Eleições municipais e autonômicas na Espanha: um sinal de alerta para a esquerda

Por Emílio Font (*)

Evento de campanha de Ada Colau, candidata a reeleição para a prefeitura de Barcelona, pela plataforma da esquerda, Barcelona Em Comú. Até 2023 a maior cidade governada pela esquerda

No último dia 28 de maio ocorreram eleições municipais e em parte das chamadas Comunidades Autônomas (uma instância que não existe no Brasil, seria algo como se cada região – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul – tivessem uma instância de governo, com executivo e legislativo), mas ficaram de fora as mais conhecidas (País Vasco e Catalunha) e a maior (Andaluzia).

Na Espanha o sistema é parlamentarista, ou seja, a chefia do executivo é eleita pelo respectivo parlamento eleito, o que significa que nem sempre o partido mais votado assume a chefia do executivo (exceto se tiver eleito, sozinho, maioria absoluta dos parlamentares).

Nesta eleição estavam em disputa 67.152 cargos de consejales (o equivalente aos nossos vereadores) distribuídos em 8.131 municípios, 1.038 Deputados Provinciais além de outros de menor relevância.

Não é tarefa fácil definir com exatidão o número de consejales que cada Partido obteve, em especial da esquerda, isso porque o sistema partidário espanhol é bastante flexível permitindo inclusive a existência da agrupamentos políticos e frente em nível municipal, o que faz com existam mais de 4.400 (quatro mil e quatrocentos) organizações políticas com direito de disputar eleições, a maioria não disputa todas as eleições, há muitas que estão inativas, mas o direito de disputar permanece ativo.

A votação é feita através de listas fechadas e numeradas que podem ser partidárias, de federações, uniões ou coligações, a apuração é similar ao Brasil, ou seja, proporcional, porém o método de calculo utilizado é diferente do nosso o que gera também diferente resultados, lá utilizam o sistema D’Hondt, que gera certas distorções proporcionais que privilegia as listas/partidos mais votados.

Seja como for, é nítido e reconhecido pelos dirigentes dos partidos progressistas e de esquerda que esse campo político sofreu uma dura derrota e que os grandes vencedores foram os partidos de direita, PP, e extrema direita, Vox.

No campo progressistas/esquerda o PSOE perdeu a condição de partido mais votado nas eleições municipais, baixando de 6.695.553 votos (29,38 %) em 2019 para 6.291.812 (28,12 %) em 2023 enquanto o PP passou de 5.154.728 votos (22,62 %) para 7.054.887 (31,53 %) em 2023. Mas não é somente uma derrota numérica, o PSOE perdeu em 15 das 22 capitais de província em que era governo. Já o PP tem grandes chances de governar 30 das 52 capitais, uma parte em aliança com Vox.

Já o Vox de extrema direita, foi entre os partidos que disputam em nível federal, que mais cresce um número de votos, passando para a condição de terceira força política (municipal) da Espanha. passando de 812.804 votos (3,56 %) e 530 consejales eleitos em 2019 para 1.608.401votos (7,19 %) e 1.695 consejales em 2023, ou seja triplicaram o número de parlamentares eleitos e ficam atrás, em número de parlamentares somente do PP; PSOE; ERC-AM (Esquerra Republicana de Catalunya-Acord Municipal) e JUNTS-CM (Junts-Compromís Municipal), sendo que essas duas últimas formações somente disputam eleições na Catalunha.

No campo da esquerda a derrota foi ainda maior do que a do PSOE, mesmo sendo praticamente impossível calcular exatamente em números absolutos de votos e consejales eleitos pelas 2 maiores formações de esquerda em nível federal, Podemos e Izquierda Unida, a derrota é patente. (essa impossibilidade em calcular os números exatos, em especial das duas formações, é decorrente dos pactos e alianças locais que ambos participam, em muitas listas, por exemplo nas listas de Em Comú e Compromis muitas vezes a contagem é feita em nome da lista e não por partido).

Atualmente ambos possuem uma aliança no parlamento espanhol chamada Unidas Podemos (UP, GUE/NGL) que participa da coalizão do governo de Pedro Sanchez do PSOE, mas não há obrigação de replicar essa aliança nos outros níveis.

Para termos uma ideia da dificuldade em contabilizar esses números basta analisar as distintas formações que ora participam Podemos, oras I.U., ora ambas, em 2023 as principais (mas não todas): ACORD PER GUANYAR; Em COMÚ, UNIDAS-PODEMOS-IZQUIERDA UNIDA; IZQUIERDA UNIDA (não é uma repetição); IU-MÁS PAÍS-IAS; PODEMOS, EZKER ANITZA / IU, BERDEAK EQUO, ALIANZA VERDE; COMPROMÍS; são alguns exemplo.

As candidaturas de Unidas Podemos, saíram coligadas (Podemos e I.U.) em 10 das 12 regiões e Comunidades Autônomas, onde ocorreram eleições neste 28M, nestas baixaram de 47 deputados/as nas assembleias e parlamentos regionais para tão somente 15 parlamentares.

Podemos-IU desaparece da Comunidade de Madrid, País Valenciano e Canarias.

Na cidade de Madrid ficam de fora do parlamento, e mesmo em que pese a segunda força mais votada ter sido o agrupamento de esquerda, Más Madrid (um partido que tem origem numa excisão de Podemos), na cidade de Madrid o PP fez maioria absoluta.

Podemos-IU só cresce em uma região, na assembleia da Comunidade Foral de Navarra, onde passaram de 2 para 3 parlamentares (coligação Contigo Navarra-Zurekin Nafarroa que incluí o agrupamento regional Batzarre).

Outro número importante, a coligação UNIDAS-PODEMOS-IZQUIERDA UNIDA (I.U.) elegeu apenas 200 consejales e onde saiu separadamente I.U. caiu de 424 consejales eleitos em 2019 para 196 em 2013, menos da metade.

Importante lembrar que ao perder consejales, UNIDAS-PODEMOS-IZQUIERDA UNIDA, impede/dificulta as possibilidades de que o PSOE construa maioria absoluta em diverso municípios, facilitando a conquista de executivos por parte do PP em aliança com Vox.

Mas o destaque para a derrota da esquerda é sem dúvida Barcelona, capital da Catalunha e da província de Barcelona, a maior cidade governada pela esquerda, onde UNIDAS-PODEMOS integra a plataforma Barcelona Em Comú, e onde deixa de ser a mais votada em 2019, e cai para a terceira força mais votada, atrás de TRIASXBCN-CM (capitaneados por Junts, de centro-direita) e do PSOE. Ressalte-se, porém, que a situação ainda está indefinida, considerando que as forças progressistas e de esquerda somadas, PSC-CP (PSOE) com 10, BARCELONA EN COMÚ – C com 9 e ERC – AM com 5 somam a maioria absoluta, frente aos 11 de TRIASXBCN-CM. PP com 4 e VOX com 2 completam o pleno.

Seja como for o resultado para a esquerda é considerado o pior, em nível das Comunidades Autonômicas e municipal, em toda sua história.

A exceção entre as forças de esquerda/extrema esquerda, inclusive entre as regionais, fica por conta do bom desempenho da formação EH-BILDU (Euskal Herria-Bildu) uma coligação independentista integrada por militantes do extinto ETA e pelos agrupamentos Sortu, Eusko Alkartasuna, Alternatiba e Independentes, que somente disputam em Navarra e no País Vasco, região onde passam além de passarem para a condição de força política mais votada se mantém como a força política que mais elegeu consejales nessas regiões, passando de 348.359 votos e 1.262 consejales eleitos em 2019 para 366.339 votos e 1.399 consejales eleitos em 2023 seguidos pelo regionalistas do EAJ-PNV (Euzko Alderdi Jeltzalea-Partido Nacionalista Vasco) de centro-direita que caem de 403.958 votos e 1.055 consejales eleitos em 2019 para 322.579 votos e 986 consejales em 2023.

O quadro político

A atual aliança de governo em nível federal entre PSOE e Unidas Podemos tem avançado em diversas questões sociais, seja no aumento do salário mínimo, reconquista de alguns (mas poucos) direitos trabalhistas e das aposentadorias, queda do desemprego, recuperação do conceito de saúde pública, universal e gratuita (extinto pelo PP em 2018), aprovaram um Lei de proteção integral à infância e adolescência, são alguns exemplo. Um destaque muito frequente por parte da esquerda são os avanços com relação aos direitos das mulheres e comunidade LGBTi; por outro lado é um fato que a inflação cresce, assim como no resto da União Europeia, mas não necessariamente ao ponto de suplantar os avanços.

Via de regra as campanhas do campo progressista e de esquerda forma marcadas por propostas e projetos ao nível das regiões (Comunidades Autônomas) e municípios e em alguns casos com forte conteúdo feminista. Porém nesta eleição saíram separados em diversos municípios nos quais estavam juntos em 2019, além disso a aposta de Yolanda Díaz, (ministra de Trabalho y Economia Social e segunda vice presidenta do Governo da Espanha, cargos que ocupa em nome do bloco de esquerda que apoia Pedro Sanchez/PSOE) na construção de uma nova agrupamento/frente de esquerda, SUMAR, criou diversos atritos com Podemos debilitando ainda mais a unidade da esquerda, lembrando que além do componente político existe um componente no método de cálculo das cadeiras, no qual além da linha de corte de 5% dos votos (ou seja se as forças, separadas, tiverem 4% cada, não elegem nenhum parlamentar e que também pelo método utilizado 2+2 não garantem 4 e que por vezes 3 garante 4.

Por outro lado a direita (PP) e extrema direita (Vox) principalmente apostaram na disputa “ideológica” e de valores; cabe destacar que entre as forças conservadoras e de direita europeias tradicionais (excetuando a extrema direita) o PP é uma, se não, a mais extremada; até porque tem sua origem muito vinculada a algumas figuras importantes da ditadura de Francisco Franco; um outro exemplo: quando da invasão do Iraque e da guerras anti terrorismo por parte de George Bush no anos 2010 Aznar, então chefe de governo pelo PP, foi considerado um dos se não o maior aliado dos EUA, de forma ilustrativa podemos dizer que um primeiro ministro do PP jamais teria as mesmas relações cordiais que, por exemplo, o primeiro ministro conservador da Inglaterra e o presidente da França mantem com o presidente Lula.

PP e Vox optaram por uma campanha “ideológica” e de valores muito similar as da nossa extrema direita, também cheia de inverdades, fake News e teorias absurdas, um dos exemplos dessas teorias absurdas seria uma espécie de revival de uma suposta aliança entre PSOE e o extinto ETA (2018), com a manipulação e uso de forma sensacionalista do sofrimento de familiares vítimas de ETA, insinuando que PSOE teria sido conivente com a violência que teria sido praticada por ETA; outra prática foi a falsa dicotomia extrema, que a direita usa de longa data, tais como Espanha ou Pedro Sanchez, insinuando que ao votar no PSOE você estaria votando contra a Espanha; ou seja, ficou claro que o PP não hesitou numa deriva a extrema direita para aproveitar a “onda” em nível mundial, e incluiu no seu discurso, nem sempre de forma generalizada, pautas do tipo “ditadura comunista” por parte do PSOE e sua coligação; ideologia de gênero (muito em função de medidas que colocaram Espanha como um dos países líderes em  defesa de dos direitos LGTBi); conteúdos homofóbicos, machistas, antifeministas, nacionalismo xenófobo, entre outros e se o PP salpicou, Vox não hesitou e tornou essas pautas praticamente o centro de sua campanha, com um comportamento e discurso praticamente idêntico ao nosso bolsonarismo.

Também lá como cá o papel da mídia empresarial foi no sentido de alavancar as candidaturas de direita, e desta vez, após uma pequena relutância inicial, alavancar inclusive Vox, deixando patente que a direita e a burguesia para defende seus interesses não tem o menor pudor em apoiar o fascismo.

Até do ponto de vista religioso há uma versão espanhola do papel quem cumprem alguns de nossos setores neopentecostais, mas que lá é cumprido pela Igreja Católica, que diferente do Brasil é controlada esmagadoramente por prelados de direita e extrema-direita, fruto inclusive de uma animosidade histórica com republicanos e a esquerda que vem de antes da Guerra Civil espanhola (1936-1939) e que também lá, como cá, possuem um sistema de comunicação significativo.

Para alguns analistas não houve necessariamente uma migração da do campo progressista /esquerda para a direita, pela análise do comparecimento (o voto não é obrigatório, o que nesses casos o comparecimento tem maior relevância) mas uma maior mobilização e entusiasmo dos eleitores da direita e uma diminuição do eleitorado progressista/esquerda, ou seja direita e extrema direita foram capazes de mobilizar um número maior de seus eleitorado e/ou indecisos, enquanto os progressistas e em especial a esquerda não teve o mesmo êxito. Em Barcelona, por exemplo, a abstenção cresceu 5,59%, e os número de votos brancos com 1,01% e nulos 0,95% quase triplicaram, com número capazes de mudar o resultado, que foi de , 22,42% para Junts (centro direita), 19,79% para o PSOE e 19,77% para o Barcelona em Comú.

Seja como for, temos que lembrar que no Brasil, em 2024, teremos eleições municipais, e por mais que as diferenças entre ambos os países sejam significativas, há algumas semelhanças as quais não seria prudente ignorar.

(*) Emilio Font é militante da AE, do PT e editor do Página 13

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