do único vereador do partido que está federado conosco.
Resultado ao final: a gente vota no PT, o PT obtém uma grande votação, ajudamos a eleger alguém do PV ou do PCdoB, mas nem sempre conseguimos eleger os do próprio PT.
Agora vejamos a situação em Curumim, em 2024.
Para a Federação conseguir, em Curumim 2024, manter as atuais 4 vagas (3 do PT e 1 do PCdoB), a Federação vai precisar conseguir 60 mil votos. Mas como o PCdoB lançou apenas 2 candidaturas, quem vai ter que garantir esses 60 mil votos é basicamente o PT.
Na prática, teremos que crescer de 33 para quase 60 mil votos, pois além de garantir os 45 mil necessários para eleger os 3 nossos, temos que completar os 15 mil votos que permitirão ao PCdoB se eleger sem tirar vaga nossa.
Se tivermos menos que 60 mil votos, vamos depender das sobras para eleger 4 da federação.
Se adotarmos uma estimativa realista (vamos ao segundo turno, mas com uma votação proporcional similar a de 2020), a conclusão é que temos grandes chances de eleger 3 vereadores, sendo 1 do PCdoB e 2 do PT.
Algo mais que isso depende de crescermos bastante e depende das sobras, sempre imponderáveis.
E se a votação não crescer? E se mantivermos os 33 mil votos do PT mais, digamos, 12 mil do PCdoB. Neste caso, quem serão as 2 pessoas do PT com mais chances de entrar na próxima legislatura da Câmara de Curumim?
Serão aqueles que tiverem mais votos nominais.
E não serão necessariamente os dois que lá estão.
Aqui entra mais duas variáveis: política pura e dinheiro. Política pura é a base social e eleitoral das candidaturas, a linha de campanha etc. Dinheiro é a quantidade de fundo eleitoral que cada candidatura obteve do Partido.
Para explicar, imaginemos a seguinte situação:
-as candidaturas dos atuais vereadores de Curumim sofreram “rachas” em sua base, com alguns apoiadores de 2020 indo fazer campanha, em 2024, para outras candidaturas. Isso é algo totalmente razoável e legítimo, acontece e faz parte da normalidade;
-uma ou duas candidaturas do PT, candidaturas de quem hoje não é vereador, recebem uma fortuna para fazer campanha. Isso não necessariamente é razoável e legítimo, pois há instâncias, regras e um certo bom senso, que nem sempre é respeitado;
-resultado: a votação de quem já é vereador diminui ou fica igual ou cresce muito pouco, enquanto a votação de quem recebeu mais dinheiro supera a de quem já estava na Câmara. Resultado: o PT elege dois. Mas não são os atuais dois vereadores.
-outro resultado possível: o PT fragmenta sua votação em várias candidaturas e isso beneficia vereadores de outro Partido da Federação, que concentraram seus votos.
Por isso tudo que já foi explicado, não é possível ter certeza de quem vai se eleger.
O que temos certeza é que, quem deseja manter a atual bancada, precisa fazer campanha para a atual bancada.
E quem deseja, legitimamente, fazer campanha para outros vereadores, não deve ficar se consolando com a ideia de que a atual bancada estaria reeleita. Não está não.
Pois se os atuais vereadores não tiverem muitos votos, eles podem ficar fora.
O que também temos certeza é que a existência da Federação – que foi apoiada por grande parte das tendências que integram o PT – se tornou uma fator tão negativo para o desempenho proporcional do PT, quanto era a antiga coligação proporcional.
Mais um assunto para debater no Partido, quando terminar a eleição.
Até lá, esforço máximo para ampliar nossas votações e eleger o maior número possível de prefeituras e vereanças.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT