Página 13 publica resolução da direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda do Rio Grande do Sul.
Em Defesa da Vida: frente de esquerda, organização popular e luta social
1. A humanidade vive um momento de grave crise econômica, política e social. A não superada crise do capitalismo financeiro deflagrada em 2008 fez grande parte das economias do planeta conviverem com taxas pífias de crescimento econômico ao longo dos últimos anos. Ao mesmo tempo, os desmantelamentos dos governos progressistas da América Latina abriram espaço para o ressurgimento da extrema direita populista.
2. Desde o início da Pandemia Mundial ocasionada pelo novo coronavírus, 60 milhões de pessoas entraram na rota da extrema pobreza. No Brasil já vivíamos cinco anos de economia sem crescimento, e já antes de março os indicadores de emprego e renda mostravam os primeiros efeitos negativos da política real de Paulo Guedes: desemprego; desindustrialização; perda da capacidade de consumo; perda de direitos e o retorno do assombro da fome que já afeta milhões de pessoas no país. Os dados iniciais mostram o retorno do desemprego em massa, e trazem ainda que apenas os 10% mais ricos no país tiveram ganho de renda relativa.
3. As medidas de enfrentamento à crise econômica aprovadas a partir do congresso nacional, e em grande maioria contra a vontade do governo federal foram muito menores do que o necessário. O auxílio emergencial, por exemplo, embora tenha atingido cerca de 52 milhões de brasileiros, utilizou mecanismos e critérios que impediram que parcelas significativas das populações que necessitam o acessassem, enquanto atendeu um volumoso contingente de fraudes, já estimado por pesquisas nacionais.
4. Hoje o Brasil já contabiliza quase um milhão de casos notificados da COVID-19 e se aproxima dos 50.000 óbitos. Ao mesmo tempo em que defendem que morram pobres e idosos para salvar os lucros e rendimentos acumulados, o governo brasileiro aponta como saída única para a crise a miséria dos trabalhadores e trabalhadoras e o extermínio da esquerda como força política e social.
5. O governo de Bolsonaro se recusou a implementar as medidas iniciais recomendadas pelas equipes técnicas do ministério da saúde, o que permitiu o alastramento da epidemia em todo território nacional. Além disso, construiu o enfrentamento direto aos prefeitos e governadores que tentaram barrar a doença em suas unidades, gerando um cenário caótico de ação no controle da propagação do vírus. Além de genocida e antidemocrático, o governo brasileiro foi completamente ineficiente na execução de uma estratégia qualquer de enfrentamento à crise.
6. O governo brasileiro, assim como a ampla maioria da classe dominante que dá sustentação a sua política, já observou cuidadosamente as estatísticas de letalidade da Pandemia de Covid-19: morrem majoritariamente aposentados, pobres, negras e negros moradores de periferia, e pessoas de saúde frágil. A política de extermínio é comprovada pela completa ausência de medidas redobradas em todas as esferas de governo no brasil nas regiões onde o isolamento social é quase impossível pela ausência de água e tratamento de esgoto, materiais de higiene, comida, e habitação adequada.
7. Caminhamos sobre o fio de uma navalha, atormentados pela ausência de unidade política e organizativa da classe trabalhadora orientada à luta em defesa de sua própria sobrevivência. Aqueles e aquelas que possuem consciência acordam e dormem vislumbrando a iminência de uma tragédia humanitária e de um autogolpe militar e burguês no país.
8. É urgente e necessário recompor o processo de organização política em meio à classe trabalhadora e aos setores populares. O bolsonarismo goza de grande popularidade junto à parcela significativa dos setores que mais serão destruídos por seu governo. É hora de desvelar a mentira e a enganação do discurso entonado, e disputar o programa político na sociedade.
9. É sintomático da atual falta de coesão e organização que determinados setores da esquerda depositem as suas esperanças na articulação de uma Frente Ampla em defesa da democracia e, na maior parte dos casos, pelo impeachment de Bolsonaro.
10.Existe um caráter óbvio nessa perspectiva: uma grande parcela dos atores sociais e institucionais, por uma miríade de motivos, defendem que o mandato do atual presidente deve ser interrompido imediatamente ou que as instituições democráticas não devem sofrer novas ameaças. Os ataques de Bolsonaro à Constituição, ao STF e ao Congresso Nacional tratam-se do principal ponto de encontro entre essas perspectivas. Também é ampla a opinião de que Bolsonaro foi negligente e ineficiente diante da pandemia e das orientações dos órgãos de saúde e da ciência.
11.Contudo, não tivemos a oportunidade desta “unidade pela democracia” quando, infelizmente, o próprio ameaçado Congresso Nacional votou pelo impeachment da presidenta Dilma, em que os mesmos defensores atuais das instituições democráticas e da Constituição não hesitaram em desrespeitar o voto de milhões de pessoas para colocar na ordem do dia interesses pessoais ou corporativos, além das “reformas necessárias” ao liberalismo. Para quem assistiu à votação e os argumentos apresentados, não se torna necessária qualquer explicação sobre o crime de responsabilidade inventado que, sem nenhum pudor, foi sequer sustentado.
12.São estes mesmos atores, com o protagonismo das nossas instituições judiciárias, que impediram o ex-presidente Lula de concorrer às eleições, a partir da arquitetura do golpe. Quem teve a oportunidade de ler o relatório do Moro tem nítida a informação de que ao invés de provas, foram apresentadas as convicções de que o golpe deveria acontecer “pela vontade de Deus e do povo brasileiro” que “não quer mais o PT governando o país”. O que todas as pesquisas públicas demonstravam o oposto, a partir da pré-candidatura do próprio Lula.
13.O que fazer com um consenso tão circunstancial quanto esse? Tratá-lo como um consenso circunstancial. Essa Frente Ampla deve ficar restrita ao espaço em que ela faz algum sentido: no espaço institucional. E deve ter seus limites bem explicitados: não é possível sair desse espaço nenhuma estratégia programática que beneficie os trabalhadores e trabalhadoras, nem organização das lutas sociais.
14.O problema é que parte relevante dos setores da esquerda parecem tratar o circunstancial como estratégico ao afirmar que o nosso principal desafio é construir essa frente. Guiados por uma frente ampla, torna-se impossível demarcar o necessário: defender os trabalhadores e as trabalhadoras, o emprego, a renda, além do acesso à saúde e à educação diante da brutal crise econômica e social.
15.Faz algum sentido uma aliança circunstancial organizada em âmbitos institucionais em torno de uma pauta que é verdadeiramente comum. Pelas regras do jogo, com todas as garantias legais, Bolsonaro deve deixar o posto que ocupa. Mas e depois? O que vai acontecer com a política econômica do Paulo Guedes? As “reformas necessárias”, propostas e implementadas pelo atual governo, mas também por atores que assinam manifestos pela democracia, são reformas de desregulamentação das relações trabalhistas; que retiram direitos de seguridade social; são vinculadas à abertura comercial desvairada; à redução e simplificação do sistema tributário (sem cogitar aumentar tributação de setores que acumulam capital); às políticas de desindustrialização, e mantêm os cortes nos investimentos públicos como meta. Ou seja, reformas que abordam a crise tendo como foco atrair investidores estrangeiros, entregando mão-de-obra barata e regimes burocráticos simples, com baixas taxas de juros para créditos e subsídios.
16.Essas reformas, nada necessárias, não apresentam potencial para responder ao problema do desemprego, da segurança alimentar, da crise ambiental, do colapso nos sistemas de saúde e educacional. E impedir o Bolsonaro de exercer um mandato que nunca deveria ter sido dele, apesar de importante vitória, não garante o restabelecimento da democracia – rompida desde 2016. Esses problemas apenas podem ser respondidos com novas eleições diretas, em que o povo possa voltar a eleger uma política econômica que coloque a vida no centro da agenda.
17.Assim, se faz urgente e necessária a construção de uma frente estratégica, ou seja, que tenha como principal foco a proteção e os direitos da classe trabalhadora. Isso só é possível a partir de esforços concentrados na construção de uma Frente de Esquerda, Democrática e Popular que acumule no que diz respeito ao programa e também nas formas de lutas. Uma frente que coloque em prática a resolução aprovada no 5° congresso nacional do PT: “Este caminho vai além de acordos eleitorais ou de pactos entre direções: nossa proposta é a constituição de uma nova coalizão, orgânica e plural, que se enraíze nos bairros, locais de estudo e trabalho, centros de cultura e pesquisa, capaz de organizar a mobilização social, o enfrentamento político-ideológico, a disputa de hegemonia e a construção de uma nova maioria nacional”.
18.A partir desses elementos e da análise da situação do PT e das organizações da classe trabalhadora no país, acumuladas em nossas resoluções, a Articulação de Esquerda do Rio Grande do Sul resolve:
19.Organizar por meio do PT e da Frente Brasil Popular atos de denúncia que articulem a luta por direitos sociais, de sobrevivência e políticos como a renda básica universal, o direito de todos se protegerem do vírus, que neste momento passa pela imediata adoção nacional de um lockdown e o de não ter um genocida, fascista e golpista no governo: Fora Bolsonaro! Articulação essa que acumule no sentido de uma “paralisação geral em defesa da vida” feita pelos trabalhadores e trabalhadoras.
20.Defender que o governo do Estado do Rio Grande do Sul assuma seu papel no enfrentamento à crise em curso; que o Banrisul crie linhas de crédito subsidiadas para micro e pequenas empresas; que se retome o programa estadual de microcrédito; que retome os investimentos em saneamento básico e no conjunto de obras públicas; que cesse imediatamente o processo de desmanche do serviço público e realize o pagamento dos servidores em dia; que Eduardo Leite abandone sua agenda de privatizações; construa um programa de auxílio aos pequenos agricultores gaúchos que estão enfrentando as consequências da seca, realizando compra antecipada dos estoques e da próxima safra para suporte na alimentação de pessoas em vulnerabilidade social; que busque recursos revisando a política de desonerações e que lute pelo ressarcimento dos recursos perdidos na Lei Kandir.
21.Operar a construção da Frente de Esquerda, Democrática e Popular, reconstruindo os comitês locais da FBP em cada local em que for possível, no formato de Comitês Populares de Enfrentamento à Pandemia. Os comitês devem trabalhar no sentido da autoproteção dos setores populares frente a crise, articulando ações de solidariedade popular e de luta política.
22. Apoiar todos atos que colaborem com a pauta do Fora Bolsonaro, ressaltando a importância de sempre conciliar a luta de rua com a defesa do isolamento social e de articular a luta pelo impeachment do Bolsonaro com a defesa de eleições diretas. Além de reconhecer a legitimidade das manifestações de rua, repudiar qualquer forma de repressão aos manifestantes. Cabe ao Partido dos Trabalhadores e aos movimentos sociais, populares, estudantis e sindicais orientar a sua militância na participação e construção das manifestações de rua, contribuindo para a organização e a direção política das manifestações.
23.É fundamental reforçar as lutas antirracistas, e denunciar o fato de que atualmente o brasil está realizando um de seus maiores crimes de racismo institucional ao ignorar os efeitos devastadores que a pandemia poderá ter na ausência enfrentamento à Covid-19 nas grandes periferias urbanas.
24.Exigir e lutar para forçar à paralisação das atividades econômicas que ameaçam a vida dos trabalhadores e trabalhadoras em virtude do novo coronavírus.
Direção Estadual da Articulação de Esquerda – RS
Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal, tirando o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra, etc. Só a primeira é proibida por nosso Estado.
Bertold Brecht