Por Valter Pomar (*)
Na Alemanha, a esquerda rachou.
Deste racha surgiu, no dia 8 de janeiro de 2024, um novo partido, cujo nome é Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça.
Sahra Wagenknecht é a principal liderança do Partido.
Sim, é isto mesmo: o Partido tem o nome de sua principal liderança.
O motivo do surgimento deste novo partido é o seguinte: seus criadores, especialmente Sahra, consideravam que a esquerda alemã estava perdendo o apoio da classe trabalhadora para a direita. O que é um fato.
E como recuperar este apoio? Segundo Sahra, dando ênfase para as pautas tradicionais, deixando de lado as questões “identitárias” e assumindo palavras de ordem parecidas com a da direita, em temas como a imigração, a guerra e a pandemia.
Deu certo?
Deu: no curto prazo, o partido da Sahra teve mais votos que o antigo partido da esquerda.
Mas isso se deu num contexto em que a direita e a extrema-direita venceram as eleições.
Ou seja: esta tática serviu para o partido da Sahra se beneficiar do crescimento da direita, mas não serviu para deter o avanço da direita.
Isto posto, sugiro assistir e ler o conteúdo disponível nos seguintes endereços:
https://www.instagram.com/reel/DA_78IgN5Oo/?igsh=eHRsZnhnODdlNHA3
Nos endereços acima há entrevistas com Washington Quaquá, deputado federal do PT, eleito prefeito de Maricá nas eleições de 2024. Eleito, é bom que se diga, com uma votação superior a 73% dos votos.
As duas entrevistas foram divulgadas pelo próprio Quaquá, no grupo de zap do Diretório Nacional do PT. Portanto, ele avaliza a edição.
Noutro texto, vou comentar em detalhes ambas entrevistas.
Por enquanto, quero destacar o que considero ser uma afinidade entre a abordagem de Quaquá e de Sarah.
Ambos partem de um problema real (a perda de apoio na classe trabalhadora) e ambos sugerem alternativa similar (uma convergência com posições da direita).
É uma abordagem também similar as de Aldo Rebelo, Ricardo Capelli e Rui Pimenta, entre outros.
Focando no caso brasileiro a essência do problema transcende as aproximações de Quaquá com o bolsonarismo, que incluem declarações escandalosas, a mais recente das quais foi a seguinte: “Não toleraremos domínio armado do território. Quem portar fuzil vai pra vala, e a palavra é essa: quem portar fuzil vai pra vala!”
A essência do problema está, na minha opinião, na estratégia defendida por Quaquá, que ele resume aqui: “O governo tem pouco rumo e pouco comando. Um comando que não atua no dia a dia do país. A economia vai bem, o [Fernando] Haddad vem tocando bem a economia. O Haddad e o governo Lula vêm conseguindo aprovar as pautas econômicas. A economia está andando, mas falta articulação política e comando político no governo. Acho que o presidente Lula precisa construir um projeto de desenvolvimento nacional que possa ser um projeto de longo prazo, pra além do governo dele. Precisamos chamar o empresariado brasileiro, o centro político do Brasil, os partidos de centro, pra construir um projeto de 20 anos de crescimento”.
Alguém pode se perguntar: mas esta estratégia que Quaquá defende não é a mesma que vem sendo defendida pelo grupo atualmente majoritário no Diretório Nacional do PT, grupo ao qual pertence Quaquá?
A resposta a pergunta acima é: em termos. No sentido mais geral, trata-se da mesma estratégia, baseada na aliança com um setor do empresariado e da direita. Esta estratégia vem sendo implementada há décadas e está no fundo dos problemas que temos enfrentado, por exemplo, no governo e nas eleições de 2024.
Mas, como vimos entre 2003 e 2015, o grupo majoritário possui diversas frações. Nenhuma delas defende mudar a economia política do governo. Aplaudem Haddad hoje, como antes toleraram Palloci. Mas há diferenças importantes entre estas frações: uma delas reside no modus operandi dos governos encabeçados pelo PT.
Algumas frações são adeptas do “republicanismo”, outras defendem – corretamente – que o governo seja parte muito ativa da disputa política. Quaquá é adepto desta segunda postura.
Que Quaquá seja, agora, um dos maiores porta-vozes desta postura e que o faça da forma como faz, com os argumentos que utiliza, com as alianças que pratica, com o estilo que lhe é peculiar, é apenas mais uma evidência dos limites da estratégia como um todo.
Se o Partido não estiver disposto a construir outra estratégia – que não inclua alianças estratégicas com o grande capital e que reconstrua nossa presença organizado e cotidiana junto à classe trabalhadora, independente de estarmos ou não em governos – vamos continuar prisioneiros de alternativas que, por caminhos diferentes, não vão desembocar na “vitória final”.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT